Experiência do Reino Unido dá razão aos sindicatos
Privatizações lesam o País
os trabalhadores e as populações


Sindicalistas portugueses apresentaram um detalhado relatório sobre os contactos realizados em Londres com o UNISON e outras estruturas sindicais, que deram vasta informação sobre mais de 15 anos de políticas de desregulamentação e privatização. Em foco estiveram a Administração Pública, a energia, as telecomunicações e os transportes ferroviários.

Na conferência de imprensa de dia 18, convocada pelo STAL, estiveram também dirigentes sindicais das indústrias eléctricas, da Função Pública, dos Ferroviários e das Telecomunicações. Ao darem conta dos resultados da visita, os dirigentes sindicais teceram severas críticas à política de privatizações seguida em Portugal, pelo Governo do PS como antes pelos do PSD. «Mesmo considerando as devidas especificidades nacionais, a comparação entre ambas as realidades revela-se pertinente, não só porque o nosso processo é originalmente devedor do exemplo britânico, mas devido especialmente ao carácter estruturalmente anti-social que caracteriza todos os processos privatizadores, bem como à dimensão globalizante que hoje revelam», afirma-se no documento divulgado à comunicação social, adiantando que, «por antecipação e experiência, não podemos deixar de afirmar que as consequências de ambos os processos demonstram, como não poderia deixar de ser, fortes paralelismos».
Contra as orientações privatizadoras, os sindicatos defendem «uma gestão pública democrática e transparente, ao serviço de todos os cidadãos e respeitadora dos direitos de quem trabalha», a qual «é hoje, mais do que nunca, importante e determinante para a construção de uma sociedade moderna, progressista e solidária».


Legitimação
e estratégias

A chegada de Margareth Thatcher e dos conservadores ao poder, em 1979, representou a aplicação de uma política assente nos princípios neoliberais de que só os mercanismos de mercado e a concorrência permitem aprofundar a eficácia das empresas e do sistema económico. Assim, deveria ser reduzido o papel do Estado na economia, nomeadamente no fornecimento de bens e serviços, o que teria como resultado a diminuição das despesas públicas, uma melhor distribuição dos recursos e um aumento da qualidade dos serviços.
Os processos de privatizações são desencadeados sobretudo no segundo e no terceiro mandatos conservadores. «Sem verdadeira lógica sectorial nem industrial» - referem os sindicatos portugueses - «foram as empresas mais rentáveis as primeiras a ser privatizadas». O sucesso da operação de venda, em Bolsa, de 50 por cento da British Telecom encorajou os conservadores a ultrapassarem aquela plafond na alienação do capital social da maioria das empresas públicas.
Mais de três quartos do sector industrial do Estado foram total ou parcialmente privatizados: as telecomunicações em 1985, o gás em 1986, a água em 1989, a electiricidade em 1990, o caminho-de-ferro em 1995-96, a administração central e local... «Só os correios, graças à luta sindical e ao apoio da população, permanecem ainda sob controlo público», refere o documento divulgado pelos sindicatos portugueses.
A par das operações bolsistas, as privatizações passaram pela divisão das empresas públicas, justificada pelo objectivo de reforçar a concorrência. Só que, em numerosos casos, a privatização resultou em situações de monopólio e oligopólio, nacional ou regional.
Na Administração Pública, a privatização foi estimulada por mecanismos específicos, como circulares aos serviços ou até legislação compulsiva, que obrigava as autoridades locais a privatizar a maioria dos seus serviços e impossibilitava a introdução de cláusulas sociais. As entidades públicas foram expressamente impedidas de concorrer a concessões, em pé de igualdade com os privados.

Os sindicatos resumiram «algumas características comuns» das estratégias e formas de privatização levadas a cabo no Reino Unido e em Portugal:


Quanto custam os lucros privados

As empresas e sectores entregues aos privados têm apresentado enormes lucros e elevados índices de crescimento destes. A outra face da moeda também já tem contornos nítidos.
Os sindicatos apontam, como graves consequências da política de privatizações no Reino Unido:

— a corporativização da democracia, com a diminuição da capacidade negocial das autoridades públicas face a fortes grupos económicos na determinação das políticas de investimento; diminuiu o controlo público e dos cidadãos e alastrou a corrupção;
— a definição e aplicação de uma estratégia nacional ficou posta em causa; é referido o caso paradigmático da electricidade, cuja distribuição é controlada em mais de 60 por cento por empresas norte-americanas;
— a regulação do mercado não foi suficiente para impedir a escalada dos preços e a corrida aos lucros;
— o volume e a qualidade de emprego diminuíram drasticamente (foram liquidados mais de 600 mil empregos na electricidade, no gás, na administração central e local, no caminho-de-ferro e nas telecomunicações; aumentou a precarização, quase triplicando o pessoal temporário na administração central e mais que duplicando os subcontratados e temporários na British Telecom); nas empresas são aumentados os ritmos de trabalho e são atacados direitos, como as férias, a protecção social, as baixas;
— aumentaram as tarifas da água (cerca de 40 por cento de 1989 a 1994) e da electricidade (com fortes disparidades regionais, o Reino Unido detém a quinta tarifa mais cara a nível mundial); as reduções dos preços das chamadas telefónicas têm beneficiado sobretudo os grandes consumidores, enquanto as taxas de aluguer aumentaram; a fragmentação das empresas tem levado ao aumento real dos custos dos percursos ferroviários; as mais prejudicadas são as famílias de menores rendimentos;
— a qualidade de serviço piorou, com sinais mais evidentes na água, na electricidade e na administração pública;
— em vez da anunciada competição, verificou-se a concentração do volume de negócios em meia dúzia de multinacionais americanas e francesas, a par das britânicas;
— verificaram-se grandes desperdícios de dinheiros públicos; em vez dos prometidos investimentos privados para modernização dos serviços, houve estagnação ou diminuição do investimento, mais evidente na água e no caminho-de-ferro.


«Avante!» Nº 1265 - 26.Fevereiro.98