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O euro-mistério
Por Francisco Costa
«Os consumidores portugueses sabem bem o que é o euro e, naturalmente, depois, a vida é que lhes vai ensinar como é que isso funciona.»
(Sousa Franco, Ministro das Finanças 19.01.98)
Foi assim, por entre o maior dos espantos, que os «consumidores portugueses» ouviram nas rádios, viram nas televisões e leram nos jornais, a horas de se engasgarem com o jantar, o Ministro das Finanças emitir a sua opinião pessoal sobre o défice de informação que se sabe existir no nosso país sobre o euro, a moeda única europeia, sessenta dias antes da realização de reuniões importantes sobre a matéria e a quatro meses de distância da decisão relativa ao número de países em condições de fazer parte do primeiro grupo de adesão.
Mas, independentemente de
isto ter vindo a lume no final de uma reunião em Bruxelas do Conselho
de Ministros da Economia e Finanças da União Europeia (ECOFIN)
e na sequência de observações de responsáveis deste organismo
a propósito do enorme atraso na informação governamental aos
portugueses, o senhor ministro disse ainda mais. Por exemplo: «a
explicação ao consumidor é e será feita todos os dias pelos
agentes económicos, não é um governo com 17 membros que vai
explicar aos consumidores. (...) Neste momento já há várias
publicações e elementos de informação para uma parcela
seleccionada (sic) da opinião pública e dos agentes
económicos. (...) Nós definimos as regras e, depois, como tudo
o que acontece em economia, são os agentes económicos que
explicam uns aos outros, com base nas regras estabelecidas.»
Nada mais, nada menos! Assim se apresentava, com a
pesporrência e arrogância que o caracterizam, o Professor Sousa
Franco, Ministro das Finanças de um país membro da União
Europeia. E, não o esqueçamos, Ministro das Finanças de um
«governo socialista» que sucedeu àquilo que também os
socialistas consideravam ser a arrogante governação cavaquista
e tendo alcançado o Poder designadamente a partir das promessas
feitas ao eleitorado quanto à necessidade de uma reviravolta em
termos de transparência e diálogo na vida política!
Entretanto, lá fora...
Apesar de reconhecidas
insuficiências de alguma monta, é bem diferente o panorama da
informação e debate público sobre estes assuntos em outros
países europeus, o que vem demonstrar que, ao contrário do que
repisam constantemente os nossos governantes, ainda não
deixámos de ser arrogantemente tratados (até por eles!) como
eternos cidadãos da periferia.
Ficou-se a saber, por exemplo, que em França são publicadas
brochuras e estão a ser desencadeadas campanhas televisivas
acerca do euro e das suas consequências para a economia
nacional. Entre outras iniciativas, e para que os cidadãos se
vão habituando às mudanças inevitáveis, os bancos franceses
exibem já tabelas cambiais com a conversão das divisas em euros
e algumas lojas apresentam os preços tabelados em francos e em euros.
Por outro lado, na Suécia e na Finlândia, mesmo sabendo-se que,
para já, estas questões não se colocam com tamanha acuidade
por não estarem nos seus horizontes, são frequentes os debates
sobre o assunto nas TVs, os cidadãos sentem-se mobilizados para
se organizarem em grandes movimentos de opinião, são publicados
folhetos de informação em que participam partidários e
não-partidários da adesão e, na Dinamarca, o governo até já
prometeu enviar pelo correio aos cidadãos que o desejarem um
exemplar do Tratado de Maastricht / Amesterdão, com
informações suplementares, antes de este ser por eles
referendado no próximo mês de Maio.
Uma notável falta de pudor
Acresce que isto se ficou a
saber não pelas nossas televisões mas, ao contrário, pela
estação de rádio TSF que, anteontem, trouxe esta
matéria para primeiro plano, como ponto de discussão central do
seu habitual Fórum matinal. Um largo espaço de emissão
no qual, a par de generalizadas posições críticas por parte
dos ouvintes, se assistiu a um esclarecedor contraste destes com
o posicionamento «institucional» de alguns deputados e
especialistas do PSD e do PS e se ouviram algumas justificações
e desculpas de mau pagador.
Não podem ainda deixar de espantar as declarações que foram
proferidas por Francisco Saarsfield Cabral, actual
Director do «Público» (mas ex-responsável pela Delegação
em Lisboa da Comissão Europeia...), o qual,
criticando embora os atrasos verificados neste momento,
entendia que, há um ano, quando ainda não era certo se Portugal
estaria no número dos bem-aventurados, eram aceitáveis as
posições de «certa relutância» do Governo em avançar
com muitas explicações! Ou seja, tal como no poker, não
se pode por o jogo todo na mesa e o bluff é, também
aqui, uma maneira aceitável de estar na política e enganar o
parceiro. Mas o lugar de honra teria de ir para o porta-voz do
próprio Ministro das Finanças, jornalista de profissão, de seu
nome Antunes Ferreira, e que também desempenha o lugar de
coordenador para a comunicação social de uma tal «Comissão
Euro» criada no seio daquele Ministério. Avisando, desde
logo, que tinha uma coisa muito importante para dizer (a saber, «que,
neste caso, nós temos uma tarefa nacional que corresponde
também a um desígnio nacional que é a entrada de Portugal na
zona da união económica e monetária», pelo que não se
justifica existirem «ideias de furos jornalísticos ou de
cachas»), o tal porta-voz demonstrou ter muito apego ao
lugar que denodadamente desempenha, já que declarou, do mesmo
passo, que no primeiro número de um Boletim editado por aquela
Comissão, iria sair um artigo «extremamente interessante» do
seu Ministro, evocador até de um outro escrito que aquele dera
à estampa em 79 e que até poderia considerar-se «premonitório»
e «diz bem da atenção que o Professor Sousa Franco tem
vindo a dispensar a este assunto.».
Comovente!
Uma esclarecedora emissão
Como vos disse, toda esta
discussão passou à margem das nossas televisões, as quais
continuam apostadas em ignorar a análise e o debate das grandes
questões europeias, com destaque para a SIC (que se
afirmou, à nascença, como querendo representar uma «pedrada no
charco» em termos de informação televisiva) ou, sobretudo,
para a RTP que, assim, mais uma vez persiste em ignorar a
missão de «serviço público» de que está investida e à qual
deveria sentir-se obrigada.
Aos espectadores que dispõem da faculdade de assistir às
emissões via-satélite ou TV Cabo e que justamente estão
preocupados com os tempos que se avizinham, foi preciso novamente
estarem atentos, há precisamente oito dias, para sintonizarem
mais uma emissão temática proporcionada pelo canal
franco-alemão «Arte» - e se aqui mais uma vez falamos
dele é para estimular nos espectadores-leitores um espírito
crítico e comparativo acerca do que nos é oferecido a nível
nacional em matéria de informação.
Decorrendo ao longo de pouco mais de três horas, com
documentários e reportagens filmadas em França, na Inglaterra,
na Alemanha e até nos EUA (tendo em conta as repercussões
macro-económicas a nível mundial) esta longa emissão deixou
bem claro que não é aos cidadãos comuns que a estratégia da
moeda única europeia interessa mas sim às grandes empresas -
enquanto sustentáculos de classe da generalidade dos governos de
direita e centro-direita europeus num processo
desencadeado pelo Capital financeiro no sentido de permitir a
este a sua máxima rentabilização na Europa. São os grandes
senhores do dinheiro que, mais uma vez, têm a lucrar com a nova
situação decorrente, sendo admissível que as desigualdades
económicas se aprofundem, que as regalias sociais conquistadas
com grande denodo e coragem ao longo dos tempos pelos povos
possam estar em causa, que as próprias liberdades cívicas sejam
colocadas em perigo a par do esvaziamento, no plano
político, da capacidade de intervenção dos parlamentos
nacionais e do próprio Parlamento Europeu, já verificada.
Segundo especialistas ouvidos, estas são consequências
previsíveis provocadas pela baixa de rendimento e diminuição
do consumo, por sua vez fruto do desemprego crescente e da ruína
para a qual inevitavelmente caminharão muitas pequenas e médias
empresas absorvidas pelas grandes multinacionais e tendo como
consequência directa o reforço do poder por parte dos grandes
grupos económicos os únicos preparados e informados para
as inevitáveis transformações estruturais e aqueles que,
seguramente, se revêem no gigantesco e imponente edifício do
futuro Banco Central Europeu, ali em Frankfurt (pois
claro!), no país do Bundesbank.
Como, ainda na TSF, diria a propósito Fernando Alves, na sua crónica «Sinais» dessa manhã, «foi assim que Champalimau fez o império, foi assim que o reconstruiu depois de perdido.».
Sabendo-se do que a casa gasta, como estranhar orgulhos, indiferenças, silêncios e cumplicidades?