Um milagre da agricultura portuguesa
— a criação, em 1997, de 80 000 novos empregos!

Por Agostinho Lopes
Membro da Comissão Política do CC do PCP


Anda o Governo PS há cerca de um ano, com a preciosa ajuda da grande parte dos órgãos de comunicação social, a tentar convencer o País de que, graças à sua sábia governação, o desemprego está a descer. E reclama: a taxa de desemprego desceu, entre 1996 e 1997, de 7,3% para 6,7%.

E cada boletim trimestral do INE (Instituto Nacional de Estatística) tem direito a foguetes e discurso para celebração do sucesso do Governo do Eng.º António Guterres. (Não tenho dúvidas do êxito da propaganda: uma sondagem daria certamente uma esmagadora maioria dos portugueses convencidos da descida do desemprego no País, mesmo se desemprego continua a ser a sua maior preocupação.)

E coisa notável porque conseguida em simultâneo com o cumprimento dos critérios de Maastricht e ao arrepio do que sucede por essa Europa fora, em que moeda única tem significado mais desemprego. Esta redução do desemprego é assim um bom atestado da bondade da política económica do Governo.

Em determinada altura do ano de 1997 houve alguma perturbação no Governo: os órgãos comunitários começaram, segundo os interesseiros interesses de alguns dos maiores países da União Europeia, a lançar a ideia da taxa de desemprego servir de critério na distribuição dos dinheiros da Comunidade.

O Eng.º António Guterres descobriu então a célebre imagem do nível de desemprego como o nível de um tanque de água de que desconhece a profundidade, onde se conhecem as variações do nível da superfície, mas onde pesa a incerteza sobre as variações profundas! E depois lançou a tese (sobretudo para uso externo) da qualidade do emprego: a nossa taxa de desemprego é boa, mas o nosso emprego é mau! Não é ainda conhecido o êxito destas suas «descobertas» junto das Comunidades.

Mas era inevitável, com o fim do ano de 1997 e a divulgação do Boletim do INE do último trimestre, e apesar dos indicadores negativos surgidos em Dezembro — crescimento dos despedimentos desde Maio, um pico no atendimento de desempregados (42 790) nos Centros de Emprego em Novembro — lá veio o panegírico «Taxa de desemprego diminui pela primeira vez desde 1992». Glória, glória ao primeiro-ministro de Portugal, que ao fim de dois anos de Governo fez a taxa de desemprego baixar!


A redução do desemprego em Portugal em 1997:
uma mentira repetida!

Ora mais uma vez, o que evidenciam os números do INE, é o elevadíssimo e estranhíssimo crescimento do «emprego» na agricultura: mais 80 900 postos de trabalho. Que se somaram aos 40 600 criados em 1996. Com a característica interessante de que a imensa maioria «destes postos de trabalho» são dos ditos «isolados», isto é, pequenos agricultores: 70 000 em 1997 e 36 000 em 1996! O Sr. Ministro da Agricultura deve andar preocupadíssimo: os textos do seu Ministério a assegurarem-lhe a baixa da população activa agrícola e o INE a dizer que está a subir!

Admitindo, certamente, a estranheza da situação, o INE não conseguiu ainda avançar razões consistentes e fundamentadas para este «fenómeno estatístico». Mas é fácil admitir diversas explicações que, aliás, o próprio INE vai sugerindo: actividades de sobrevivência, desemprego envergonhado, pessoas que estão a trabalhar terras suas depois de terem deixado empregos noutras actividades (despedimentos, encerramento de empresas, reformas, etc.). Ou ainda, problemas com a estrutura da amostra do inquérito, semelhante à do Censo 91, onde o peso das actividades rurais deve estar sobredimensionado. Mas, para o Governo do Eng.º António Guterres, o que conta são os números.

E os números dizem-lhe o que ele quer ler: o desemprego a descer!

Se quisessem ser sérios verificariam que o crescimento líquido do número de pessoas empregadas em 1997 — 81 300 — é praticamente idêntico aos tais postos de trabalho criados na agricultura, 80 900! Que, se somarem estes 80 900 «desempregados envergonhados» aos 313 100 contabilizados pelo INE, e tiverem em conta a ligeira subida da população activa (mais 62 100), encontram uma taxa de desemprego da ordem dos 8,5%! E que se quiserem ter uma ideia da dimensão real do desemprego, então terão de contabilizar os chamados «inactivos que estão disponíveis para trabalhar», os chamados «desencorajados» e o chamado subemprego visível, a que poderão acrescentar-se os muitos milhares de ocupados em programas de «formação profissional» e em «programas de acção para o emprego», e o número de desempregados atingirá claramente mais de 500 000 portugueses, e uma taxa de desemprego bem superior a 10%.

Mas os dados do INE não nos dão só conta daquele «contra-senso» estatístico.

Os dados mostram que o único crescimento de emprego no sector secundário (indústria transformadora, electricidade, gás e água, construção) é no sector da construção civil, com o carácter conjuntural e o volume que decorre de conhecidas obras em 1996 e 1997: Expo, Metro, Ponte Vasco da Gama, comboio na Ponte 25 de Abril, e muitas e muitas obras autárquicas.
Os dados evidenciam que nos serviços, depois de uma ligeiríssima subida de emprego em 1996, se verificou uma perda de cerca de 24 000 postos de trabalho em 1997.

Isto é, Portugal tem uma evolução da estrutura da população activa contrária ao que disseram até hoje ser sinal de desenvolvimento.

Depois de anos a reclamar o avanço económico do País, decorrente da queda da população activa agrícola, depois de anos a clamar pelo sinal de progresso que representava a progressão da população activa no sector terciário, alguns «teóricos» vão ter dificuldade em situar o País: caminhamos para a convergência com os países desenvolvidos ou ... Foi o Eng.º António Guterres que inverteu a marcha?

Mas não só esta evolução é preocupante.

Também os números da precarização crescem, tendo a percentagem de trabalhadores com contratos não permanentes passado de 12,4% em 1996, para 14,2% em 1997, com um aumento líquido de 59 000 postos de trabalho precários e uma perda líquida de 16 100 postos de trabalho permanentes. Isto é, o próprio emprego líquido criado é precário!

Podemos assim subscrever o que em recente artigo se escreveu, no Diário de Notícias (1):

«Na verdade, aquilo que se esconde atrás da evolução aparentemente favorável do desemprego registada no último ano é não só uma situação de subemprego maciço como também uma desqualificação e precarização globais do emprego existente.»

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P.S.:

O que se anuncia para 1998 não é mais emprego. É mais desemprego.

Os banqueiros falam em despedir 20% (11 000) dos trabalhadores bancários, para responder aos custos acrescidos que a moeda única vai trazer para a banca.

As «restruturações» e outras operações decorrentes das privatizações verificadas em grandes empresas de serviços públicos (EDP, Portugal Telecom, etc.) vão certamente traduzir-se em tentativas de mais despedimentos.

E o rol podia continuar.

(1) Manuel Villaverde Cabral, Diário de Notícias, 9 de Janeiro de 1998


«Avante!» Nº 1259 - 15.Janeiro.98