Propinas:
a prova real
O ministro da Educação e o secretário de Estado do
Ensino Superior através, respectivamente, de um artigo no
"Expresso" e de uma entrevista ao "Público",
vieram nas últimas semanas tentar demonstrar o esforço
financeiro "verdadeiramente excepcional" que estaria a
ser feito para "consolidar um ensino superior de
qualidade".
A apressada descida à Terra e o labor justificativo destes dois
marcianos tem a ver com o facto de que, cada dia que passa, mais
estudantes e professores, e a própria opinião pública, estarem
a descobrir que em sentido exactamente oposto ao que havia sido
afirmado e prometido pelo Governo aquando da discussão da
"lei do financiamento", a verba a cobrar das propinas
não é na realidade aditiva em relação ao financiamento do
ensino superior (com a função de investimento suplementar na
sua qualidade) mas pura e simplesmente substitutiva do esforço
do Estado.
Observe-se que a "lei do financiamento" proclama o "princípio da responsabilização financeira do Estado entendido no sentido da satisfação dos encargos públicos exigíveis na efectivação do direito ao ensino e no da maximização das capacidades existentes, bem como no da expansão gradual com qualidade, e que permita a liberdade de escolha, do sistema público de ensino superior" (Art. 3º a)). E que a mesma lei, no seu Art. 6º, estabelece que "em cada ano económico o Estado, pelos montantes fixados na Lei do Orçamento, financia o orçamento de funcionamento das instituições de ensino superior (...) sendo as correspondentes dotações calculadas de acordo com uma fórmula baseada no orçamento - padrão".
Não é por isso chocante que o ministro da Educação ao tentar justificar, no "Expresso", o Orçamento para 1998, tenha escamoteado o valor que o Estado deveria ter efectivamente transferido para as escolas públicas de acordo com a fórmula existente baseada no orçamento - padrão ? E que tenha aparecido, à sorrelfa, a assumir as propinas como contributo para "uma aproximação mais célere às metas de qualidade definidas sob a forma de orçamento - padrão"?
A prova real de que o funcionamento do ensino
superior está este ano sub-financiado - como foi denunciado pelo
Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas ao apontar que
a transferência do Orçamento do Estado tinha sofrido uma
redução per capita de 3.1% - e que as propinas estão a
servir para substituir o financiamento público, não vai porem
demorar muitos meses a ser feita.
Dessa demonstração se está a encarregar a autêntica bola de
neve em movimento, dos milhares de estudantes que do Norte ao Sul
do país se estão a recusar a pagar as propinas.
Se não prevalecer no Governo algum resto de bom-senso em relação à política de propinas, será fazer muita futurologia prever a viagem que dois marcianos irão ter que fazer para outro planeta? Edgar Correia