EDITORIAL

Celebrar para avançar


Estamos na véspera de duas datas de significado especialmente importante. A 6 de Março completam-se 77 anos sobre a fundação do PCP. A 8 de Março passa mais um Dia Internacional da Mulher.
Como sempre acontece os comunistas assinalam estas datas não como uma rotina comemorativista mas transformando-as em verdadeiras jornadas de luta em que o passado é evocado para dar mais força à energia com que se intervém no presente e se projecta o futuro.
O aniversário do PCP celebra-se este ano do quadro do novo impulso à acção e à organização partidárias. O 8 de Março ocorre no fragor da batalha pela despenalização da interrupção voluntária da gravidez.
Com efeito, as iniciativas comemorativas do aniversário do Partido que são, para várias organizações, das mais participadas que se realizam fora das campanhas eleitorais, já estão a reflectir, de uma maneira ou de outra, as conclusões da reunião do Comité Central, de 14 de Fevereiro.
É realmente fundamental que nelas esteja presente a «perspectiva mobilizadora e combativa de afirmação, crescimento e dinamismo do Partido» e que seja conferida uma atenção especial ao fortalecimento das estruturas partidárias, nomeadamente às organizações de base. É fundamental também que se incentive a iniciativa de intervenção, de acção e de resposta quer em relação às grandes questões nacionais, quer em relação as matérias de relevância regional e aos problemas locais.
Nos últimos dias obtiveram desenlace positivo alguns processos da maior importância.
No plano da luta laboral, os trabalhadores têxteis alcançaram uma vitória histórica pelas 40 horas, obtendo o fim do trabalho aos sábados e o reconhecimento de 30 minutos de pausas como parte integrante do tempo normal de trabalho. Mais uma flagrante demonstração de que nunca é em vão a luta coerente e persistente .
No plano institucional, o Tribunal Constitucional confirmou a vitória da CDU nas eleições para a Câmara de Loures, fazendo cair por terra as invenções, calúnias e intrigas com o PS (acolitado pelo MRPP e PP) queria ganhar na secretaria o que perdeu no terreno. As eleições apenas se repetirão para a Assembleia de Freguesia de Odivelas, onde se vota no próximo domingo.
O protesto e a luta contra a política de direita tende a desenvolver-se noutras frentes como é exemplo a da contestação das escandalosas tarifas impostas pela Telecom.
A situação política nacional comporta, no entanto, novos e graves perigos decorrentes em grande parte da aliança entre as cúpulas do PS e do PSD que funcionam, cada vez mais, como um verdadeiro «bloco central» para todas as questões relevantes.


As duas cúpulas aliadas não hesitaram sequer em tomar por alvo os direitos da mulher, ao conspirarem e juntarem-se para obstruir a aprovação pela a Assembleia da República de uma nova lei de despenalização da interrupção voluntária da gravidez, que reconhece como razão bastante, nas dez primeiras semanas, a própria vontade da mulher.
Com efeito, o que o PS e o PSD fizeram foi prolongar não se sabe por mais quanto tempo o flagelo do aborto clandestino com os seus meandros tenebrosos, a sua rede de interesses e as suas tragédias, onde as grandes vítimas são as mulheres.
As direcções do PS e do PSD foram ao ponto de interromper o processo em curso na Assembleia, depois de um projecto já estar aprovado na generalidade e por maioria absoluta, para alegadamente imporem o recurso a um referendo, que feito nestas condições é de mais que duvidosa constitucionalidade e que não se sabe mesmo se virá realizar.
Nesta aliança, foi a direcção do PS que desempenhou o papel mais sujo, cedendo vergonhosamente às pressões do obscurantismo e do ultramontanismo que o PSD apadrinhou e forçando a maioria dos seus deputados a darem o dito por não dito.
As celebrações do próximo 8 de Março vão imprimir seguramente, a par de outros objectivos específicos, um incremento especial à nova etapa da luta pela despenalização da interrupção voluntária da gravidez, que compreende a aprovação da nova lei pela Assembleia. Não podem, porém, deixar de condenar também severamente a recente conduta do PS e do PSD em matéria de direitos da mulher.


A conspiração PS-PSD para impedir a nova lei de despenalização da interrupção voluntária da gravidez parece ter inaugurado um novo estilo de colaboração entre os dois partidos, em que estes se comportam como donos e senhores das instituições, fazendo e desfazendo as leis à medida das suas conveniências.
Foi assim com alteração imposta na eleição dos juizes do Tribunal Constitucional que passou a ser feita em lista fechada, «aos molhos como os brócolos», como o «Avante!» já referiu, de nada se importando as lideranças do «bloco central» que isso desmereça o estatuto de cada juiz, desde que salve as conveniências dos dois parceiros da conspiração, sempre juntos, mas sempre prontos a trair-se e portanto ambos desconfiados com essa eventualidade.
Veio agora o Grupo Parlamentar do PCP «pôr em pratos limpos» o que se está a passar em torno da legislação sobre o referendo. Depois de salientarem que «PS e PSD têm-se portado como se pudessem dispor à sua vontade dos poderes do Presidente da República», os deputados comunistas alertam o país par que «PS e PSD não estão a fazer uma lei geral abstracta, mas um fatinho à medida dos seus achaques.»
A conspiração dos dois partidos em torno da legislação eleitoral ainda não veio à superfície, mas há sintomas de que os pares já descem para a pista e em breve a dança vai começar.
O Presidente da República manifestou recentemente algumas preocupações com a marcha da vida pública e institucional do país, mais explícitas umas - a falta de debate sobre a regionalização e o adiamento sucessivo da reforma fiscal - e menos outras - o calendário dos referendos.
Talvez não tantas como a situação justifica.
A forma conspiratória como as cúpulas do PS e do PSD estão a impor as decisões a partir das altas esferas do Estado reduz o prestígio e o apoio das instituições democráticas, cria o desinteresse e náusea pela política, favorece as forças reaccionárias e a conservação da política de direita.
E vêm depois falar da aproximação de eleitos e eleitores, quando pela forma como governam cavam todos os dias o divórcio...


«Avante!» Nº 1266 - 5.Março.97