ARMAS
ou alimentos?



A quadra de Natal/Ano Novo tem sido no passado metodicamente aproveitada para grandes operações mediáticas que, explorando nobres sentimentos de solidariedade humana, procuram levar a água ao moinho do obscurantismo e da reacção. Assim foi por exemplo com a Bósnia e Serajevo, quando se tratou de justificar a brutal ingerência das grandes potências, fornecer argumentos para o reforço e alargamento da NATO (cuja dissolução a lógica mais elementar reclamava e reclama), alimentar a cassete pró-militarização da União Europeia.


Mas apesar de uma das primeiras afirmações conhecidas do novo Ministro da Defesa, Veiga Simão, ser a de que passaria o Natal com os militares portugueses na Bósnia e do anúncio oficial de que as tropas da NATO estão para continuar (lembram-se da soleníssima promessa de que sairiam em Dezembro de 96?), é duvidoso que este ano a Bósnia e Sarajevo voltem a ocupar idêntico espaço televisivo na noite da consoada ou da passagem do ano. Não que estejam resolvidos problemas sociais e humanos tão dramáticos como o dos refugiados. Em contrapartida outros objectivos foram alcançados. O Tratado de Amsterdão, não obstante a decepção dos maximalistas da supranacionalidade, significou um real avanço numa PESC federalista e militarizada. A NATO, fortalecida com a participação integral da Espanha, acaba de redefinir a sua estrutura orgânica de molde a facilitar a absorção de países do Leste da Europa. Tende a tornar-se perigosamente "vulgar" e "normal" o abundante noticiário sobre processos de militarização e produção de novos e sofisticados armamentos. Como o Eurofighter, o novo "avião de combate europeu" a cuja produção a Alemanha deu recentemente luz verde no quadro daquilo que O Público de 27/11/97 considera "o maior e mais caro programa de armamento da história do Bundeswehr".


E enquanto as despesas de carácter militar, a produção e o comércio de armas não param de crescer, continua a assistir-se por esse mundo fora, à proliferação de situações dramáticas que poderiam ser superadas na base de uma ajuda humanitária efectivamente desinteressada, livre de preconceitos ideológicos e cálculos políticos. Penso nomeadamente na Coreia do Norte para onde bastaria disponibilizar em ajuda alimentar urgente o equivalente ao custo de alguns dos Eurofighters. Penso também no Iraque onde segundo recente relatório da UNICEF um milhão de crianças sofre de má nutrição em resultado de cruéis sanções há já sete anos impostas pelos EUA/ONU àquele país. Penso nessas centenas de milhões de seres humanos que sofrem até à inanição em resultado da nefasta globalização do grande capital, de impiedosas receitas impostas pelo FMI/Banco Mundial, do garrote da dívida externa que tornou os países subdesenvolvidos contribuintes líquidos do centro capitalista, da própria diminuição da chamada ajuda ao desenvolvimento que, devendo segundo a Conferência do Rio crescer para 0,7% do PIB dos países mais ricos, se reduz hoje a apenas 0,25% para os países doadores da OCDE.


Enquanto aguardamos o que nos será este ano servido pelos grandes "media" na quadra natalícia, meditemos sobre o significado profundo da seguinte afirmação extraída de Le Monde de 6.12.97. " A realidade política é que as sanções apenas atingem os inocentes do Iraque. A realidade política é que as crianças morrem todos os dias porque não se lhes pode dar medicamentos (...). A realidade política é que 25% das crianças deixaram de ir à escola porque os seus pais as obrigam a trabalhar". Trata-se de afirmações do próprio encarregado do programa da ONU no Iraque "petróleo contra alimentos". Programa que está a ser manipulado de tal modo que só uma pequena parte dos 2 bilhões de dólares resultantes da venda de petróleo se transforma em tempo útil em medicamentos e alimentos. — Albano Nunes


«Avante!» Nº 1254 - 11.Dezembro.97