Aleijar
o aleijão
Representam um verdadeiro aleijão constitucional,
como na altura dissemos, o conjunto de normas que PS e o PSD
cozinharam para introduzir na Constituição os referendos sobre
a lei de criação das regiões administrativas.
Depois disso temos assistido a novas torções do PSD e a novas
contorções do PS que continuaram a aleijar o aleijão.
Na mira do PS, ou pelo menos de alguns dos seus dirigentes,
parece ter estado ao princípio, assim pelo menos queremos
acreditar, o objectivo de associar o PSD à concretização da
reforma regionalizadora. Já então se percebia que se tratava de
uma missão impossível: o PSD não ia dar ao PS a glória de
liderar uma reforma que ele não tinhha querido fazer quando era
poder. Cedo se percebeu também que Marcelo não seria capaz de
afrontar o anátema lançado por Cavaco à regionalização e que
procuraria arrastar Guterres e outros dirigentes do PS na sua
pusilaminidade.
O PS lá tem procurado salvar as aparências,
proclamando o seu amor à causa, mas generaliza-se a suspeita de
que se trata para os dirigentes do Largo do Rato de mais uma
paixão para meter na gaveta, como tem acontecido a tantas
outras. É só passarem as autárquicas...
A prova do aleijão surgiu, entretanto, com evidência quando os
dois parceiros do cozinhado constitucional divergiram sobre a
interpretação do que tinham escrito acerca das condições e da
eficácia dos referendos. O PS voltou a ceder. Será como o PSD
exigia: o referendo será sempre vinculativo se vencer o
«não», mas se vencer o «sim» só será vinculativo se
votarem mais de 50 por cento dos eleitores inscritos. O Governo
fez a correspondente proposta de lei.
Eis que chega a segunda grande prova do aleijão. Uma
recente sondagem da Universidade Católica («Público» de 29 de
Outubro) mostra que a maioria dos portugueses continuam, apesar
de todas as manipulações, confusões e distorções, a ser
favoráveis à criação das regiões administrativas. Mas, se a
pergunta é feita nos termos propostos pelo PS, «concorda com a
instituição em concreto das regiões administrativas», então
a maioria vota contra.
Aqui tem o PS uma resposta esclarecedora, não só à pergunta
que propõe para o referendo, mas a toda a sua conduta ao longo
deste processo.
Entretanto, nos meios do Governo já se encontraram
argumentos, na necessidade de se proceder a uma limpeza dos
cadernos eleitorais, para adiar a data do referendo. Estava
solenemente prometida por Jorge Coelho, às bases mais
favoráveis à regionalização, que seria a de 25 de Abril, do
próximo ano.
Ao mesmo tempo, o Presidente da República pede ao Tribunal
Constitucional a verificação da constitucionalidade da lei da
criação das regiões administrativas. Não se contesta a
legitimidade da iniciativa presidencial, mas anota-se o excesso
de escrúpulo, que os adversários da regionalização averbam
como uma vitória sua.
Quem torto nasce, tarde ou nunca se endireita, mas o país é que
está a perder. Carlos Brito