A outra face do
MUNDO


A "globalização" (realidade muito relativa, mito quase absoluto) é-nos apresentada hoje a todo o momento em todo o lado, graças aos media "globalizados" do Capital "globalizado", como a face brilhante do mundo da "Nova Ordem" capitalista. É como o jet set da civilização que eclipsaria tudo o mais, todos os (de)mais. E mormente a outra face do mundo, o mundo do Trabalho.

E todavia essa outra face do mundo existe realmente - é até ela a principal força produtiva e a maioria da Humanidade. E vai rompendo o muro do silêncio e escuridão em que a querem cercar. Impossível ignorar a greve dos camionistas franceses, que desde há dias, como há um ano, faz tremer a Europa dos patrões. Quase desapercebida pelos media, uma enorme manifestação em Roma realizou-se mesmo em 25 de Outubro, juntando 200.000 italianos na "Piazza del Popolo" ao apelo da Refundação Comunista, em apoio das 35 horas. Totalmente silenciada foi a greve geral na Grécia, a 23 de Outubro, sector público e privado unidos a rejeitar o dito "Pacto" dito "Social" que feria gravemente o direito à contratação colectiva e a segurança social. Três casos bem recentes aqui à nossa beira, a que se podiam juntar dezenas de outros. E muitas mais centenas por esse mundo fora. Fazendo emergir essa outra face do mundo, a da resistência e da luta de massas a dar corpo e voz às aspirações e necessidades dos trabalhadores e da sociedade.

Queremos recordar ainda, ao menos, duas lutas exemplares neste ano, de grande riqueza e significado mundial. Logo em Janeiro a maior greve de sempre abalou a Coreia do Sul durante 3 semanas. De 300.000 grevistas no início, culminou com cerca de 900.000 no final, em luta duríssima, obrigando o ditador Kim Young-sam a anular a celerada lei anti-laboral e sindical que o seu partido, no poder, fizera passar a golpe, em 7 minutos, às 6 horas da madrugada de 26 de Dezembro, colhendo a oposição ausente. Luta cheia de ensinamentos, afirmou a classe operária sul-coreana como força de vanguarda, conquistando o apoio de 75% da população. Também nos Estados Unidos, 185.000 motoristas do colosso transnacional UPS, a maior empresa mundial de correio rápido, alcançaram a vitória com a sua greve de 2 semanas em Agosto, evidenciando o renascente protagonismo da classe operária e do sindicalismo norte-americano. As suas reivindicações (contra o trabalho precário e os baixos salários, em defesa do seu fundo de reforma e por maior segurança no trabalho) grangearam o apoio da maioria da população, porque tocaram no cerne questões cruciais do mundo do trabalho nos EUA, e não só.

Mediaticamente ignorada foi igualmente a realização em Havana, de 6 a 8 de Agosto, duma Conferência Internacional de Sindicatos contra a Globalização e a Neoliberalização da Economia, reunindo 1300 delegados de 400 organizações sindicais de 61 países (incluindo Portugal). A natural diversidade das situações concretas, de sectores, países, regiões, e das próprias organizações sindicais, não obviou à clara verificação da similitude das desastrosas consequências da ofensiva global do grande Capital, nem à afirmação da possibilidade e necessidade de convergência da resistência e luta dos trabalhadores que se desenvolvem em todo o mundo. Por isso nova Conferência Internacional ficou marcada para 1999, no Brasil, além de muitas outras formas de continuação da solidariedade e convergência das lutas.

O "pensamento único" dominante, o do neoliberalismo, pretende impôr-nos uma imagem unidimensional do Mundo, a do grande Capital "globalizado", monolítico, omnipresente e omnipotente. Mas a outra face do Mundo, o mundo do Trabalho, existe mesmo. Existe, logo luta. Luta, logo existe. E é nela que vemos, com lúcida esperança militante, a face luminosa do futuro da civilização humana. — Carlos Aboim Inglez


«Avante!» Nº 1249 - 6.Novembro.97