ARGÉLIA
Terrorismo e conspiração


O que se passa na Argélia parece escapar a toda a possibilidade de entendimento. De tal modo que há mesmo quem pretenda convencer-nos (e convencer os argelinos) que só através da aberta intervenção da "comunidade internacional" nos assuntos internos da Argélia seria possível acabar com o morticínio. É certo que as pretensões intervencionistas têm sido no fundamental rejeitadas. Mas os perigos de internacionalização não podem considerar-se afastados. Há muitas razões para pensar que está efectivamente em marcha uma conspiração contra a Argélia envolvendo nomeadamente o imperialismo, os fundamentalistas islâmico/fascistas, sectores reaccionários do próprio aparelho de Estado argelino.

A dificuldade de ver claro na situação argelina é particularmente avolumada pelos elementos de obscurantismo, irracionalidade e violência demencial que nela intervêm. Seria porém um erro absolutizar a importância do factor integrista islâmico. O fanatismo religioso não tem tradições entre o povo argelino. A revolução argelina, sem dúvida radicada na cultura árabe e berbere, não teve que apelar aos sentimentos religiosos para atingir os seus objectivos anticoloniais libertadores. O Estado saído da revolução era, não obstante a referência islâmica, um Estado republicano, basicamente laico e progressista. Mas é uma evidência que o factor religioso existe, que é objecto de instrumentalização e utilizado como cobertura para a acção de clãs mafiosos e o desenvolvimento do terror fascista. E é a meu ver aqui que bate o ponto. As terríveis carnificinas e a violência sádica e gratuita que as caracteriza, visam semear o terror e o desespero e tornar "aceitável" uma ditadura de cariz fascista e a ingerência imperialista nos assuntos internos da Argélia. O que resulta tanto mais verosímil quando se verifica que os alvos da acção terrorista/integrista/fascista têm sido tudo quanto tenha uma conotação democrática e progressista, a começar pelo ensino (mais de 4.000 escolas incendiadas e destruídas), e as vítimas se encontram, além de intelectuais progressistas, sobretudo entre os trabalhadores e os camponeses mais humildes. O carácter de classe do terrorismo que sangra a Argélia torna-se ainda mais evidente quando se verifica que nem os grandes interesses das multinacionais nem a burguesia parasitária, enriquecida à sombra do Estado argelino, dos ruinosos acordos com o FMI, e das privatizações, têm sido atingidos.

O imperialismo e a reacção internacional procuram instrumentalizar sentimentos religiosos para dificultar o avanço das forças progressistas e a afirmação de alternativas de progresso social e soberania nacional. Na Argélia, como na Bósnia, Afeganistão e muitos outros países. Trata-se de uma estatégia planetária. Hoje são os taliban que se deslocam ao México para discutir com a multinacional norte-americana UNOCAL um chorudo projecto de 4,5 mil milhões de dólars (Público e Monde de 18/19.01.98). Amanhã poderão ser, se não forem derrotados, os integristas argelinos a entregar aos consórcios norte-americanos ou outros o petróleo e o gaz argelino, pilar fundamental do desenvolvimento económico e social da Argélia contemporânea. Uma estratégia em que se inserem também os "programas de ajustamento" do Fundo Monetário Internacional, que têm significado para o povo argelino pesados sacrifícios, com 30% de desempregados e um aumento brutal do custo de vida, que já provocou grandes manifestações de descontentamento e de luta popular.

É aliás da profunda crise social em que a Argélia mergulhou, e que atinge sobretudo a juventude (que constitui 80% da população), que o integrismo/fascista se nutre. Acreditamos contudo que, com a ajuda dos seus verdadeiros amigos, o povo argelino encontrará forças para derrotar a conspiração, superar a crise, defender a sua soberania, retomar o caminho da democracia e do progresso social.A prolongada luta de resistência contra o colonialismo francês, a heroica guerra de libertação conduzida pela FLN, a revolução argelina - deixaram sulcos profundos que nenhuma conspiração, por mais sinistra que seja poderá irradicar. A História confirmará que não foram em vão o milhão e meio de vidas sacrificadas na luta pela conquista da independência e da dignidade do povo argelino. Albano Nunes


«Avante!» Nº 1260 - 22.Janeiro.98