Iraque
A nova paz de Bagdad


O secretário-geral da ONU conseguiu alcançar um acordo com Bagdad, pondo fim ao diferendo provocado pelas inspecções aos edifícios iraquianos suspeitos de armazenarem armamento. É já um dado adquirido que os EUA aceitaram o acordo, mas não admitem que a linha seja pisada. O cenário de uma segunda Guerra do Golfo é por agora afastado.

Na segunda-feira, Kofi Annan, secretário-geral das Nações Unidas, e Tarek Aziz, vice-primeiro-ministro iraquiano, assinaram um acordo em Bagdad, segundo o qual a Unscom (a comissão da ONU para o desarmamento) e a AIEA (Agência Internacional de Energia Atómica) terão «acesso imediato, incondicional e sem restrições» a oito locais presidenciais. Por seu lado, a Unscom compromete-se «a respeitar as preocupações legítimas do Iraque respeitantes à sua segurança nacional, soberania e dignidade».
O governo de Saddam Hussein obriga-se a «melhorar a cooperação, eficácia e transparência do trabalho, para permitir à Unscom apresentar prontamente um relatório ao Conselho» de Segurança da ONU, e confirma que aceita todas as «resoluções pertinentes» daquele orgão.

Outro ponto do acordo prevê a constituição de um grupo especial que integrará diplomatas nomeados por Kofi Annan e peritos oriundos da Unscom e da AIEA, que será dirigido por um comissário nomeado pelo secretário-geral.

O documento respeita a ideia expressa por Annan no que diz respeito à necessidade de não humilhar Bagdad. Isso é manifesto no ponto dois, que afirma que «as Nações Unidas reiteram o compromisso de todos os Estados membros em respeitar a soberania e a integridade territorial do Iraque».

O acordo aborda ainda uma questão que desempenha uma papel muito importante no conjunto desta crise, embora tenha sido por vezes ignorada: as sações económicas. O seu levantamento é considerado «de uma importância primordial para o povo e governo do Iraque» e Annan «compromete-se em apresentar esta questão aos membros do Conselho de Segurança».


Armas continuam apontadas a Saddam

Sem alternativa, os Estados Unidos aceitaram o acordo. No entanto, a administração de Bill Clinton decidiu manter as suas tropas no Golfo Pérsico. Isto porque, como disse o presidente norte-americano em conferência de imprensa, «se o Iraque não cumprir a sua palavra, haverá consequências muito sérias».
Para Clinton, o documento assinado «tem de ser clarificado de modo a satisfazer-nos e há promenores que precisam de ser explicados». As forças militares americanas só serão retiradas depois do acordo ser verificado na prática e nem uma palavra pode ser desrespeitada.
Os EUA só se manterão afastados «se o governo do Iraque cumprir completamente o acordo, e este é o grande "se"», como explicou o seu presidente. «Esta não é uma questão de confiança. O que é preciso é clareza, é clarificar os promenores e clarificar o que isto significa, e depois testar o acordo e verificar que o que está escrito se transforme em factos», acrescentou.

De facto, os Estados Unidos não tinham outra hipótese senão acatar e respeitar o acordado em Bagdad. Se por um lado, não podem pôr em causa o papel de Annan como alto mediador internacional, por outro, verificaram que poucos eram os apoios que receberiam caso optassem por uma solução militar.
Internamente, e apesar da propoganda da posição intervencionista, a população mostrou que preferia um desfecho pacífico por via negocial.
Na sexta-feira, o embaixador dos EUA nas Nações Unidas, Bill Richardson, foi vaiado por uma centena de estudantes na Universidade do Minnesota, que gritavam «não ao sangue contra petróleo». «Tentamos propor uma visão diferente. penso que os ataques militares não trarão nada, a não ser mais sofrimento e perdas civis. A maior parte das pessoas na universidade estão tendencialmente de acordo connosco», afirmou um dos manifestantes, citado pela Lusa.

No sábado, realizou-se uma manifestação em frente à Casa Branca. «Não queremos a vossa guerra racista» era a palavra de ordem mais ouvida. Nesse dia, a catedral de Washington pôs à disposição uma capela especial destinada a pessoas de todas as confissões religiosas interessadas a rezar pela paz.


A paz é a solução preferida pelo mundo

No plano internacional, a solução diplomática continua a ser apontada como a melhor saída.
Segundo um inquérito do IFOP, 66 por cento dos franceses afirmam-se contra uma intervenção americana no Iraque caso as negociações fossem mal sucedidas.
Em Itália, cinco mil pessoas manifestaram-se em Milão, no sábado, contra a posição da administração dos EUA, respondendo a um apelo de associações pacifistas, da Refundação Comunista e d' «Os Verdes».
Os iraquianos refugiados no estrangeiro também partilham esta posição. Em Estocolmo, cerca de cem iraquianos participaram numa acção de protesto contra a intervenção dos EUA, pedindo ao mesmo tempo a destituição de Saddam Hussein. «Nós reclamamos a partida do tirano, mas ao mesmo tempo não queremos que o povo iraquiano sofra os bombardeamento norte-americanos», declarou um manifestante.

As reacções oficiais ao acordo alcançado mantêm-se nesta linha. As autoridades chinesas mostraram-se satisfeitas com o conteúdo do documento assinado, acrescentando que esperam «que ele possa dissipar as ameaças de guerra».
Em nome da Rússia, o presidente Ieltsin disse que «a crise está praticamente resolvida», enquanto o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros considerou que «os resultados positivos de Annansão um sucesso para toda a comunidade internacional».
A Arábia Saudita congratulou-se com o acordo e «deseja que ele esteja conforme às resoluções do Conselho de Segurança».

 

Apelo da Esquerda Unitária


O Grupo Unitário da Esquerda Unitária Europeia / Esquerda Verde Nórdica do Parlamento Europeu - do qual faz parte o PCP - apelou para a união das forças políticas, religiosas, cívicas e culturais da Europa contra a escalada militar e para a recusa dos Estados membros da comunidade em lhe dar o seu apoio.

«Um eventual bombardeamento do Iraque pelos EUA seria a todos os títulos uma injustiça», lê-se no apelo tornado público na semana passada.
«É evidente que o regime de Saddam Hussein é uma ditadura, que viola os direitos do homem e não acata as resoluções internacionais. Contudo, isso não pode justificar uma acção militar unilateral como a que é proposta pelos EUA», defende o grupo.
«Existem muitas outras ditaduras contra as quais não é proposta nenhuma acção. Nessa ordem de ideias, se o desrespeito das decisões das Nações Unidas fosse um critério para desencadear uma guerra, seriam numerosos os Estados contra os quais podia ser feita a mesma acusação», acrescenta o documento.


«Avante!» Nº 1265 - 26.Fevereiro.98