Orçamento de Estado
O que
se esconde por detrás dos números
Por Lino de Carvalho
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Ora aí está.
Depois do último artigo sobre o livre "Le Retour de
Terre" que retrata as desilusões de um adepto das ideias
liberais com o liberalismo e que desmonta a crua realidade social
que se esconde por detrás dos indicadores macro-económicos nada
melhor do que o Orçamento de Estado para 1998 para aplicar
também esse exercício à realidade portuguesa.
O Governo do Partido Socialista gaba-se de apresentar taxas de
crescimento da economia que demonstrariam a bondade da sua
política económica e que garantiriam a convergência nominal
com a Europa comunitária bem como a coesão social e a
solidariedade nacional.
A convergência nominal com a Europa com vista à Moeda Única é
capaz de ser verdade mas a coesão social e a solidariedade
nacional, esses estão longe de se vislumbrarem nos números do
Orçamento de Estado para 1998. Pelo contrário. O que se esconde
por detrás dos indicadores macro-económicos, das taxas e dos
números é mais injustiça e insensibilidade social, é mais
injustiça fiscal e, sobretudo, uma gritante ausência de vontade
política para combater o escândalo que é a gigantesca evasão
fiscal que campeia em Portugal e que se estende desde os pequenos
e deslumbrados aprendizes de capitalistas como o Presidente da
Câmara Municipal de Cascais passeando pelas grandes empresas e
grandes fortunas até, particularmente, ao sistema financeiro.
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Convido-vos, caros
leitores, a uma breve viagem por alguns labirínticos corredores
do Orçamento de Estado.
Comecemos pela distribuição do Rendimento Nacional. O Governo
do PS prevê uma taxa de crescimento do Produto Interno Bruto
(PIB), da riqueza do País, em 3,8%, uma inflação de 2,5% (na
base do PIB) e incrementos da produtividade por trabalhador na
ordem dos 3%. Mas a verdade é que o crescimento da massa
salarial não vai além dos 3% - sendo que para os trabalhadores
da Administração Central e Local a proposta de crescimento dos
salários é de 2,15%. Como é fácil de verificar isto significa
um agravamento da distribuição do Rendimento Nacional em
prejuízo das remunerações do trabalho uma vez que a quase
totalidade dos ganhos de produtividade gerados pela força de
trabalho são absorvidos pela capital.
Não é por isso de estranhar que essa relação se traduza hoje
após sucessivos anos de políticas do PSD e do PS, em perdas
sucessiva do peso do trabalho na distribuição do Rendimento
Nacional (43,7% em 1973; 59,3% em 1975; 43,0% em 1992 e
estimando-se em 42,6% em 1995).
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Passemos agora à questão das pensões de reforma. 74% dos pensionistas de velhice do regime geral têm pensões inferiores a 50.000$00 (sendo que 58% têm pensões inferiores a 30.100$00). Os valores previstos no Orçamento para aumentos dos reformados aponta para valores médios da ordem dos 4%. Contudo, o Governo declara no relatório do Orçamento de Estado e nas contas da Segurança Social que esta atinge, um conjunto de saldos positivos, entre 1996 e 1988, acima de 180 milhões de contos que o PS opta por transferir, na sua totalidade, para efeitos de capitalização para o Fundo de Estabilização Financeira. Não se discorda da necessidade de reforçar e consolidar o sistema público. Mas é inaceitável que esse reforço do sistema seja feito à custa da manutenção das pensões a um nível tão baixo. É possível, orçamentalmente, uma solução diferente - desde que haja uma outra opção de política e um outro modelo de desenvolvimento social - permitindo um aumento extraordinário das pensões de reformas mais degradadas em 3.000$00. Basta para tanto que o Governo afecte a esse objectivo menos de metade dos saldos positivos que anuncia (cerca de 62 milhões de contos) para os aumentos do regime geral e transferir do Orçamento de Estado para o Orçamento da Segurança Social uma pequeníssima parte (30 milhões de contos) da elevadíssima dívida - cerca de 1900 milhões de contos - do Estado em resultado ao não cumprimento da Lei de Bases da Segurança Social, para fazer face aos aumentos dos restantes regimes (exactamente aqueles que estão na origem da dívida do Estado). Nem sequer Maastricht se zangava.
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E esta opção, para
além de socialmente necessária, é tanto mais legítima de
reivindicar quanto o Governo nada fez ao nível da reforma do
sistema fiscal e do combate è evasão que garanta, noutro plano,
o aumento das receitas do Estado.
Sabem os leitores do "Avante!" que, em Portugal:
- Cerca de 60% das sociedades não apresentam lucro tributável. Isto é, quase 2/3 das empresas não pagam IRC!?
- Mais de 30.000 sociedades - sempre as mesmas -, isto é, 37% do total dos contribuintes em IRC apresentam, ano após ano, estranhos prejuízos num valor anual superior a 500 milhões de contos sem declararem falência!?
- 700 milhões de contos, só no exercício de 1995, foram subtraídos à base tributável (base a partir do qual se determina o IRC a pagar) em resultado de várias manobras fiscais!?
- Os 22 mais importantes bancos do País, em 1995, de lucros líquidos no valor de 172 milhões de contos, só pagaram impostos de 37 milhões de contos também após sucessivas "correcções" fiscais o que se traduz numa redução da base tributável em 78%!?
- Do IRC recebido pelo Estado das 100 maiores empresas, 69% é de empresas públicas?
Em resumo, o Governo de um Partido Socialista defende actualizações salariais que mal dão - quando dão - para cobrir a inflação; propõe aumentos para as pensões de reforma que dificilmente chegam para uma bica por dia; não alivia a carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho (nem sequer mexe no famigerado selo sobre os recibos de salários) mas em contrapartida propõe-se diminuir generalizadamente, em dois pontos percentuais, o imposto sobre os lucros das empresas (IRC) e nada faz de estrutural para pôr termo (ou mesmo diminuir) o enorme volume de centenas de milhões de contos que todos os anos fogem ao fisco enquanto os trabalhadores por conta de outrém têm de pagar os seus impostos até ao último tostão.
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Sobre a tão
apregoada solidariedade nacional bastam, talvez, dois números da
distribuição regional dos investimentos do plano (PIDDAC/98)
que tem um crescimento global nominal de 8,5%.
Oito distritos significativos do interior do País (Beja,
Bragança, Castelo Branco, Évora, Guarda, Portalegre, Vila Real
e Viseu) tiveram direito no Orçamento de Estado para 1997 a
17,3% do total do investimento público regionalizado. Mas para
1988, essa percentagem desce para 14.7%.
Em contrapartida, os distritos de Lisboa e Porto que em 1997
foram beneficiados com 44,7% do total nacional sobem agora, ainda
mais, para 50%.
Onde está a correcção das assimetrias regionais?
Há "socialismo" neste Orçamento? Não há. Mas a realidade que se esconde por detrás dos grandes números e dos grandes "êxitos" orçamentais são seguramente uma arma útil no combate político e ideológico.