EDITORIAL

Os trocos


Na escalada de aumento dos preços actualmente em curso têm-se ouvido as mais laboriosas explicações para enganar o consumidor e sossegar a opinião pública. Julgava-se que as famosas «rebaixas» da Telecom, que originaram agravamentos de preços até 43 por cento, eram imbatíveis em matéria de mistificação.

Ora aí está agora a Secretaria de Estado dos Transportes a pretender explicar o generalizado agravamento das tarifas nas empresas da área da sua jurisdição com, entre outras, a necessidade de «facilitar os trocos». Com este pretexto os bilhetes de metropolitano comprados avulso sobem 14,3 por cento, passando de 70 para 80 escudos, e os da Transtejo sobem 11,1 por cento, passando de 90 para 100 escudos.

Custa a creditar que seja o próprio Governo a justificar de forma tão cínica um agravamento de preços desta ordem quando ainda há pouco decretou aumentos de pensões e reformas de apenas de 35 e 40 escudos diários, estabeleceu o aumento do índice 100 da Função Pública em pouco mais de 40 escudos diários e tem admitido um aumento diário de menos de 70 escudos para o salário mínimo nacional.

É caso para dizer: são tudo trocos, senhores governantes!

Os aumentos dos transportes não se ficam pelos exemplos referidos, em percentagens menores, verificam-se em quase todas as modalidades, em termos tais que tanto o «Público» como o «Correio da Manhã» titularam sem hesitar: «Transportes acima da inflação».

A Secretaria de Estado dos Transportes põe também uma grande ênfase a salientar que «procurou-se beneficiar os preços dos passes intermodais e combinados», mas mesmo o custo destes cresce significativamente, desde os 2,2 por cento no escalão mais baixo até 2,4 e 2,5 por cento nos escalões mais utilizados.

A par do transportes aumenta também o preço da água em Lisboa. Neste caso, o Governo, igualmente, se reconforta com a alegação de que o primeiro escalão (até 5 m3) não será aumentado, mas a verdade é que o 2º escalão (de 6 a 13 m3) onde cai grande parte dos consumidores tem um aumento de 3 por cento, para já não falar do 3º escalão (acima de 15 m3) que terá um aumento de 5,1 por cento.

Assim vai a escalada do aumento dos preços que o Governo PS preparava há muito e para a qual o PCP preveniu insistentemente durante a campanha eleitoral para as autarquias locais. Passadas as eleições, o Governo PS sente-se à vontade para a pôr em prática, de tal forma que, a não haver uma enérgica resposta do país, bem se pode dizer que a escalada continua.

Entretanto, os dados do INE vindos a público revelam que o ano de 1997 terminou com a inflação a acelerar. Com os aumentos que agora se registam, é mais que provável que esta tendência se vá manter e até acentuar em 1998. Como referia há dias o «Diário de Notícias» «vários analistas apontam mesmo a hipótese de uma aceleração, moderada, que poderia ir até aos 2,5%».

Há que contar além disso que o ano agrícola apresenta muito más perspectivas, com as sementeiras a atingirem apenas 20 por cento do que seria normal.

É claro que o Governo «sempre optimista» vai dizendo que está tudo sob controlo e em relação a cada aumento de preços assegura, como mais uma vez se verifica no caso dos transportes, que ele «é inferiror a percentagem do aumento de salários».

Mas que percentagem? É a da Função Pública que vai querer impor aos demais trabalhadores, depois dos aumentos de preços já verificados? As negociações sobre o aumento do salário mínimo nacional arrastam-se no Conselho de Concertação Social, mas o aumento do preço dos transportes passa a vigorar no dia 1 de Fevereiro.

No quadro que está criado, é essencial partir para a contratação colectiva com claros objectivos e grande determinação para que a percentagem de aumento de salários não se reduza a simples trocos e faça justiça ao valor do trabalho na situação presente da nossa economia.

A propósito de trocos, o país tem-se divertido com as dissonâncias e contradições, talvez mesmo discordâncias entre os ministros das Finanças, de um lado, e outros ministros, do outro, sobre a campanha de informação acerca do «euro».

O Governo no seu conjunto tem feito apologia do esclarecimento dos cidadãos para os preparar para os novos problemas que serão trazidos pela a moeda única, sempre com o fito, afinal, de ganhar e mobilizar a opinião pública nacional para uma causa que está muito longe de estar decidida, mas que os governantes querem dar a ideia que está consumada.

Os ministros Gama e Pina Moura tem encarecido, em especial, essa necessidade talvez por estarem persuadidos da frágil implantação da ideia da moeda única entre a nossa gente, que não foi ouvida nesta questão (em referendo, como o PCP tem exigido), nem sequer chamada a participar num debate sério sobre a matéria.

O ministro Sousa Franco, no entanto, com o seu ar desabrido e imprevisível, saíu-se há dias clamando que em relação ao «euro» «o mais importante é estar lá», que «os portugueses já estão bem informados», que «a vida e os agentes económicos é que os vão ensinar», que «a publicidade é só um factor de chamada de atenção» e por aí fora.

Ninguém se atreve com certeza a pôr em causa o ardor com que o ministro das Finanças defende a moeda única, com a qual pensa passar à história. O seu destempero deve ter, por isso, pesadas razões.

Quem quer que tenha assistido a debates sobre o «euro» no nosso país ou lá fora talvez possa comprendê-lo. Ele deve ter percebido que quanto mais se debate mais se fortalecem as objecções. Por exemplo, quando surgem perguntas sobre a diferenciação de preços e ainda mais sobre a diferenciação dos salários. Porque é que os salários em Portugal hão-de parecer meros trocos quando comparados com os que praticam noutros países da União Europeia, se o espaço económico é o mesmo e se a moeda passar a ser a mesma?!

Sousa Franco percebe que a discussão gera a oposição e é por isso que quer impedí-la. É, afinal, pela mesma razão que o PS e o PSD têm impedido o referendo sobre a moeda única.


«Avante!» Nº 1260 - 22.Janeiro.98