EDITORIAL
Bipolarização enganadora
A palavra bipolarização tem sido usada (talvez a
mais usada de todas as palavras) para explicar o resultado das
eleições para as autarquias locais do passado domingo. Usam-na
de modo crítico os que observam preocupados o fenómeno que ela
traduz como uma perversão e um perigo para a democracia. Mas
também a usam os que têm uma visão apologética desse
fenómeno e que falando de bipolarização estão convencidos que
provocam mais bipolarização.
Os partidos que dela beneficiam - o PS e o PSD - promovem-na por
todas as formas, incluindo instrumentalizando as instituições,
os seus poderes e o seu dinheiro. Encenam grandes combates
verbais, dramatizam divergências, fingem confrontos de
interesses, que depois se prova não existirem, a não ser os da
mera luta pelo poder.
A grande comunicação social por influência destes partidos e
por sua conta e risco faz do incentivo à bipolarização o seu
critério de intervenção na vida política e fê-lo de modo
muito especial nas recentes eleições autárquicas.
Durante a longa pré-campanha e no decorrer da própria campanha
eleitoral a intervenção das televisões, sobretudo, mas também
de algumas rádios e de alguns jornais contribuiu decisivamente
para a leitura que se pretende fazer dos resultados saídos das
urnas.
O mais curioso é que são precisamente aqueles que mais fazem
para fomentar a bipolarização que vêm depois comentá-la como
se tratasse de um fenómeno de geração espontânea
transportador de uma mensagem messiânica do eleitorado.
A bipolarização que por aí se procura instalar é
particularmente enganadora porque é protagonizada por dois
partidos cada vez mais semelhantes na política, nos métodos e
no estilo.
Esta pressão bipolarizadora constitui um perigo crescente
para a democracia pois acena com pretensas alternativas e agita
possibilidades de mudança, por vezes dramaticamente apresentadas
para enganar o eleitorado, que verifica depois que só mudaram as
caras, mas a política e prática continuam a ser as mesmas.
Nada mais eficaz para afastar largos sectores da população da
participação democrática, como se vai traduzindo com
evidência nas largas taxas de abstenção, quase 40 por cento
nas eleições de domingo.
Mas esta bipolarização é ainda mais enganadora porque cada vez
mais funciona como um sistema de vasos comunicantes em que os
votos transitam de um para outro partido, do PSD para o PS, ou
vice versa, consoante o que está melhor colocado para bater
terceiros partidos, fundamentalmente a força política que
representa um verdadeiro projecto alternativo e de mudança - o
PCP e a CDU.
A bipolarização entre nós tende assim a degenerar numa
verdadeira unipolarização assumida por um bloco central com
duas faces de uma mesma moeda - a «única», naturalmente.
Já lhe chamaram o «centrão» e até, com manifesto
exagero, nova «união nacional».
Não se consegue, no entando, deixar de lembrar o que Guerra
Junqueiro dizia dos dois partidos monárquicos que se alternavam
no poder durante um longo período do século passado e que se
tornaram responsáveis pela estagnação do país e, em certo
sentido, pela queda da monarquia. Explicava ele que eram dois e
não um só porque os seus dirigentes não cabiam todos ao mesmo
tempo numa mesma casa de jantar.
Os tempos são outros. A casa de jantar internacionalizou-se. A
bipolarização corresponde aos objectivos estratégicos do
grande capital, não só nacional, mas internacional também.
É por isso ainda mais importante que todos os democratas
tomem plena consciência de que a pressão para a
bipolarização, que é afinal uma forma enganadora de
estabilidade, está a introduzir sérios factores de degradação
e redução de representatividade no regime democrático no nosso
país.
O PCP assumiu sem subterfúgios que os resultados da
CDU nas eleições autárquicas são insatisfatórios.
Na própria noite do apuramento, Carlos Carvalhas afirmou na sua
declaração: «os resultados já conhecidos não são
considerados satisfatórios para a CDU pois não atingimos os
objectivos que nos propusemos». Outros dirigentes do PCP e das
demais formações que constituem a CDU assumiram posições
semelhantes.
Na mesma linha, o Comité Central do PCP, concluiu, na sua
reunião de terça-feira, «que se trata de um resultado negativo
para a CDU».
Mas este honesto reconhecimento, feito com o espírito
inconformado de quem vai lutar para alterar a situação, não
tem nada a ver com a histeria de gritos e de títulos nas
televisões, nas rádios e nos jornais sobre a «derrota
esmagadora», o «declínio irreversível», «os ferimentos de
morte», com que os adversários da CDU, nos partidos e na
comunicação, procuram explorar o seu mau resultado para
denegrir a sua imagem perante o país e desencorajar os seus
apoiantes.
Os resultados, ainda que insatisfatórios, confirmam a CDU
como uma grande força autárquica com a qual o nosso povo pode
contar para continuar a trabalhar, em maioria e em minoria, para
benefício das populações e fortalecimento do poder local e de
que os adversários devem esperar luta cerrada aos seus
propósitos bipolarizadores.
A desonestidade e o ridículo das apreciações
catastróficas sobre o mau resultado da CDU que se pretende
apresentar como a «grande derrotada» é posta em evidência
pela moderação com que são comentados, nas mesmas
apreciações, os péssimos resultados do CDS/PP, quando, esse
sim, é que quase desaparece do poder local.
Como o Comité Central do PCP salienta, «só na base
de critérios interesseiros é que se pode pretender decretar que
os resultados das autárquicas traduziram em termos de votação
nacional uma tendência irreversível para a
"bipolarização" PS-PSD no plano da influência
eleitoral».
Com os seus 667 154 votos, correspondentes a 12, 45% dos
sufrágios na Assembleia Municipais, com 41 câmaras, 275
presidências de Juntas de Freguesia, 235 mandatos de vereadores
e quase 800 de eleitos nas Assembleias Municipais, a CDU sai das
eleições autárquicas, apesar do mau resultado, como uma força
incontornável no só no poder local, mas em toda a vida
política do país. Esta poderosa expressão autárquica é
apenas uma parte da influência política e social e da
capacidade de intervenção e mobilização das forças que a
constituem, com destaque naturalmente para o PCP.
É a partir desta ampla base e segundo as linhas aprovadas
pelo Comité Central que o PCP aprofundará a análise dos
resultado e iniciará desde agora o trabalho para a superação
de deficiências e com vista a que as posições perdidas sejam
recuperadas.