Propinas - o imbróglio


A lei do financiamento do ensino superior público, justamente crismada de "lei das propinas" por essa designação condensar o propósito fundamental do PS e do seu governo, foi publicada no Diário da República de 16 de Setembro.

Mesmo sem repisar a evidente contradição entre o comando constitucional que determina a incumbência do Estado de "estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino" (artigo 74º) e o texto ora em vigor quando determina a passagem de uma propina anual de 1.200 escudos para 56.700 escudos, não faltam outros motivos de inconstitucionalidade e obstáculos à sua aplicação.

Em poucos dias, a própria aplicação da "lei das propinas" evidenciou constituir um complicado imbróglio político, jurídico e prático.

Observe-se, por exemplo, a evidente contradição entre a fixação taxativa do valor da propina e o disposto na lei nº 108/88 da Autonomia das Universidades quando enumera, entre as competências dos senados, o de "fixar as propinas devidas pelos alunos". Competência suportada pelo princípio da autonomia das universidades, designadamente da autonomia administrativa e financeira, consagrado no artigo 76º da Constituição.

Chame-se também a atenção para o facto da lei estabelecer que as propinas constituem "receitas próprias das respectivas instituições" (artigo 14º) e que a "arrecadação e gestão (das receitas próprias das instituições) serão reguladas por decreto-lei" (artigo 10º), e do Governo não ter concretizado, até ao momento, qualquer iniciativa neste domínio.

Além disso, as decisões do Governo em relação à proposta de Orçamento para o ensino superior para 98, em que a verba a cobrar das propinas aparece claramente como substitutiva do financiamento público, e as baixíssimas dotações previstas para a Acção Social Escolar, evidenciam um entendimento muito sui generis do Ministério da Educação em relação à maneira como pensa "cumprir" as determinações da "lei das propinas" que lhe fixam deveres. Retenha-se, por exemplo, do artigo 3º, o enunciado do "princípio da responsabilização financeira do Estado, entendido no sentido da satisfação dos encargos públicos exigíveis na efectivação do direito ao ensino, e no da maximização das capacidades existentes, bem como na expansão gradual com qualidade, e que permita a liberdade de escolha, do sistema público de ensino superior". Ou o enunciado do "princípio da não exclusão, entendido como o direito que assiste a cada estudante de não ser excluído, por força de carências económicas, do acesso e da frequência do ensino superior, para o que o Estado deverá assegurar um adequado e justo sistema de Acção Social Escolar".

Não evidencia isto tudo que o problema das propinas - como a vida se encarregará certamente de demonstrar, mais cedo que tarde - com a publicação da lei iníqua, em 16 de Setembro, é que verdadeiramente começou? E que de pouco terá servido a esperteza do PS, uma vez negociado e obtido o (natural) apoio tácito do PSD, de ter agendado o debate parlamentar para o pino do Verão e de o ter realizado a mata cavalos, em condições que não dignificaram a Assembleia da República? - Edgar Correia


«Avante!» Nº 1246 - 16.Outubro.1997