O
futuro das últimas autárquicas
Por Carlos
Luís Figueira
Membro da
Comissão Política do CC do PCP
Os resultados obtidos pela CDU nas autárquicas de Dezembro último desencadearam por parte dos analistas habituais uma torrente de considerações e conclusões àcerca do papel que gostariam de destinar ao PCP na sociedade portuguesa, numa apressada linha de simplificação e de completa ausência de escrúpulos.
Decretando mais uma vez o
funeral político do PCP através da afirmação sentenciosa do
nosso irreversível declínio eleitoral, procuram consagrar no
imaginário colectivo a tese que no futuro tudo se decidirá,
inevitavelmente, através da escolha representada pelo conjunto
de duas forças de bloco central constituídas pelo PS e PSD que
não se diferenciando no essencial (como alguns até já
admitem), inevitavelmente restaria aos eleitores a opção de
decidirem o seu voto pela variedade dos estilos: entre o sisudo
ou o risonho, o laranja ou o rosa, o véu ou o veludo. O
supérfluo, o transitório, o ocasional.
Nesta linha, o articulista do Expresso, à mistura com as
catalinárias anticomunistas do costume, avança mesmo com
conselhos e receitas àcerca do comportamento e posicionamento do
PCP na sociedade, para nos atribuir as funções do grilo na
fábula do Pinóquio, ou seja, um papel próximo dos bons rapazes
conferindo-nos a tarefa de chamar a atenção do PS sempre que as
mentiras ou diabruras da sua governação se justificassem.
Em toda esta orquestração está presente um objectivo que não
sendo novo ao qual se procura, na conjuntura, dar redobrado
impulso. Cavalgando ao máximo nos resultados negativos obtidos
pela CDU em Dezembro último, explorando factores psicológicos e
sentimentos compreensíveis de abatimento e injustiça que muitos
dos resultados negativos justificadamente contêm, tentarem
colar-nos a um declínio eleitoral sem reverso, arrumando-nos na
prateleira de um Partido marginal, de protesto, de sindicalismo
de causas perdidas.
Num outro plano e ainda em
torno dos resultados eleitorais, M. Alegre aproveita para dar
alguns recados àcerca do nosso relacionamento com a sociedade e
particularmente sobre o nosso posicionamento face ao PS e
designadamente a ala esquerda deste partido de que ele se arroga
destacado representante. Trata-se de facto de uma questão de
inegável interesse.
A este respeito, e sem prejuízo de uma abordagem mais detalhada,
chamaria desde já a atenção para o seguinte. De que PS estamos
a falar e que posicionamento têm assumido os reclamados sectores
de esquerda face ao Governo de A. Guterres, Secretário Geral do
PS.
Entendamo-nos. Estamos ou
não perante a ascensão ao poder no Partido e no Governo da
Nação dos sectores mais à direita do PS. Realiza ou não este
Governo de maioria PS uma política fundida e ao serviço dos
interesses do grande capital, política aqui ou ali matizada pelo
estilo em relação à executada pelos Governos de Cavaco Silva,
na qual cabem pequenos detalhes na área social como o rendimento
mínimo que todavia não podem ofuscar a global ofensiva contra
direitos sociais em relação ao mundo do trabalho.
É ou não, antes de mais, o julgamento e posicionamento face a
esta política que tem de balizar comportamentos. Nesse sentido
que tem feito a reclamada esquerda do PS para além de fazer
passar a ideia de inevitabilidade da execução desta política.
Ou será, como M. Alegre insinua, que se deve ao radicalismo e à
ausência de modernidade do PCP o facto do PS a realizar
sabendo-se, como a história recente o comprova, que este PS no
poder sempre caminhou pelos seus próprios passos para alianças
e políticas de centro direita.
Em tal contexto, seriamente, que relacionamento se pode reclamar
senão o da ala esquerda do PS se demarcar claramente desta
política e sem preconceitos, nem sofismas, associar-se e
participar com o PCP e outros sectores de esquerda na
construção de uma alargada frente alternativa às opções e
políticas executadas por este Governo, num movimento inverso
àquele que M. Alegre sugere.
Embora ficando àquem do que
nos propunhamos obter nas eleições de Dezembro último,
perdendo posições importantes, nada autoriza à estrita luz dos
resultados obtidos, consagrarem-se teses definitivas sobre
resultados futuros e muito menos a escamotear o facto da CDU ao
ficar com a presidência de 41 municípios e dando um contributo
inestimável para a vitória da Coligação em Lisboa, acrescido
de múltiplas posições obtidas em diversos órgãos de Poder
Local, permanecer como uma grande força autárquica no plano
nacional.
O carácter destas eleições, a sua diversidade e especificidade
exigem, tal como foi assinalado pelo Comité Central do PCP, um
exame profundo sem precipitações nem superficialidades. No
conjunto dos resultados há sinais contraditórios em relação a
subidas, porque as houve e até significativas, ou descidas, ao
maior ou menor grau de abstenção obtido. Nuns casos perde-se a
maioria subindo significativamente, enquanto noutros, descendo,
se conserva mais confortavelmente a maioria que já se dispunha.
Importa discernir e tal só é possível através de uma
discussão mais profunda, o somatório das causas, não caindo na
tentação de procurar uma só causa para justificar os
insucessos ou sucessos obtidos e muito menos sermos empurrados
para uma discussão afunilada na pessoalização e na
auto-flagelação numa linha que nos conduziria inevitavelmente
para a ausência de discernimento e para a desorientação.
A complexidade e dificuldade
da situação política que vivemos, no plano interno e externo,
dificulta a afirmação e o apoio a um projecto alternativo de
esquerda que nós corporizamos. Permanecem ilusões àcerca da
política deste Governo. Existem meios poderosos para fixar as
alternativas num bloco central de forças que em alternância e
sem diferenças substantivas se revezem no poder. Procura-se
desvalorizar, escamotear, deformar, descredibilizar, propostas e
projectos políticos alternativos que ponham em causa a natureza
e objectivos das políticas seguidas quer pelo PSD, quer pelo PS,
Oculta-se e deforma-se a natureza da luta contra esta política.
Promove-se a acomodação justificada pelo carácter inevitável
das soluções praticadas. Ridicularizam-se e deformam-se valores
associados ao combate às desigualdades sociais por uma sociedade
mais justa e liberta da desenfreada exploração que se pratica.
Dá-se o desemprego de milhares de trabalhadores e a perda de
direitos sociais como uma fatalidade à qual não se pode fugir.
Enfrentámos uma campanha com uma enorme desproporção de meios
nos quais pesou e não foi pouco o aproveitamento por parte do PS
do aparelho de Estado para favorecer as suas candidaturas.
Aliás, se dúvidas ainda houvesse a este respeito, o
responsável pela Federação do PS dá um bom contributo para as
desfazer quando em entrevista recente afirma que nunca o PS teve
tantos meios ao seu dispor para disputar eleições ao mesmo
tempo que desvenda os esforços que fez, em estreita
articulação com membros do Governo, para privilegiar
investimentos públicos em autarquias de maioria PS. O
desfavorecimento que tivemos por parte dos grandes meios de
comunicação sofreu novo impulso. O PS, contrariamente ao que
sempre afirmou, teve como grande objectivo estratégico assaltar
posições nossas em importantes municípios, promovendo noutros
o seu esvaziamento em benefício do PSD contra posições nossas
ou, ao invés, caso de Vila Real de Santo António, onde o PSD se
esvazia em benefício do PS permitindo a este ganhar a autarquia,
num processo que escandalosamente termina com a eleição dos
três únicos elementos eleitos pelo PSD na Assembleia Municipal
de Vila Real de Santo António para a presidência e mesa da
respectiva Assembleia, facto só possível porque contaram com os
votos do PS.
É certo e lucidamente que
temos de analisar outros factores que pesaram nos sucessos e
insucessos obtidos. Causas, cuja natureza poderá decorrer da
gestão praticada, da ligação às populações, do papel
desempenhado pelos eleitos no exercício do poder, do carácter
diferenciador da nossa gestão, das prioridades definidas, do
conteúdo e da acção política desenvolvida ao longo do mandato
pelos nossos eleitos, do contributo que tal gestão deu para o
alargamento da influência política e social do PCP.
O conjunto das discussões que se estão a realizar por todas as
organizações darão sem dúvida um inestimável contributo para
o acerto da acção futura, reflexão na qual tem de se
incorporar o contributo de muitos dos que não sendo do PCP
connosco estiveram e vão continuar a estar nesta como noutras
batalhas futuras.
Debate, reflexão, que não podem ser dissociados do
aprofundamento do conteúdo das propostas e projectos que o PCP
apresenta para a sociedade, projectos de poder e de políticas
alternativas. Processo no qual assume particular importância o
reforço da base organizativa e da militância política, a
promoção de iniciativas que melhorem a nossa ligação à
sociedade, visando o reforço da nossa influência política e
social, sem a qual não haverá política alternativa, num
percurso não só de combate às ideias dominantes mas de
construção de condições para uma alteração da correlação
de forças que hoje predominam na sociedade portuguesa.
Porque as eleições e os seus resultados sendo inegavelmente
importantes constituem não mais que um elemento da batalha
política mais geral em que estamos empenhados e temos de
continuar a travar.