Toxicodependência
Números revelam
uma sociedade doente


Os números da toxicodependência «constituem uma indesmentível acusação a um sistema social que tudo sacrifica à lógica do lucro», disse Francisco Lopes, membro da Comissão Política, na declaração proferida na conferência de imprensa ontem realizada pela Comissão Nacional do PCP para os Problemas da Toxicodependência e do Narcotráfico (de que a seguir se transcrevem extractos).

«(...)Passados dois anos de governo PS, depois da definição da droga como inimigo público numero um, depois do dia D, depois das afirmações que o programa do governo nesta área estava cumprido, a realidade é que o numero de toxicodependentes não pára de aumentar sendo já reconhecidos cerca de 120000, a realidade é que cresce o consumo de novas drogas, a realidade é que a epidemia da toxicodependência continua descontrolada atingindo mais e mais jovens, preocupando mais e mais a população portuguesa.
Em vez de procurar conhecer a fundo a realidade para a enfrentar, o governo busca justificações para minimizar o fenómeno e procura fugir às responsabilidades.
Em vez do reforço substancial de verbas no Orçamento de Estado que uma eficaz intervenção nesta área exige, o Ministro Jorge Coelho procura esconder a insuficiente dotação de meios com a habilidade de contabilizar verbas de diferentes Ministérios de modo a anunciar uma dotação de 15 milhões de contos, numa mistificação típica para enganar incautos.

(...) Os números da toxicodependência são o sinal de uma sociedade profundamente doente, constituem uma indesmentível acusação a um sistema social que tudo sacrifica à lógica do lucro, evidenciam uma situação descontrolada e mostram afinal a profunda insuficiência das medidas até agora tomadas.
O PCP conhecendo a complexidade de uma acção eficaz de prevenção da toxicodependência no quadro actual, valorizando o esforço e dedicação de responsáveis e técnicos aos mais diversos níveis e não contestando algumas medidas tomadas, considera que não se fez e não se está a fazer o possível e o necessário para enfrentar e fazer recuar o flagelo da toxicodependência.

(...) O PCP adianta no momento em que se debate o Orçamento de Estado para 1998 quatro direcções e medidas que considera particularmente necessárias e urgentes.

1ª. O reforço da coordenação e dos meios das polícias e da Procuradoria Geral da República para defrontar o tráfico de drogas e o branqueamento de capitais e a adopção de medidas que tornem mais eficaz a intervenção do Banco de Portugal e do Instituto de Seguros na fiscalização de operações suspeitas de branqueamento de capitais.

2ª. A alteração à "lei da droga" no sentido de eliminar as penas de prisão por simples consumo de droga. Dadas as características do sistema prisional e uma vez que um toxicodependente é um doente cujo encerramento numa prisão em nada contribui para o seu tratamento e recuperação, a aplicação de penas de prisão é claramente contraproducente (...) a pena de prisão por simples consumo [deve ser] substituída por medidas alternativas, designadamente de tratamento e de trabalho a favor da comunidade.

3ª. A criação de condições para um efectivo direito ao tratamento e recuperação dos toxicodependentes, com o recurso aos mais diversos métodos, incluindo a metadona e outros produtos, orientados para o controlo da situação e sempre tendo em vista o encaminhamento para tratamento e recuperação e não como substituição do direito ao tratamento pela perpetuação da dependência.

4ª. A necessidade da expansão da rede pública, nacional, gratuita, de atendimento, tratamento e reinserção social de toxicodependentes, como linha específica fundamental, paralelamente a uma articulação desta rede com os Hospitais e Centros de Saúde.

Traduzindo estas preocupações o Grupo Parlamentar do PCP vai avançar com um conjunto de propostas de alteração ao Orçamento de Estado no quadro do PIDDAAC, das quais destacamos:

· No âmbito dos Centros de Atendimento a Toxicodependentes, CATs, registando-se algum alargamento da cobertura regional, subsistem ainda gravíssimas carências — tempos de espera de vários meses para uma primeira consulta— nas Áreas Metropolitanas e em outras regiões do país, onde também pesam as grandes distâncias até ás unidades existentes. Neste campo o PCP vai propor o reforço de verbas de modo a tornar possível a criação dos CATs de Loures, Amadora, V.F.Xira, Sintra, Barreiro, Litoral Alentejano e Peniche, de unidades (CAT.s ou extensões) nos distritos de Aveiro, Braga, Porto e em outros locais em que a gravidade do fenómeno o justifica, tendo também em conta os elementos estatísticos que o programa de troca de seringas fornece.

· Embora possam existir diversas alternativas ao tratamento em unidades de desabituação, tal método não deve ser abandonado. Dado que as 80 camas existentes, das quais 39 estatais, são claramente insuficientes o PCP vai propor uma dotação orçamental para a criação de unidades de desabituação em Aveiro, Coimbra e Setúbal.

· Quanto às Comunidades Terapêuticas continua uma desresponsabilização do Estado que não pode manter-se.
Das cerca de mil camas existentes em comunidades terapêuticas apenas 32 são estatais. Considerando que os serviços públicos devem dispor de um significativo numero de camas com distribuição nacional o PCP vai propor uma dotação para a criação de Comunidades Terapêuticas públicas em Lisboa, Porto, Braga, Castelo Branco, Beja e Algarve.

· (...) Neste momento existem áreas especiais de tratamento nos estabelecimentos prisionais de Lisboa, Porto e Stª Cruz do Bispo, e a previsão de novas áreas abrange apenas mais três estabelecimentos (Leiria, Tires e Sintra) e um total de presos insignificante face ao numero de reclusos toxicodependentes. O PCP vai propor uma dotação para a criação, além das já previstas, de novas áreas especiais de tratamento, designadamente em Pinheiro da Cruz e Alcoentre.

· São conhecidas as carências de apartamentos terapêuticos para os ex-toxicodependentes (...) ainda com acompanhamento. As medidas anunciadas são claramente insuficientes. O PCP vai propor uma dotação para a criação de novos apartamentos de saída (designadamente para adaptação de imóveis e equipamentos).

· Têm proliferado as situações de bairros que são autênticos guetos onde se concentram toxicodependentes que vão ficando socialmente marginalizados, atingidos por graves doenças infecto-contagiosas e por elevados níveis de mortalidade. Foram tomadas algumas medidas, designadamente no Casal Ventoso para o apoio humanitário. Estas medidas são limitadas e pontuais. O PCP vai propor uma dotação para a criação de um dispositivo nacional de centros de apoio e encaminhamento para tratamento ( fixos ou móveis).»


«Avante!» Nº 1249 - 6.Novembro.97