Trabalhadores mantêm-se nas instalações

Exigida nova gestão
para viabilizar os Cabos Ávila


A insistência de Teresa de Ávila em ocupar a cadeira da administração é o principal impedimento a que a empresa retome a laboração e comece a cumprir os seus compromissos para com os trabalhadores, os fornecedores e o Estado, que é o principal credor da fábrica de cabos eléctricos.

No momento em que fechávamos a edição, nas instalações de Alfragide mantinha-se a situação que tem sido tratada como braço-de-ferro entre aquela gerente e os trabalhadores dos Cabos Ávila, que ainda não receberam os salários de Novembro e Dezembro e o subsídio de Natal, bem como retroactivos de Janeiro, Fevereiro e Março do ano passado. Alguns também não receberam parte do subsídio de férias e do salário de Outubro. O valor médio da dívida é estimado em 350 contos por trabalhador.

Apesar de desautorizada pela demissão da gerente principal, Ana de Ávila, e pela oposição dos restantes familiares-herdeiros, Teresa de Ávila continuava barricada nas salas da administração. Os trabalhadores, em horário normal e em piquete durante a noite, também não estão dispostos a abandonar a fábrica. Nas instalações mantém-se igualmente um elevado número de homens do Corpo de Intervenção da PSP.

Mesmo nesta fase mais aguda do conflito - iniciada no dia 7, quarta-feira - o Governo tem-se mostrado renitente em intervir, apesar de os trabalhadores e o Sindicato das Indústrias Eléctricas do Sul e Ilhas exigirem há meses a sua actuação.


Dificultar no que puder

Durante esta semana deslocaram-se várias vezes à empresa o Inspector-Geral do Trabalho e o director do Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho, que intervieram por solicitação dos trabalhadores. Foi com o IDICT que o sindicato acordou uma solução para fazer face às dificuldades económicas dos 230 trabalhadores dos Cabos Ávila e suas famílias: recorrer à lei dos salários em atraso, suspendendo a prestação de trabalho mas mantendo o vínculo laboral e a disponibilidade para retomar a laboração, para poderem receber um subsídio da Segurança Social.

Mesmo esta solução foi dificultada por Teresa de Ávila, contra quem a IGT anunciou que vai levantar um auto, face à recusa em comprovar a existência de salários em atraso.

Os trabalhadores tentaram entregar os documentos destinados a pedir a suspensão da prestação de trabalho, mas foram impedidos de o fazer na portaria da fábrica. Os papéis ficaram então na posse da Inspecção-Geral de Trabalho, que irá comprovar a situação de salários em atraso e levantar o respectivo auto, disse à Agência Lusa o Inspector-Geral de Trabalho. Mota da Silva disse não haver qualquer obstáculo à saída de Teresa de Ávila das instalações da fábrica, tendo mesmo convocado a administradora, sexta-feira, para uma reunião à qual não compareceu.

Num plenário que realizaram segunda-feira, os trabalhadores decidiram permanecer na fábrica enquanto ali estiver Teresa de Ávila e enquanto não for encontrada uma solução que viabilize a empresa, através da nomeação de uma nova entidade gestora.

O Inspector-Geral de Trabalho denunciou no dia 8, num comunicado também subscrito pelo presidente do IDICT, a falta de colaboração da gestão da fábrica, que apenas há uma semana possibilitou o primeiro contacto directo com a administradora. Referindo que a IGT acompanhou as situações de incumprimento da legislação do trabalho, em particular a falta de pagamento de salários, na empresa, os responsáveis daqueles organismos notam que não têm competência para resolver outros aspectos, como o desentendimento entre os sócios da empresa e os defeitos da gestão.

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O Natal das bandeiras negras

Noutras ocasiões os trabalhadores dos Cabos Ávila foram forçados a recorrer a formas de luta, para exigirem o respeito pelos seus legítimos direitos e para garantirem o futuro da empresa e dos postos de trabalho. Desta vez, com uma pronta intervenção do Governo, poderia ter-se evitado que este fosse o Natal mais amargo dos que trabalham nos Cabos Ávila.

A 28 de Novembro - último dia útil daquele mês -, quando foi anunciado que não haveria dinheiro para pagar salários, os trabalhadores paralisaram espontaneamente. Durante uma semana, Teresa de Ávila não apareceu na empresa.

Na terça-feira, dia 9 de Dezembro, os trabalhadores deparam com os portões fechados. A Inspecção do Trabalho comprovou no local as circunstâncias deste encerramento e, durante esta semana, anunciou que vai participar ao Departamento de Investigação e Acção Penal a ocorrência de lock-out.

A preocupação marcou o mês de Dezembro e ensombrou o Natal dos trabalhadores, situação denunciada com faixas e bandeiras negras a quem passava na «recta dos Cabos Ávila» naqueles dias.

No início do novo ano foi retomada a luta dos trabalhadores, que a 6 de Janeiro se deslocaram à residência do primeiro-ministro, para novamente reclamar do Governo uma intervenção que pusesse cobro aos desmandos de Teresa de Ávila. Na manhã seguinte, os primeiros operários a chegar aos portões da fábrica impediram a saída de uma viatura carregada por um grupo a mando da auto-administradora. Mais tarde, quando também os familiares de Teresa de Ávila foram por ela impedidos de entrar nas instalações, os trabalhadores forçaram a passagem e foram com aqueles até junto da misteriosa carga... que, como logo se descobriu, estava pronta para sair em tais condições que os herdeiros avançaram com uma participação por furto.


«Avante!» Nº 1259 - 15.Janeiro.98