Os direitos humanos em Cuba e nos EUA

Por Miguel Urbano Rodrigues


A divulgação pelo Departamento de Estado dos EUA do seu relatório anual sobre os direitos humanos provocou, como habitualmente, uma onda de protestos na América Latina.

No seu preâmbulo, o documento adverte com solenidade: «a defesa dos direitos humanos continua a ser um elemento básico da política externa».

São sobretudo o messianismo norte-americano e o farisaismo a ele associado que suscitam a indignação em milhões de latino-americanos.

Da fronteira do México à Terra do Fogo, são incontáveis as violações dos direitos humanos. Mas os povos do continente não reconhecem aos EUA autoridade moral para se apresentarem como os defensores e os garantes do cumprimento de direitos que na sociedade norte-americana são desrespeitados ostensivamente e com arrogância.

É amoral e ridículo que o Departamento de Estado venha a público apontar situações de racismo noutros países num momento em que a xenofobia alcança proporções alarmantes nos EUA, como o comprova a deportação de centenas de milhares de imigrantes, um recorde que o Serviço de Emigração daquele país festejou em comunicado especial.

É um acto de hipocrisia apresentar como fraternais as relações de vizinhança com o México, quando três em cada quatro imigrantes expulsos são mexicanos tal como os clandestinos mortos ou torturados na fronteira, fechada na Califórnia por um gigantesco muro metálico. Com a agravante de que esta gente residia em territórios que foram arrebatados àquele país no século XIX pela força das armas.

É também um acto de hipocrisia denunciar noutros países a situação de abandono de milhões de crianças e de idosos quando 900 mil latino-americanos residentes nos EUA, a maioria deles naturalizados, acabam de perder o direito a subsídios e cartões de acesso a alimentos básicos.

Não alude o relatório, obviamente, à existência de 36 milhões de pobres, segundo as estatísticas oficiais da União. Não afirma que 10 milhões de menores de 18 anos não têm na prática acesso a qualquer serviço de saúde; não informa que nem um só negro, nem um só latino-americano foram, entre os muitos que se candidataram, admitido em 1996 na Faculdade de Medicina de São Diego.

O relatório em causa, tal como os anteriores, dedica largo espeço à existência de presos políticos em numerosos países do mundo.

Mas não figura nele a mais leve referência aos 15 presos políticos de Porto Rico que cumprem em presídios federais norte-americanos penas que, somadas, representam 103 anos. Foram todos condenados por lutarem pela independência da sua pátria.

O relatório é também omisso no tocante ao desafio aos direitos do homem configurado por leis como a Helms Burton e a Kennedy D'Amato, cuja aplicação é inseparável de bloqueios e sanções universalmente repudiados por incompatíveis com o direito internacional e normas da OMC de que os EUA foram membro fundador.

O Departamento de Estado não se ocupa também da monstruosa agressão aos direitos do homem resultante da política iraquiana dos EUA, integrada na estratégia de aniquilamento de um povo que só encontra precedente nas desenvolvidas pelo II Reich alemão.

Os EUA não figuram no rol dos países onde os direitos dos homens são desrespeitados.


A comparação

Entretanto, Cuba, o único país da América latina onde o analfabetismo foi erradicado, onde a taxa de mortalidade infantil é a mais baixa do Terceiro Mundo e a percentagem de médicos a mais alta da Terra - essa pequenina nação merece atenção especial dos autores do relatório do Departamento de Estado que para ela apontam dedos acusadores. Contra a ilha socialista acumulam inverdades e calúnias.

Não temos notícia de que os EUA, cujas cadeias estãos cheias a transbordar (recorde mundial de presos em total absoluto e em percentagem da população) tenham alguma vez atendido apelos vindos de fora para libertarem cidadãos que cumprem penas impostas pelos seus tribunais.

Em Cuba, contudo, isso acaba de acontecer. O secretário de Estado do Vaticano, durante a recente visita do Papa à ilha, entregou ao Ministério das Relações Exteriores uma lista com cerca de 270 nomes, pedindo, por motivos humanitários, clemencia para essa gente.

A resposta foi rápida. Transcorridas três semanas, o governo cubano, em nota imediatamente divulgada pela televisão e comentada pela imprensa, informou que 106 das pessoas citadas - a maioria doente ou idosa - haviam sido libertadas antes da visita papal e que algumas dezenas serão indultadas brevemente.

O pedido do Vaticano tinha merecido a melhor atenção do governo e estava a ser acelerado o exame de 20 casos. Informava-se ainda que seriam também postos em liberdade 224 presos cujos nomes não constavam da lista encaminhada pelo cardeal Angelo Sodano.

A nota do governo cubano esclareceu entretanto que, relativamente a 70 dos cidadãos para os quais, a pedido das famílias, era solicitada clemência, o apelo não fora atendido. Motivo: a natureza dos crimes cometidos e a ameaça social representada por essas dezenas de presos.

A nota enumerava os delitos: assassinio de guardas da fronteira em Tarará, infiltração armada no país, crimes em Cibarien cometidos por contrarevolucionários vindos dos EUA, colocação de bombas em hotéis de Havana por um ex-militar salvadorenho, e outros actos de terrorismo e de cumplicidade com o bloqueio.

Como se verifica por este episódio, a limpeza da política cubana relativamente aos direitos humanos, como aliás em todas as esferas da vida, contrasta com a opacidade e o farisaismo da praticada pelos EUA.

A resposta dada pelo governo de Fidel Castro ao apelo de João Paulo II foi bem recebida. Mas, a Revolução - como sublinhou o diário «Granma» - «é generosa, mas também sabe ser firme». Não pode haver impunidade para aquele que pretendeu destruir Cuba e a sua revolução.


«Avante!» Nº 1265 - 26.Fevereiro.98