Deslindemos
os mistérios
Anda uma pessoa com os ouvidos cheios de propaganda
privatizadora que justifica a venda ao desbarato das empresas do
Sector Público, com o argumento de que «dão prejuízo» - e
eis que ao abrir o «Diário Económico» da passada terça-feira
depara com um dos grandes mistérios da economia portuguesa:
entre 1993 e 95 metade das empresas privadas portuguesas
declararam prejuízos... O que deita por terra, ao que parece, a
alegada maior eficiência do sector privado.
Mas se o leitor, espicaçado por este mistério, quiser fazer uma
pequena investigação (privada...) pelas notícias da imprensa,
poderá fazer outras curiosas descobertas. Descobrirá, por
exemplo, que «as privatizações afectaram as receitas fiscais»
- e que «em 1995, apesar do programa de privatizações, as
empresas públicas contribuíram com cerca de 141 milhões de
contos, enquanto as privadas com apenas 63 milhões» (Publ.
20/10).No entanto, em 1996, «os lucros ultrapassaram os
salários» na distribuição do rendimento nacional /Publ.
20/9).
Será talvez altura de pousar por jornais e reflectir um pouco
sobre isto.
A ineficiência da gestão pública é para os
privatistas um dogma que serve para reclamar a sua entrega à
«iniciativa privada». Esta, decretam, além de eficiente
estará com elevado grau de liquidez, ou seja, dispõe de
recursos para realizar os investimentos necessários ao
desenvolvimento. Mas relendo as notícias acima citadas, não se
pode deixar de dizer: Onde estará a liquidez de um sector que
soma prejuízos e faz disso questão para não pagar impostos ao
Estado?
A gestão pública no nosso país está longe de ser a
desejável, mas isso não decorre da sua natureza. Decorre, pelo
contrário, do facto de que, estando o Estado português (quer
com o PSD quer com o PS) subordinado ao grande capital privado, a
gestão do sector público tem sido orientada de acordo com os
interesses dos grandes grupos económicos. Ou seja, os problemas
que afectam as empresas estatais não derivam do seu carácter
público mas sim de servirem demasiados interesses privados. O
que cumpre fazer, portanto, não é entregar o seu património
aos grandes grupos económicos mas, pelo contrário, reforçar o
seu carácter público, tanto fazendo-as cumprir melhor as suas
finalidades como tornando a sua gestão mais democrática, ou,
seja, ampliando o controle social sobre elas.
O leilão privatizador vai render esta ano 730
milhões de contos ao orçamento do governo PS, como se gabou em
Hong Kong o Secretário de Estado do Tesouro, num encontro com os
jornalistas (Publ. 24/9).
Este frenesim privatizador tomou formas de um saque e pilhagem de
bens públicos, comprometendo gravemente não só as
possibilidades de um desenvolvimento equilibrado como o próprio
futuro do país.
Vendendo ao desbarato as empresas públicas, o Estado perde
recursos essenciais para cumprir as suas funções. Não só de
dinamização económica, mas também as de serviço público,
como saúde, educação, habitação popular, infra-estruturas,
saneamento.
Com a sua demagogia de «menos Estado» o privatismo está,
afinal, a entregar ao grande capital dos monopólios renascentes
o saque do conjunto da sociedade, através do Estado. Aurélio
Santos