TV

O Dono da Bola
ou as autárquicas nas televisões

Por Francisco Costa


Quem, depois de votar, fosse de carro para casa no passado domingo e tivesse ligado o rádio para tentar perceber as tendências para que apontavam as primeiras notícias do acto eleitoral desse dia, chegaria mais tarde a duas conclusões interessantes por comparação com o que a televisão lhe proporcionaria, ao ligá-la pouco tempo depois para se sentar frente à «maratona eleitoral» audiovisual.


A primeira conclusão podia ser esta: as principais rádios faziam depender, no essencial, o conteúdo e a orientação das suas emissões das próprias informações das estações de televisão, na maioria dos casos sem projecções de resultados próprias e seguindo, a par e passo, subsidiária e subservientemente, as emissões da RTP e da SIC, sobretudo desta última. Tal como acontece, aliás, com cada vez maior frequência, nas emissões do período da manhã dessas estações, as quais pouco a pouco se deixaram despersonalizar enquanto operadores de rádio e passaram a tornar-se um puro eco da imprensa escrita, chamando para temas centrais da sua informação as mesmíssimas temáticas abordadas nas primeiras páginas dos principais matutinos.

A segunda conclusão era, entretanto, mais surpreendente: a exacerbada excitação em torno das informações de última hora, de projecções, de «directos» para as sedes, etc. - própria destas noites eleitorais - parecia, também agora, de certo modo atenuada nas televisões para passar a estar confinada às rádios, sobrepondo-se neste aspecto a Antena 1 e a costumada efervescência de Sena Santos em relação a todas as outras.


Quem diria?

De facto - e exceptuando algum já habitual destempero que normalmente toma de assalto aqueles que têm por (ingratíssima) tarefa cobrir no exterior para as câmaras de TV, no meio de cotoveladas e atropelos de cabos, as chegadas dos eleitos e as declarações dos líderes partidários, procurando adiantar-se ombro-a-ombro à concorrência, ali mesmo no terreno, quanto à projecção e emissão da voz para o arremesso da pergunta mais imaginativa (e por vezes mais pateta) ou da questão mais melindrosa (e por vezes mais inconveniente) - parece que as coisas desta vez se passaram com maior calma nas estações de televisão.

Deixando de lado a TVI, que neste momento definitivamente se especializou nas transmissões de futebol, a ponto de ser esse um tema preferencial da sua noite televisiva, as principais atenções do espectador dirigiram-se naturalmente para a RTP e para a SIC. E foi aí que ele pôde confirmar esta relativa tendência para uma certa acalmia.

Desde logo, tal era patente ao seguirmos o evoluir de José Alberto Carvalho e Rodrigues Guedes de Carvalho, nos primeiros momentos da emissão da SIC, deixando-se quase transformar em jornalistas-actores, caminhando de braço dado e produzindo um pacato diálogo, tipo-espontâneo, mostrando-nos os vários recantos do estúdio e interrogando-se sobre o que a noite eleitoral lhes (nos) reservaria, fingindo que se estavam a lembrar naquele momento do que vinha à cabeça e, no fundo, concretizando a encenação de algo que já vinha meticulosamente ensaiado! O facto é que, tirando o absurdo ridículo destes primeiros momentos (a SIC nunca poderia deixar de ceder a este tipo de tentações e trejeitos!), ambos os profissionais se foram depois comportando, noite dentro, com assinalável parcimónia.

Também do lado da RTP, as coisas pareceram quase sempre calmas em estúdio, descontando está bem de ver as frequentes interrupções aos entrevistados (sobretudo a alguns deles!) por parte de Judite de Sousa ou as primeiras intervenções de José Rodrigues dos Santos ao descrever, com indisfarçável «emoção», o arsenal tecnológico e os vários locais das operações preparados e imaginados pelos responsáveis do serviço público.


A teoria e a prática

Quanto a este último aspecto - os cenários idealizados pelos dois principais operadores de televisão - com todo o subjectivismo que o gosto pessoal acarreta a este tipo de apreciações, eu diria que o cenário imaginado pela RTP era potencialmente bem mais atraente e sobretudo mais funcional do que o da SIC, pelo menos tendo em conta a variedade do que prometia e tencionava oferecer.
Vejamos: partindo de uma imensa e elevada estrutura formada por tubos metálicos que tanto suportavam projectores, como serviam para fazer deslizar câmaras comandadas à distância, como constituíam ainda, por vezes, elementos gráficos de enquadramento e delimitação da «acção» (nos planos captados de um ângulo superior sobre os intervenientes em estúdio), o cenário da RTP parecia à partida muito bem arquitectado. Pela disposição no terreno de José Rodrigues dos Santos, Márcia Rodrigues e Adelino Gomes, o enquadramento destes pelas câmaras nunca seria difícil e jamais obrigaria a planos cruzados, falsos raccords ou grandes deslocações. Depois, distribuíam-se em altura e em vários planos os locais para as mesas-redondas e entrevistas conduzidas por Judite de Sousa. O video-wall também estava bem colocado, deixando-se ver o que mostrava, mesmo num plano geral, assim como parecia adequado o outro local para a apresentação virtual das projecções e dos resultados.
Se esta última era a única nota «virtual» no visual da RTP, já o cenário da SIC era quase só isso mesmo. Sem dúvida que se demonstrava ser hábil e, à sua maneira, igualmente funcional a conjugação entre os elementos «realistas» do cenário e restantes adereços e os fundos «virtuais» concebidos de forma «hiper-realista» e grandiosa, à maneira das grandes superfícies comerciais das Amoreiras ou do Colombo, para servirem de ilusórios segundos-planos destinados a ser electronicamente misturados por chroma-key às imagens dos locutores em primeiro plano. Mas, em geral, o estilo do grafismo era o de uma mescla meio-pimba-meio-techno, estilo «Chuva de Estrelas», de gosto duvidoso.
Simplesmente, entre a teoria e a prática vai, por vezes, uma grande distância. Ao fim e ao cabo, a grande diferença acabaria por residir no aproveitamento das potencialidades à partida disponíveis. E, enquanto que os artifícios da SIC foram bem explorados na prática, raramente falhando porque o trabalho e a eficácia dos vários operadores e intervenientes se sobrepuseram às soluções de puro recorte tecnológico, por natureza cómodas e «preguiçosas», a condução e coordenação da parafernália tendencialmente mais tradicional da RTP revelou-se afinal bem mais complexa, porque neste caso foi a «preguiça» (e, por vezes, a incompetência) operacional que amiúde deitaram a perder (mais do que na SIC) o que fora bem concebido, mas apenas teoricamente, porque incomparavelmente mais trabalhoso de fazer funcionar na prática.
Assim, a título de exemplo, foi caricato assistir-se aos falhanços em certas ligações ao exterior, à perplexidade de Márcia Rodrigues face à inexistência virtual ou real das «caras» dos previsivelmente eleitos, à pouca utilização analítica de Adelino Gomes, um profissional competente que ali estava para isso mesmo mas por vezes parecia alheio, distraído ou desaproveitado e, aqui e ali, de forma incompreensível foi substituído por Rodrigues dos Santos na análise de resultados ou, até, à qualidade técnica da imagem da declaração de António Guterres (mais parecendo um pele-vermelha!), agravada pela patética reincidência na sua transmissão no telejornal da noite seguinte. Que diabo, se não quisessem fazê-lo à SIC, bem podiam ter pedido emprestadas as imagens à TVI!
Quanto ao mais, nem vale a pena falar nas incongruências da comparação dos resultados percentuais reais com as sondagens que meses e semanas a fio foram sendo lançadas a público, pela imprensa, rádios e televisões, na inconveniência de convidar políticos demasiado cedo para comentarem resultados ainda inexistentes, no estranho critério para as escolhas de certas autarquias para testar tendências de votação nacional ou, ainda, nos rotundos falhanços das projecções em relação a certos resultados, aspecto no qual as duas televisões continuam a rivalizar entre si.


A mediatização da política

Sendo certo que uma análise política destas eleições é matéria para outras páginas deste jornal, permito-me apenas (pelo simbolismo que o facto representa) chamar a atenção para a circunstância não negligenciável de ter sido Pedro Santana Lopes - para além de António Guterres, em relação ao qual não se podia desligar a condição de secretário-geral do PS da de Primeiro-Ministro - o único político cuja declaração política nesta maratona televisiva foi simultaneamente coberta em directo pelos três canais, isto sem contar com as rádios. Talvez assim se perceba melhor como certas personalidades atingem patamares políticos a partir da mediatização da sua imagem e, ao contrário, porque razão certas forças políticas são sistematicamente arredadas do pequeno ecrã. E, já agora, aproveitando a oportunidade para registar a melíflua frase de Paul Portas (na sua qualidade de comentador da SIC) segundo a qual «quem perdeu as eleições foi o PP e não o CDS» (como se não tivesse sido ele próprio a «inventar» o PP), não deixa de ser interessante passar a verificar a frequência com que este «comentador» vai de novo regressar à pantalha televisiva. Porque não nos «Donos da Bola»? Monteiro que se cuide. Acabou-se o estado de graça!


«Avante!» Nº 1255 - 18.Dezembro.97