Sinistralidade laboral
PCP reclama plano de emergência


Urge alterar a situação «da prevenção dos riscos profissionais e da reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais», diz a Comissão para as Questões da Saúde Ocupacional do PCP, em nota enviada à comunicação social, no passado dia 8 (que a seguir se transcreve). O PCP está particularmente preocupado com o agravamento da sinistralidade laboral e com a passividade manifestada por estruturas da Administração Pública e do Governo. Pelo que reclama «a adopção de um Plano Nacional de Emergência de Prevenção dos Riscos Profissionais e medidas no plano da reparação que enfrentem este verdadeiro flagelo social».

«1. Os trabalhadores portugueses continuam a ser fustigados por uma vaga de sinistralidade laboral que não pára de crescer.

As estatísticas do Ministério da Justiça sobre acidentes de trabalho revelam a existência de cerca de três mortes por dia, média que no ano de 1997 poderá ter sido ultrapassada, atendendo às notícias da comunicação social sobre acidentes de trabalho mortais nomeadamente na construção civil e obras públicas, pirotecnia e no mar.

Quanto às doenças profissionais o Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais regista mais de mil novos pensionistas, número significativo que se sabe estar aquém da realidade nacional.

Na origem de tão dramática situação está a incúria de muitos empregadores em relação á prevenção dos riscos profissionais. Incúria que está claramente relacionada com a atitude permissiva e de tolerância de estruturas da administração pública, tanto mais escandalosas quanto as péssimas condições de trabalho em que se verifica um número significativo de acidentes mortais evidenciam comportamentos de profundo desprezo pela vida humana.

A passividade da administração pública abrange tanto as entidades que têm competências no licenciamento e fiscalização das condições de trabalho, como as que deveriam criar as estruturas organizacionais adequadas à prevenção dos riscos profissionais e à promoção da saúde dos trabalhadores, e diz também respeito à falta de coordenação das diversas intervenções.

A mesma passividade atinge as entidades com funções de reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais públicas ou privadas, empresas seguradoras, Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais e Caixa Geral de Aposentações.

Não se compreende a passividade patenteada pelo Governo perante tão grave flagelo que origina deficiência e morte e dor e lança na miséria tantos sinistrados e suas famílias, e a falta de vontade política para implementar uma estratégia nacional de prevenção e adequadas medidas de intervenção.

De pouco acaba por servir o actual manancial legislativo pois, por ausência de uma intervenção prevencionista e pela inércia e irresponsabilidade, ninguém impõe ou vigia o seu cumprimento.

Também de pouco acabam por servir os acordos sobre riscos profissionais, estabelecidos entre o Governo e os parceiros sociais pois, concebidos como um fim em si mesmo para efeitos de propaganda, acabam por não ser aplicados e a sua execução por não ser acompanhada.

2. O Livro Verde sobre Serviços de Prevenção nas Empresas, editado pelo IDCT, veio reconhecer na sua primeira parte, caracterizadora da situação nacional, a gravidade da situação, tal como tem sido repetidamente denunciada através de relatórios e de outras exposições, por diversas organizações e entidades, com destaque para a CGTP-IN e para a comunidade científica e técnicos do sector.

Embora sejam omitidos aspectos relevantes como o volume do trabalho independente (que já ascende a um milhão e cem mil pessoas), do trabalho clandestino e ao domicílio, e do trabalho infantil; apesar da desvalorização da articulação entre as várias áreas, designadamente do trabalho, saúde, justiça, educação; o Livro Verde reconhece o quadro nacional de insuficiências técnicas e organizacionais que existem e assume as dificuldades em cumprir e fazer cumprir a legislação e acordos existentes.

Mas esse reconhecimento da gravidade da situação e da incapacidade que o IDICT tem vindo a patentear, embora tardio, mais faz sobressair a insuficiência e desconformidade das propostas contidas na segunda parte do Livro Verde sobre Serviços de Prevenção nas Empresas por apresentarem um carácter pontual e de âmbito limitado.

3. A lei nº 100/97 que em 31 de Julho passado foi aprovada na Assembleia da República, com os votos contra do PCP e de «Os Verdes», sobre "o novo regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais", veio gorar as expectativas de todos quantos esperavam um novo diploma legal, mais protector dos direitos humanos, socialmente mais justo e economicamente mais razoável.

Recorde-se que durante anos o PCP apresentou projectos de lei na Assembleia da República para alterar ou substituir a iníqua lei que existia sobre reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, para melhorar os níveis das prestações e modificar a filosofia prevalecente de reparação, que concebe o homem exclusivamente na sua função económica (para mais desvalorizada), e que o despreza na sua dimensão humana e social.

Na recente discussão do novo quadro legal as outras forças políticas - PS, PSD e PP - cedendo aos interesses do grande capital financeiro e das seguradoras, inviabilizaram as principais propostas que o PCP apresentou para a defesa dos legítimos interesses dos sinistrados do trabalho. Mesmo assim os deputados do PCP deram continuidade aos seus esforços em sede da comissão parlamentar, tendo conseguido que fossem introduzidas algumas melhorias pontuais no texto final do diploma.

O PCP tudo irá fazer para que a regulamentação da lei não venha a agravar ainda mais a situação, a fim de evitar que continuem a ser atribuídas prestações de miséria que chegam a lançar sinistrados e suas famílias em situações dramáticas de mendicidade, de completa desinserção da vida activa e social, e sem reabilitação médica e profissional.

4. A Comissão para as Questões da Saúde Ocupacional do PCP, ao mesmo tempo que sublinha negativamente a passividade e a falta de vontade política do Governo para enfrentar a situação de elevadíssimos índices de sinistralidade laboral, em particular a mortal, reclama a adopção de uma política e de uma estratégia nacional de prevenção, designadamente através da concretização de um Plano Nacional de Emergência de Prevenção dos Riscos Profissionais. Sustenta a necessidade de urgente adopção de profundas reformas no plano da prevenção, reparação, reabilitação médica e profissional dos sinistrados e da sua inserção no trabalho e na sociedade, que ponham cobro à situação existente de verdadeiro flagelo social. E anuncia que irá promover, proximamente, um debate público sobre uma nova política neste domínio.»


«Avante!» Nº 1259 - 15.Janeiro.98