TRIBUNA

Em defesa
do associativismo popular

Por António Filipe


O estatuto do dirigente associativo voluntário, proposto pelo PCP e já aprovado na generalidade na Assembleia da República, será debatido em breve na especialidade. Trata-se de uma iniciativa cuja aprovação final, a concretizar-se, representaria um acto de elementar justiça para com o associativismo popular, tendo em atenção o valor inestimável do trabalho que milhares de dirigentes associativos prestam diariamente ao povo português.

Em Maio do ano passado a Assembleia da República aprovou na generalidade - com os votos favoráveis do PCP e do PEV e as abstenções dos restantes partidos - o Projecto de Lei do PCP sobre o estatuto do dirigente associativo voluntário, que baixou para discussão na especialidade à Comissão de Direitos, Liberdade e Garantias. Recentemente, esta Comissão deliberou constituir um grupo de trabalho para iniciar essa discussão, o que abre perspectivas de um desfecho a curto prazo deste processo legislativo. Qual o sentido desse desfecho, dependente como é óbvio, da vontade maioritária da Assembleia da República, saber-se-á em breve. O PCP bater-se-á para que o conteúdo do seu projecto seja integralmente consagrado em lei.

O Projecto de Lei do PCP prevê, em breve síntese, a criação de condições para que os dirigentes associativos voluntários que trabalhem por conta de outrém possam dispor de alguma disponibilidade de tempo para dedicar, a título gratuito, às suas associações. Prevê designadamente, a justificação de faltas ao emprego por motivos relacionados com a actividade associativa, dentro de limites razoáveis (sem perda de remuneração no caso da função pública); a bonificação fiscal de empresas que decidam assumir encargos remuneratórios decorrentes dessas faltas; bem como um regime especial de marcação de férias de acordo com necessidades de trabalho associativo.

A disponibilidade que este Projecto visa conferir aos dirigentes associativos não pode de forma alguma ser considerado exagerado, muito menos injustificado. Não se trata de conceder benefícios pessoais, nem sequer de dar aos dirigentes associativos mais tempos de lazer ou de convívio familiar, que aliás bem mereciam. Trata-se apenas de criar condições para que alguns dirigentes associativos possam trabalhar mais, e gratuitamente, em benefício de toda a comunidade. A criação do estatuto legal do dirigente associativo voluntário que o PCP propõe, é um acto de justiça, não apenas para com os dirigentes, mas para com o movimento associativo que insistentemente o reivindica.

O associativismo popular, composto por milhares de associações do mais diverso tipo, onde avultam as colectividades de cultura, desporto e recreio, presta um serviço de valor inestimável ao país, garantindo a centenas de milhares de portugueses condições de acesso à prática desportiva, à fruição cultural, à educação, à ocupação de tempos livres, ou a serviços de acção social. Na falta de uma lei quadro do apoio ao associativismo, que o PCP insistentemente tem proposto perante a oposição dos partidos que têm alternado na governação do país, o apoio dos governos ao movimento associativo tem sido inexpressivo e determinado regra geral por compadrios ou objectivos eleitoralistas, de que são exemplo os célebres cheques dos governos civis em momentos eleitorais.

Assim, as associações que insistem em manter-se activas, apesar de todas as dificuldades, deparam com uma situação de enorme iniquidade. Sobrevivem à custa do enorme esforço dos seus activistas e dirigentes, são sustentadas pelas contribuições dos seus associados ou das comunidades em que se inserem, através das autarquias ou de alguns donativos obtidos junto de empresários locais, e apesar do valioso serviço que prestam, pagam ao Estado para existir.

O estatuto de utilidade pública, vinte anos passados sobre a sua aprovação, tem hoje um valor puramente simbólico e irrelevante quanto ao apoio material que confere. Uma banda de música tem de pagar ao Estado 17% de IVA pelos instrumentos musicais que adquire, apesar do sacrifício que essa aquisição normalmente traduz e do fim mais que meritório a que se destina. Uma colectividade que faz uma recolha de fundos entre os seus associados e amigos para construir uma sede social, vê escoar pela porta das Finanças uma parte significativa do seu esforço. Ou seja: O associativismo substitui-se ao Estado em muitas das suas funções sociais e não obtém da parte deste um estatuto legal minimamente favorável ao desenvolvimento das suas actividades. É de elementar justiça alterar profundamente esta situação.

O movimento associativo popular, em toda a sua dimensão e diversidade, tem raízes profundas na História do nosso povo, assumindo-se como uma das suas mais notáveis criações. Tendo-se desenvolvido, em muitos casos, a par do movimento operário, contribuindo para a elevação da consciência social dos trabalhadores e das suas famílias, dinamizando a participação cívica, ajudando a superar carências educativas, o associativismo traduziu sempre nas suas actividades um exercício de liberdade que nem o fascismo conseguiu liquidar. E constitui ainda hoje, não apenas uma expressão de profunda vivência democrática do povo português, como um espaço de aprendizagem de vida colectiva, de solidariedade humana e de valores democráticos fundamentais.

Na Assembleia da República, só o PCP tem lutado insistentemente pelo reconhecimento legal da importância do associativismo popular, não apenas em palavras, mas no concreto, através da consagração de um quadro geral de apoios às suas actividades. As propostas do PCP para o associativismo, assentam no conhecimento real dos problemas vividos pelas associações, reflectem uma séria vontade de contribuir para o seu fortalecimento, e são parte integrante de um património de trabalho muito mais vasto e valioso que é a contribuição de sempre dos comunistas no desenvolvimento e na acção do movimento associativo popular.

O PCP e o movimento associativo compartilham as profundas raízes populares. Compartilham grandes objectivos comuns, de contribuir para a democratização da cultura e do desporto, para a criação e o desenvolvimento de laços de solidariedade, para o bem estar e a emancipação social do povo português. O associativismo teve no passado um papel de relevo na luta pela conquista da democracia e continua a ter no presente um papel relevante na afirmação de valores democráticos. A actividade voluntária dos dirigentes associativos continua a ser um exemplo, num mundo que alguns querem crescentemente competitivo e desumanizado.

Não admira pois, a estreita relação de sempre entre os comunistas e o movimento associativo. Quantos foram - e são - os comunistas que, dedicando muitas horas da sua vida e muitas das suas energias ao desenvolvimento do movimento associativo, contribuíram - e contribuem - de forma notável para a afirmação de valores que sempre nortearam a acção comunista, e para o prestígio do seu Partido? E quantos foram - e são - os cidadãos que se tornaram comunistas pelo reconhecimento desse exemplo e por reconhecerem no PCP o Partido que, pelos seus ideiais e pela sua prática, mais se identifica com os valores que são caros ao associativismo popular?

No momento histórico que vivemos, em que o domínio do grande capital procura impor o egoísmo, a competição desenfreada e o conformismo social como valores dominantes, o movimento associativo depara com novas e grandes dificuldades, mas adquire uma importância que não é menor do que a que teve no passado. O movimento associativo é - e deve ser cada vez mais - terreno privilegiado de luta pela democracia, e como tal, terreno privilegiado de luta e de acção dos comunistas.


«Avante!» Nº 1259 - 15.Janeiro.98