Tempo de «reprises»



Com a proximidade das eleições autárquicas a ajudar, quase não se passa agora um dia sem que o Governo, o PS e os seus candidatos não promovam a «reprise» dos piores e mais detestáveis tiques e truques do cavaquismo.
O que, por enquanto, os vai relativamente poupando a um devastador retrato global do seu estilo e dos seus métodos é que a rede de extensas cumplicidades e a onda de reverência e abdicação de espirito crítico de que beneficiam nos «media» lhes vai garantindo que cada caso seja tratado apenas como um caso, dentro do sagrado esquema de «cada dia é apenas um dia, amanhã, se Deus quiser, já se estará a falar de outra coisa qualquer».

Mas, de facto, quem quiser resistir a esta onda pantanosa e serventuária, não pode deixar de reparar que, enquanto se especula sobre o regresso político de Cavaco Silva, já estão sendo ressuscitadas, em versão rosa, muitas das chocantes concepções e atitudes que o notabilizaram e fizeram triste escola entre o seu pessoal político.
É assim que temos o actual Primeiro-Ministro a clamar, num assomo de evidente bom senso, seriedade e humildade, que «só a oposição diz mal de nós», a brandir ambições e ameaças de «maioria absoluta» e a tocar velhas guitarradas sobre a «estabilidade».
É assim que temos os candidatos do PS às Câmaras do Porto e de Gaia, com um descaramento que nem sabemos se deve ser elogiado ou criticado, a anunciarem as suas candidaturas em ligação directa e transparente com a obtenção do Governo de garantias quanto a determinados investimentos naqueles concelhos.
É assim que temos o caso do comunicado da Concelhia do Crato do PS emitido através do fax do Governo Civil de Portalegre» que, para além do seu significado próprio, deve ser visto com uma ínfima lasca da ponta de um iceberg (de utilização abusiva do aparelho de Estado) certamente maior que aquele que afundou o «Titanic».

E é também assim que temos o Ministro Jorge Coelho a declarar, numa iniciativa do PS, que os autarcas da CDU no distrito de Setúbal «são os responsáveis por não ter chegado o desenvolvimento» à região, numa fidelíssima imitação do que o PSD dizia à beira das autárquicas de 1993.
Não vale sequer a pena recordar agora a meritória contribuição das autarquias geridas pela CDU para o desenvolvimento daquele distrito.
Mas já vale a pena anotar que, seguindo os critérios de exclusiva responsabilização autárquica pelo desenvolvimento convenientemente praticados Ministro Jorge Coelho, teremos então de concluir que, nos mais de cem municípios que o PS governa há anos e anos no Centro e Norte do país, o desenvolvimento deve ser de uma pujança e dimensão incomparáveis.
E também vale a pena anotar que, depois das autárquicas, ninguém estranhará que, numa visita oficial ao distrito de Setúbal, o Ministro Coelho celebre o grande desenvolvimento aí verificado por obra e graça... do Governo do PS.

E por aqui ficamos, resistindo firmemente à tentação de escrever que bem calculamos que, na opinião do Ministro Coelho, uma dúzia de Saleiros (tantos quantos os concelhos de Setúbal hoje geridos pela CDU) é que ali garantiriam o deslumbrante desenvolvimento... de alguns negócios especiais e contas bancárias particulares. — Víctor Dias


«Avante!» Nº 1246 - 16.Outubro.1997