Trabalhadores recusam pagar dívida alheia
Já se fala em greve nos CTT
Após a entrega de uma petição na AR, o Governo
anunciou meia-solução para o défice do Fundo de Pensões dos
CTT. Hoje os sindicalistas analisam a resposta ao congelamento
das diuturnidades decretado pela administração.
Uma nota à comunicação social esperava os dirigentes do
Sindicato Nacional dos Correios e Telecomunicações, no dia 29
de Setembro, quando chegaram da Assembleia da República, onde
haviam deixado uma petição, com mais de 7 mil assinaturas,
requerendo a Almeida Santos que o problema do Fundo de Pensões
dos CTT e das responsabilidades não assumidas do Estado fosse
levado a plenário.
Por aquela nota, «gentilmente cedida» por uma estação de
rádio, ficaram os representantes dos trabalhadores dos Correios
a saber que o Governo decidira garantir o pagamento de 30
milhões de contos, ainda em 1997, e de mais 60 milhões num
prazo de 5 anos; quanto à restante dívida (mais cerca de 95
milhões de contos), deverá ser coberta pelos CTT.
Esta solução - que é considerada pelo Sindicato Nacional dos
Correios e Telecomunicações «resultado da nossa luta de anos»
- não satisfaz, no entanto, as reivindicações dos
trabalhadores e do SNTCT. Nos contactos desenvolvidos e na
petição entregue na AR, o sindicato exige uma de duas medidas:
ou o pagamento integral da dívida do Estado ao Fundo de
Pensões, ou o regresso dos subscritores deste à Caixa Geral
de Aposentações.
O sindicato classifica como «triste» o
facto de só pela comunicação social ter sabido da nota do
Ministério das Finanças e do despacho governamental. E
mostra-se insatisfeito com as medidas anunciadas pelo Governo,
por dois motivos apontados pelo secretariado nacional do SNTCT:
- «Continuará a empresa CTT a ter que anualmente prover
extraordinariamente o Fundo de Pensões com verbas da sua gestão
corrente, reduzindo os benefícios e recusando aumentos salariais
(este ano o aumento das diuturnidades foi congelado)»;
- «Continuarão assim os trabalhadores dos CTT a pagar por via
indirecta uma dívida que não é sua, quando a sua
comparticipação para a aposentação foi sempre pontualmente
descontada».
Revisão do AE
Outro ponto sensível da actual situação
laboral nos CTT é a revisão do Acordo de Empresa. As
negociações entre os representantes dos trabalhadores e do
conselho de administração deveriam ser retomadas anteontem; na
primeira fase, o CA recusou discutir e mandou aplicar, por acto
de gestão, aumentos salariais de 3 por cento e o congelamento
das diuturnidades. Ficou sem resposta a reclamação de que o
complemento de doença e outros direitos sejam alargados a todos
trabalhadores (e deixem de estar limitados aos que faziam parte
dos quadros antes da passagem dos CTT a sociedade anónima, em
1992).
Também tem suscitado protestos justos o facto de não estarem
regularizadas, ao fim de mais de 8 meses, as convenções das
Obras Sociais com médicos e clínicos, o que leva a que
trabalhadores que efectuam regularmente os seus descontos não
tenham médicos que os assistam.
Numa concentração efectuada em Lisboa, há cerca de um mês,
duas centenas de dirigentes, delegados e activistas sindicais
deixaram na sede dos CTT uma resolução apontando todos estes
problemas e prevenindo a administração de que poderá «estar a
provocar um conflito de grandes proporções, que será
inevitável, se não der respostas às justas reivindicações
dos trabalhadores».
Numa reunião marcada para hoje, o conselho nacional do SNTCT analisa o despacho do Governo sobre o Fundo de Pensões e a posição da administração sobre o Acordo de Empresa. José Oliveira, dirigente do sindicato, admitiu ao «Avante!» que aqui possam ser discutidas formas de luta para breve prazo.
A história
da dívida
10 de Novembro de 1969 - Por decreto-lei, é criada a Empresa Pública Correios e Telecomunicações de Portugal; os trabalhadores, até aí incluídos na Função Pública, têm garantidos legalmente os direitos que decorriam da condição de subscritores da Caixa Geral de Aposentações. Um regulamento próprio deveria definir a forma como ia ser pagas pelos CTT as pensões aos aposentados depois de 1 de Janeiro de 1970: directamente ou por fundo próprio a criar para o efeito.
1988 - Nos 18 anos decorridos, a empresa não criou o fundo, nem cuidou de aprovisionar-se para garantir a obrigação de abonar as pensões dos trabalhadores, limitando-se a gerir as contribuições do pessoal (descontadas regularmente), que eram suficientes para cobrir os pagamentos aos aposentados. Depois de um estudo alertar para os riscos a médio prazo, é criado o fundo de pensões dos CTT.
14 de Maio de 1992 - O decreto-lei 87/92 transforma os CCT em sociedade anónima. Os trabalhadores admitidos após 19 de Maio de 1992 ficam arredados do fundo de pensões dos CTT, o que para o SNTCT representa uma «flagrante desigualdade» e coloca em causa a sobrevivência do fundo, por falta de novos contribuintes. O défice do fundo era estimado, na altura, em 253 milhões de contos.
15 de Dezembro de 1992 - É
decretada a cisão dos CTT e é criada a Telecom Portugal. Do
património líquido, 163 milhões de contos passaram para a
Telecom (84%), enquanto 32 milhões de contos ficaram nos CTT
(16%); do défice do fundo de pensões, ficaram 152 milhões a
cargo dos CTT (60%) e apenas 101 milhões passaram para a Telecom
(40%).
Para esta é transferido um valioso património «em grande parte
construído e financiado a expensas dos valores não
aprovisionados no fundo de pensões dos CTT», afirma o SNTCT.
«Desta forma, por motivo única e exclusivamente justificado por
vontade política para o efeito, os CTT SA transformaram-se numa
empresa tendencialmente deficitária e os trabalhadores viram
assim e mais uma vez agravada a ameaça que pesava sobre o futuro
das suas aposentações» - acusa-se na petição entregue na AR
no final do mês passado.
1994 - no resultado de mais uma «reestruturação» nas telecomunicações, a Telecom Portugal é fundida com os TLP e a TDP, constituindo a Portugal Telecom. O SNTCT recorda que, na posterior privatização da PT, «nada reverteu para o fundo de pensões dos CTT, ao mesmo tempo que o fundo de aposentações da Portugal Telecom (para que os privados a adquirissem sem encargos) era reforçado e aprovisionado em cerca de 80 milhões de contos».