Direitos Humanos na CE
Uma votação esclarecedora


À semelhança dos últimos dois anos, a votação do relatório sobre «Direitos Humanos na União Europeia» provocou a semana passada no Parlamento Europeu uma acentuada clivagem esquerda/direita no Parlamento Europeu.

A UE, tão lesta a dar lições de moral ao resto do mundo, a aprovar resoluções sobre direitos humanos a torto e a direito, e a condicionar o estabelecimento de acordos ao respeito dos direitos humanos pelo Estado em causa, continua a ter uma séria dificuldade em lidar com os seus vastos telhados de vidro.

Já a relatora, Aline Pailler (francesa, do GUE), colocou a tónica do seu relatório no alargamento do conceito de direitos humanos aos direitos sociais, económicos e culturais. Ao fazê-lo, contribui para uma reelaboração do conceito, dá-lhe um conteúdo extremamente progressista e estilhaça o tradicional "património" da direita sobre os direitos fundamentais (liberdade de expressão, direito à vida, etc.).

Os deputados portugueses não fugiram à regra da clivagem, o que levou o PSD e o PP a adoptarem posições quase abomináveis (disciplina de voto oblige?) e sempre "muito bem" acompanhados.

Vejamos alguns exemplos:

- Solicitação pelo PE de que «os imigrantes extracomunitários beneficiem de igualdade de tratamento em matéria de direitos económicos e sociais e de reconhecimento dos direitos cívicos, culturais e políticos, nomeadamente do direito de voto nas eleições autárquicas para os que residem há mais de cinco anos num Estado-membro, em conformidade com a Convenção do Conselho da Europa".

Este parágrafo foi aprovado com os votos favoráveis do PCP e PS, e os votos contra do PP e PSD. A título informativo, refira-se que os cavalheiros da Frente Nacional francesa, da homóloga belga, da Aliança Nacional italiana e demais congéneres fascistas também votaram contra (parágrafo 11).

- Proposta de «organizar em 1998 uma jornada europeia de comemoração do 150º aniversário da abolição da escravatura (emenda 39).

Emenda rejeitada. Apenas o PCP apoiou. PS, PSD (à excepção de Helena Vaz da Silva) e PP votaram contra, tal como os senhores acima referidos. Terão confundido com o 150º aniversário de outra coisa de que agora se fala?

- Proposta de que o PE faça «uma alteração ao Regimento que permita sancionar os deputados europeus que façam declarações racistas no exercício das suas funções» (emenda 37).

Esta emenda foi rejeitada por quatro votos. PCP e PS apoiaram, PSD e PP votaram contra, bem como toda a extrema-direita presente.

- Alteração que insta os Estados-membros a «rever regulamentações em vigor que autorizem a esterilização forçada e solicita a adopção de uma moratória sobre a esterilização forçada na pendência da conclusão desta revisão (emenda 42).

Esta emenda foi aprovada, com os votos favoráveis do PCP, PS e do deputado Manuel Porto, do PSD. Os demais PSD's votaram contra, bem como o PP e, claro está, os deputados "Não-Inscritos".


A pérola

Para se ter uma noção de até onde chega o peculiar conceito de direitos humanos perfilhado pela direita portuguesa e seus congéneres europeus, atente-se na seguinte proposta de emenda:

- «Para responder às necessidades fundamentais dos cidadãos, as políticas económicas e sociais conduzidas a nível nacional e comunitário deveriam ter em vista o aumento da competitividade das empresas e da flexibilização do mercado de trabalho, que permitem fazer face às necessidades decorrentes da globalização dos mercados e ao agravamento preocupante do desemprego na Europa» (emenda 50).

Esta alteração foi proposta por deputados do grupo do PP (UPE) e aprovada com os votos do PSD, do PP e dos Não-Inscritos. PCP e PS votaram contra.


«Avante!» Nº 1265 - 26.Fevereiro.98