Todas as pressões


O Governo quer visivelmente trazer para o primeira linha da actualidade política a matéria da revisão da Lei eleitoral para a Assembleia da República. Além do mais, até dá jeito para afastar as atenções da subida dos preços.
O ministro António Costa fingiu há dias, no plenário de S. Bento, que fazia o balanço do «debate público» lançado formal e artificialmente em Setembro com a apresentação de um «anteprojecto de articulado» de alterações à Lei, da iniciativa governamental.
A primeira conclusão que o ministro devia ter tirado, mas não teve coragem de fazer, é a de que não houve debate nenhum porque as forças políticas estiveram mobilizadas pelas eleições autárquicas e a questão não suscita verdadeiro interesse no país.
Não conseguiu, no entanto, deixar de referir «o reconhecimento, hoje consensual, que o nosso sistema eleitoral tem provado bem», alegando que com a introdução dos «círculos uninominais» o Governo só quer «melhoramentos».
Esta falsa propaganda não se tem, no entanto, revelado muito mobilizadora, daí que o ministro Costa ande a procura de outras formas de pressão sobre a opinião pública.
Na arenga parlamentar do passado dia 14, dedicou boa parte do texto à questão da «presença de mulheres» no Parlamento, matéria omissa no «anteprojecto de articulado» governamental.
Isto é, para animar o debate sobre a alteração da Lei eleitoral, o PS e o seu Governo voltam-se agora para as mulheres, mas estas tem sobejas razões para ficarem desconfiadas.

Na verdade, apesar do PS advogar há anos a imposição de quotas obrigatórias de representação de mulheres nas listas de candidatura e de ter introduzido essa obrigação no seus próprios estatutos, na prática, o que tem verificado é que a «obrigação» tem sido escandalosamente desrespeitada e a participação das mulheres claramente subestimada nas listas socialistas.
Foi assim nas listas candidatas às últimas eleições para a Assembleia da República e foi assim, de forma ainda mais flagrante, nas recentes eleições para as autarquias locais, com raríssimos casos de mulheres como cabeças de lista.
São bem fundados, pois, os receios de que a introdução de círculos uninominais, onde na escolha dos candidatos iriam prevalecer motivações semelhantes das que operam nas eleições autárquicas, se traduzisse, afinal, num ainda maior sacrifício de candidaturas femininas.

A experiência, nossa e alheia, mostra então que não é pela via de autoritárias imposições legais de quotas que se resolve a magna questão nacional de assegurar uma muito maior participação da mulher na vida política, na composição da Assembleia da República e à frente das autarquias locais.
Trata-se de uma questão de cultura e de vontade política.
Repare-se no exemplo da CDU que nas últimas autárquicas apresentou 83 mulheres como cabeça de lista, contra 53 nas eleições precedentes, e que mesmo perdendo a presidência de oito autarquias, aumentou de duas para três as presidências de câmaras desempenhadas por mulheres.
Não é por aqui que a proposta do Governo disfarça a intenção de pressionar por via legal mais bipolarização e bipartidarismo... — Carlos Brito


«Avante!» Nº 1260 - 22.Janeiro.98