CIMEIRA
Islâmica


Na semana passada terminou em Teerão a Cimeira da Organização da Conferência Islâmica que contou com a participação de 55 países islâmicos da África, Europa, Ásia e Médio Oriente, quase todos representados ao mais alto nível. O simples facto da Conferência ter lugar no Irão deu-lhe um tremendo impacte devido ao isolamento internacional do Irão e às dificuldades conhecidas entre o mundo árabe e o mundo persófano. A Cimeira, além deste facto, teve lugar pouco tempo depois do "moderado", Mohamed Khatami, ter ganho as eleições presidenciais contra o candidato apoiado pelos radicais conservadores do regime ditatorial clerical no poder. A vitória de Khatami ficou a dever-se aos votos das mulheres e jovens que aproveitaram as eleições (cujos limites são bem delineados e só permitem candidatos do regime) para demonstrarem o seu profundo descontentamento face ao regime. É também corolário de várias lutas do povo iraniano contra as difíceis condições de vida e contra a repressão e opressão do poder.


A Cimeira concitou por isso a atenção de todos os que seguem os dramáticos acontecimentos na região e, em particular, o conflito que opõe os árabes (muçulmanos na sua maioria) a Israel. A presença de tão elevado número de dirigentes muçulmanos no preciso momento em que Benjamim Netanyahu prossegue uma política de violência e de ocupação contra o povo palestiniano, violando os Acordos de Oslo, acabaria por ter de levar à condenação de Israel, suscitava uma redobrada atenção para o evento.
Sabe-se que uma das armas da política sionista de Israel e do seu principal aliado, os EUA, é dividir os países árabes, e dividir árabes e muçulmanos. E de facto até agora quase todos os países árabes e muçulmanos têm conflitos entre si, o que dificulta a realização das históricas aspirações destes povos. Em 1979 a revolução iraniana constituiu um exemplo vitorioso de uma longa luta pela independência nacional e contra uma ditadura opressiva e corrupta de Xá Reza Palevi. Mas rapidamente a natureza popular e democrática da revolução foi desnaturada e para esse contribuiu a invasão iraquiana que contou com o apoio ocidental. A invasão criou maiores divisões entre árabes e muçulmanas. E a invasão do Kuwait pelo Iraque acabou por dividir ainda mais os países árabes e dar aos EUA a hegemonia em toda a região.

O surto do islamismo ou fundamentalismo islâmico foi consequência do desespero em que mergulharam as nações árabes e muçulmanas face à frustração da realização do sonho de independência nacional. Um fenómeno contraditório, pois pretende capitalizar o descontentamento destes povos para manter amarrados à ordem capitalista mundial a qual lhe nega essa mesma aspiração. Não admira pois que todos os fundamentalismos tenham nascido da colaboração dos serviços secretos norte americanos e israelitas e dos países árabes mais reaccionários (Arábia Saudita, Kuwait e Egipto). Os dirigentes árabes à direita muitas vezes se serviram dos islamistas para combater as forças de esquerda e democráticas. E o Irão esteve por detrás de quase todos estes movimentos. Eis porque a realização, neste momento, da Cimeira em Teerão assumiu uma repercussão que levou a CNN à sua transmissão em directo. É que todos os povos muçulmanos estão confrontados com a nova ordem mundial que impõe ao Iraque e à Líbia um bloqueio económico totalmente ilegítimo e ilegal. É que na região o único país que há duas décadas viola sistematicamente o direito internacional é Israel.

Não cabe dúvidas que ao nível da Declaração final da Conferência Israel foi firmemente condenada e foi reafirmada a exigência da retirada israelita dos territórios palestinianos ocupados, incluindo Jerusalém , dos montes Goulã sírios e do sul do Líbano. A Cimeira alertou para as tentativas de Israel de modificar o estatuto demográfico de Jerusalém, que é particularmente actual. Foi também condenada a crescente cooperação entre Israel e a Turquia, aliança que deixa os países árabes e o mundo persófano mais isolado.
As várias resoluções são sem dúvida contraditórias, mas face ao problema nevrálgico do Médio Oriente a resolução tomada é positiva e deixa Israel mais isolado e aproxima, nem que seja circunstancialmente, os países árabes e muçulmanos. Essa convergência e unidade é a condição indispensável para fazer avançar os objectivos libertadores de todos os povos da região e dos países representados na Cimeira. — Domingos Lopes


«Avante!» Nº 1255 - 18.Dezembro.97