Especulação bolsista
continua a não pagar impostos

Por Eugénio Rosa


No artigo que publicámos no Avante! de 11.12.1997, afirmamos que os rendimentos resultantes da especulação bolsista continuavam a não pagar impostos, nomeadamente IRS, apesar das reafirmadas preocupações do governo, e nomeadamente do Secretário de Estado de Assuntos Fiscais (veja-se o seu artigo no Expresso de 10.1.98), sobre a justiça fiscal. E porque aquele artigo já estava demasiadamente extenso não pudemos provar a nossa afirmação. Hoje, neste artigo, utilizando disposições do Código do IRS e casos reais vamos mostrar ao leitor como essa grave injustiça fiscal continua a verificar-se sem que o governo PS mostre qualquer interesse em a fazer desaparecer, ou, pelo menos, em a reduzir.

Em primeiro lugar, até para que se possa ter uma ideia da importância dos valores que estão isentos do pagamento de impostos, interessa recordar alguns dados que publicámos no artigo anterior, e que foram retirados do relatório do Governo que acompanhou o Orçamento de Estado de 1998.

Assim, de acordo com aquele relatório (pág. 32 ), " a capitalização bolsista (só de acções) representa já 37,4% do Produto Interno Bruto", ou seja, o valor destas acções cotadas na bolsa atinge 6.614 milhões de contos. Como, segundo o mesmo relatório, " o índice de cotações da Bolsa de Valores de Lisboa (BVL30) aumentou 65,5% entre Dezembro de 1996 e Setembro de 1997 ( até Dezembro de 1997 ultrapassou os 70% ), aquele aumento significa que em sete meses apenas as acções cotadas na Bolsa registaram um aumento calculado em cerca de 2.617 milhões de contos.

A questão importante que se coloca é esta: - As elevadas, para não dizer gigantescas mais valias, obtidas sem qualquer esforço, que resultam de transacções na bolsa, pagaram impostos? – Para responder, sem margem a dúvidas, a esta importante questão vamos ver o que estabelece o Código do IRS.


Mais valias obtidas na Bolsa
não pagam IRS

De acordo com o nº 2 do artº 10 do Código de IRS " as mais valias provenientes da alienação (venda ) de: (a) Obrigações e outros títulos de divida; (b) Acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses " são excluídas dos " rendimentos de categoria G", portanto não estão sujeitas a pagamento de IRS.

Assim, se uma pessoa comprou em Julho de 1996 um lote de acções por 2.000 contos e as vendeu em Setembro de 1997 por 3.400 contos, tendo uma mais valia (lucro) de 1.400 contos, como teve as acções em seu poder mais de 12 meses, aquele lucro não paga nada de IRS; dito de outra forma, aquela mais valia, eventualmente especulativa, está isenta de pagamento de IRS, de acordo com o estabelecido no nº2 do artº 10 do Código do IRS. Pelo contrário, se um trabalhador, fruto do seu trabalho, teve o mesmo rendimento anual, ou seja, de 1.400 contos, já teve de pagar IRS. Premeia-se o especulador, e penaliza-se quem trabalha. É esta a verdade.

E o que acontece aqueles que têm em seu poder as acções menos de 12 meses? – De acordo com Código, deviam pagar IRS pelas mais valias obtidas. Mas dizemos deviam, porque na maior parte das vezes isso não sucede. E não acontece porque o controlo feito pela Administração Fiscal sobre essas transacções é escasso ou praticamente inexistente. Foi precisamente isso que nos esclareceram num banco, onde manifestámos interesse em fazer aplicações em acções, e onde perguntámos se as mais valias eventualmente obtidas em períodos inferiores a um ano pagavam impostos. E tenha-se presente que os bancos conhecem muito bem esta realidade, pois são eles que devem informar a Administração Fiscal das transacções verificadas, para esta poder depois controlar as declarações dos contribuintes. Se aquela declaração não se fizer, ou sendo feita, o cruzamento da informação do banco não for realizada com a constante da declaração do contribuinte, então não existirá qualquer controlo.

Em resumo, por disposição legal ou por falta de controlo efectivo da Administração Fiscal, milhões de contos de mais valias realizadas nas bolsas portuguesas não pagam um tostão de IRS. Seria bom, para a credibilidade do próprio Governo, que num dos seus próximos artigos o Sr. Secretário de Estado de Assuntos Fiscais informasse o País de qual foi o valor das transações de títulos verificadas nas bolsas portuguesas em 1997, qual a parcela que pagou IRS, e qual foi o valor de IRS arrecadado pelo Estado.

Comparemos esta situação profundamente injusta sob o ponto de vista social, com uma outra que eventualmente poderá já ter atingido muitos trabalhadores.


Mais valias de prédios de habitação
pagam IRS

Suponha-se agora que uma família trabalhadora recebeu de herança ou adquiriu com muito esforço um apartamento, e que possui um outro onde habita. Admita-se que ela é obrigada a vender o apartamento que herdou ou adquiriu, para fazer face a uma doença grave de um familiar ou para ter um pequeno pecúlio para fazer face a qualquer dificuldade futura..

De acordo com a alínea a) do nº1 do artº 10 do Código de IRS, as mais valias resultantes da "alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis" estão sujeitas a pagamento de IRS, seja qual for o tempo que esse imóvel esteja na posse do seu proprietário.

Portanto, se um trabalhador recebeu de herança ou adquiriu um apartamento e depois o vende, se o valor da venda não for utilizado na aquisição de um outro imóvel para a sua habitação ou do seu agregado familiar, a mais valia obtida paga IRS (nº5 do mesmo artigo).

E a mais valia sujeita a IRS é a diferença entre o valor de venda e o valor da matriz (no caso de herança) ou o valor de aquisição, um e outro actualizado com base em coeficientes publicados pelo Ministério da Finanças, que são inferiores à taxa de inflação verificada. No entanto, mesmo esta actualização não se verifica em todos os casos. Para tal suceder é necessário "que tenha decorrido mais de 24 meses entre a data de aquisição e a data de alienação" (nº1 do artº 47º do Código do IRS). Se tiver decorrido menos de 24 meses, este trabalhador terá de pagar IRS sobre a totalidade da diferença entre o preço de venda e o preço de aquisição, não podendo fazer qualquer correcção no preço de aquisição, apesar da inflação que se verifica todos os anos.


Dois pesos e duas medidas

É evidente que existe um tratamento profundamente diferente para as mais valias obtidas na bolsa, e as mais valias obtidas com a venda de imóveis

É difícil compreender este tratamento desigual das mais valias especulativas, que beneficiam fundamentalmente os especuladores da bolsa, e que ou estão isentas de IRS, ou que, por falta de controlo efectivo, acabam por não pagar IRS, e as mais valias de imóveis, em muitos casos representando o único bem adquirido ou recebido de herança, por famílias trabalhadoras, que pagam sempre IRS, se não forem investidas em imóvel para habitação própria ou do agregado familiar..

É também difícil compreender a manutenção de um tratamento fiscal, que favorece quem especula, e penaliza quem trabalha (as mais valias de transações na bolsa não pagam IRS, enquanto os rendimentos auferidos pelos trabalhadores ou as mais valias obtidas pela venda de um imóvel já têm de pagar IRS), por parte de um Governo que se diz interessado em implementar uma maior justiça fiscal, e que tem feito tantas declarações nesse sentido. Ao Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Dr. Carlos dos Santos, que em inúmeros artigos de opinião publicados na imprensa não se tem cansado de elogiar a política fiscal do governo de que faz parte, nomeadamente a sua vertente de justiça, deixo esta questão para reflexão, e eventuais comentários.


«Avante!» Nº 1260 - 22.Janeiro.98