Só a luta garantirá a igualdade no trabalho
O aniversário sem história
de um plano sem resultados

Comemorações
do 8 de Março


Nas vésperas do 8 de Março de 1997, o Governo aprovou um «Plano Global para a Igualdade de Oportunidades», partindo de uma situação que é bem conhecida das mulheres e não merece contestação nos diferentes quadrantes políticos:
«Nem a igualdade constitucional e legalmente estabelecida, nem a presença e estatuto das mulheres no mercado de trabalho têm sido suficientes para a realização de uma efectiva igualdade entre homens e mulheres».

A resolução do Conselho de Ministros exigia a apresentação de um balanço, no prazo de um ano que agora se completa, sobre a execução das medidas previstas naquele plano. Deixamos esse balanço para quem de direito (o Alto Comissário para as questões da promoção da igualdade e da família), mas avançamos algumas linhas para que não seja ignorada a real situação de milhares de trabalhadoras, a quem o plano nada trouxe de novo e para as quais as únicas conquistas que obtiveram foram alcançadas com uma luta renhida contra os patrões e uma política que, antes de mais, favorece o crescimento do capital e o agravamento das desigualdades.

Dos sete objectivos apontados no plano, dois estavam directamente relacionados com os problemas do emprego e das mulheres trabalhadoras.

O objectivo 3, de «promoção da igualdade de oportunidades no emprego e nas relações de trabalho», integrava uma dezena de medidas, cuja implementação deveria envolver uma secretaria de Estado, nove ministérios e a Presidência do Conselho de Ministros. Aqui figuravam:

- o reforço do controlo do cumprimento de legislação específica, através da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego e da intervenção da Inspecção Geral do Trabalho;

- o fomento da participação das mulheres na formação profissional e o aumento das suas possibilidades de requalificação e acesso a áreas profissionais novas ou onde estejam subrepresentadas, bem como a postos de chefia;

- a promoção do desenvolvimento da carreira profissional das mulheres;

- a definição e difusão de propostas para assegurar a igualdade de oportunidades em todos os órgãos da Administração Pública.

O objectivo 4 apontava para a «conciliação da vida privada e profissional» das mulheres e continha sete medidas, cuja concretização dependeria da Presidência do Conselho de Ministros e de cinco ministérios.

Neste ponto ainda era mais difícil destrinçar onde estavam as medidas reais. Por entre intenções de «co-responsabilização» dos parceiros sociais, de incentivo às empresas e de sensibilização da opinião pública, espreitavam «novas formas de organização do tempo de trabalho» e «flexibilização dos horários».

Deveria ser incentivada a criação de instituições de prestação de cuidados de saúde às crianças, aos idosos e aos deficientes. Prometia-se a adopção de «medidas nas políticas de transportes e reabilitação urbana que promovam a aproximação entre os locais de trabalho e de residência».

O objectivo 5 visava a «protecção social da família e da maternidade», mas as suas mais próximas implicações laborais limitavam-se à adopção de medidas para reconhecimento do valor das tarefas domésticas, nomeadamente no plano fiscal e da Segurança Social.

O prometido balanço deste comemorativo plano deverá pender para o lado que lhe esteve na origem: assinalar o Dia Internacional da Mulher com umas declarações que vão alimentando as esperanças dos eleitores (e das eleitoras) e que vão puxando o lustro à política do Governo.

Mais importante é, no entanto, a opinião das mulheres que, no dia-a-dia dos seus empregos, continuam a defrontar-se com graves problemas de desrespeito generalizado dos direitos dos trabalhadores e de discriminações sexistas que tornam ainda mais dura a condição de assalariada.

Três mulheres comunistas, com destacada actividade no mundo laboral, falaram ao «Avante!» sobre estes problemas. As declarações de Maria do Rosário Silva, Paula Henriques e Emília Marques firmam-se no conhecimento mais detalhado das empresas fabricantes de material eléctrico, dos bancos e seguradoras e dos estabelecimentos comerciais.


A satisfação do euro

Começámos por lembrar que, na semana passada, quando foram divulgadas as contas públicas portuguesas, o Governo exibiu a sua satisfação por serem cumpridos os critérios para a inclusão do País no espaço da moeda única. E pedimos que nos dissessem se há motivos para esta satisfação ser partilhada pelas mulheres trabalhadoras, em vésperas de mais um 8 de Março.

Maria do Rosário Silva prontificou-se a responder com um caso concreto. As mulheres da Indelma - Porto Alto defrontam-se neste momento com um processo de despedimento colectivo, que abrange 208 efectivos e elimina, na realidade, um total de 400 postos de trabalho, devido ao trabalho temporário. São mulheres a maioria destas 400 pessoas que aquela empresa do Grupo Siemens quer deixar sem trabalho a partir de 11 de Maio, com o único e exclusivo argumento de que a mão-de-obra é 50 por cento mais barata na Polónia.

Aos trabalhadores deste grupo até já foi dito que passam a receber os salários em euros a partir do próximo ano, apesar de tal prazo não ser obrigatório.

Para estas mulheres, que vão ficar sem emprego e sem salário, que adianta o euro e que adianta a satisfação do primeiro-ministro por causa das contas públicas? A empresa recebeu um milhão de contos de incentivos do Estado, há seis anos, mas o Estado permitiu que, poucos meses depois da inauguração da fábrica, avançasse um processo de lay-off - que foi contrariado com sucesso pela luta dos trabalhadores -, e permite agora, ao comportar-se como mero observador de um processo nada claro e sem exigir o cumprimento das leis, que a multinacional feche a fábrica dizendo que vai procurar lucros maiores na Polónia!

Não adianta muito para as mulheres, como para os demais trabalhadores, que o País se apresente em tão brilhantes condições para a moeda única, quando deixam de se verificar condições essenciais como o emprego e a estabilidade de emprego.

Paula Henriques afirma que a instabilidade cresce igualmente entre o pessoal dos bancos e das companhias de seguros, onde as mulheres são cerca de 35 por cento (apesar de o BCP de Jardim Gonçalves manter as restrições à admissão de mulheres, que somente representam cinco por cento dos trabalhadores do banco). Quanto à entrada do País para a moeda única, vem acentuar ainda mais a feroz concorrência num sector onde os muito elevados lucros são conseguidos à custa da intensificação da exploração dos trabalhadores. As mulheres são duramente atingidas pela crescente precarização do emprego (através de empresas de aluguer de mão-de-obra, sobretudo) e pela ainda grande frequência com que os trabalhadores dos bancos são solicitados a prestar trabalho extra que causa transtornos à vida pessoal e familiar e, ainda por cúmulo, não é remunerado.

Os banqueiros mantêm um clima permanente de ameaça ao emprego, com tão fortes quanto inadmissíveis pressões com vista a obter a aceitação do despedimento ou da pré-reforma.

Para Emília Marques, a ameaça do desemprego e a elevada precarização das relações laborais funcionam como um verdadeiro cutelo sobre as trabalhadoras do comércio, limitando as possibilidades de resistência e de reivindicação - o que também é verdade para outros sectores, como reconheceram Paula Henriques e Rosário Silva.


Plano houve
mas medidas...

A dirigente do CESL acrescenta, às mais recentes «boas novas» do Governo sobre a conta pública, as afirmações de António Guterres na discussão do Orçamento do Estado sobre os bons resultados e perspectivas de evolução da situação económica do País. E lembra que, há um ano, o Governo comemorou com o «Plano Global» o Dia Internacional da Mulher.

É que, neste contexto, ainda é mais gritante a falta de resposta eficaz aos problemas mais sentidos pelas mulheres.

Apesar dos casos graves do Grupo Siemens, dos Cabos Ávila, da HR Teixeira Ramalho, da Ford Electrónica e outras empresas de material eléctrico, o sector está em boas condições económicas, nunca as empresas tiveram tantos lucros, nunca as pessoas produziram tanto - faz questão de sublinhar Maria do Rosário Silva, contrapondo que nas condições de vida dos trabalhadores isso não tem reflexos positivos, antes pelo contrário.

Entre os trabalhadores por conta de outrem, as mulheres continuam a ser as que recebem menores remunerações. Emília Marques defende que, para além dos casos em que não é respeitado o princípio de salário igual para trabalho igual, verifica-se que as mulheres exercem, regra geral, funções enquadradas nas categorias profissionais mais mal pagas e onde é mais difícil a progressão nas carreiras.

Este é um traço que caracteriza também a situação das mulheres que trabalham na banca e nos seguros. Paula Henriques recua até ao momento da admissão da trabalhadora, notando que, para além da aceitação dos vínculos precários, dos ordenados magros, dos horários longos e das tarefas mais penosas, as candidatas têm que se sujeitar a que lhes perguntem se estão grávidas ou pretendem engravidar. Ultimamente, esta questão tem transitado do inquérito escrito para as entrevistas pessoais.

A mesma pergunta é feita frequentemente nas admissões para estabelecimentos comerciais, como refere com indignação Emília Marques. Admitindo a dificuldade de apresentar provas desta atitude discriminatória, aponta o resultado prático dessa atitude: as trabalhadoras contratadas a prazo não vêem os seus contratos renovados quando engravidam.


A solução
que vale a pena

Todos estes motivos apontam hoje para a actualidade da opção tomada em 1957 pelas operárias têxteis de Nova Iorque: lutando firme e heroicamente, conseguiram a redução da jornada de trabalho de 16 horas e a melhoria dos salários. O seu exemplo é evocado desde 1911, assinalando em cada 8 de Março o Dia Internacional da Mulher.

No Portugal do euro e do «Plano Global», a única solução que se apresenta às mulheres trabalhadoras é organizarem-se e irem para a luta. Como exemplo ainda fresco de como a opção pelo combate vale a pena, as nossas entrevistadas citaram a conquista das 40 horas semanais, com manutenção das pausas, na quase totalidade dos sectores têxteis, depois de quase ano e meio de protestos e greves.

Maria do Rosário salienta que há que ter ainda mais empenho e persistência no trabalho de esclarecimento e organização das mulheres trabalhadoras. E sublinha que, em muitos casos, a resistência e a luta surgem mesmo de forma espontânea e por motivos até inesperados. Relata, a propósito, que as linhas de produção de uma empresa do seu sector paralisaram por completo pouco depois de as trabalhadoras terem verificado que a festa de Natal tinha sido marcada para uma altura em que muitas não poderiam estar presentes - e a empresa encontrou nova data.

Emília Marques tem verificado, nos últimos tempos, que no comércio é maior a percentagem de mulheres a sindicalizar-se. E Paula Henriques mostrou-se optimista quanto à participação das mulheres nas lutas dos trabalhadores da banca, nomeadamente na concentração marcada para ontem.

Quando o Governo permite a discriminação, não fazendo respeitar as leis ou aprovando planos ineficazes, e a justiça demora, só resta às mulheres fazerem de cada dia um 8 de Março.

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«Para mulher ver»

O "rosário" de boas intenções chamado de Plano Global para a Igualdade de Oportunidades, aprovado em Março de 97 pelo Partido Socialista não só não passou do papel como não tem qualquer correspondência com a vida.

As mulheres continuam a ser as primeiras a ser disponibilizadas dos locais de trabalho e as últimas a serem consideradas na admissão após desemprego de longa duração.

Será que o sr. Primeiro-Ministro considera que a promoção da igualdade de oportunidades passa pelo "incentivo" às mulheres irem para casa (até porque sempre dariam uma vista de olhos aos filhos), para o teletrabalho ou outra fórmula qualquer, entretanto sempre disponíveis às necessidades e interesses das empresas?

Se o Governo estava ou está tão motivado a "motivar" as empresas a promoverem a tal igualdade de oportunidades e de conciliação da vida privada com a vida profissional, tal como o estipulado no seu "rosário" de intenções, porque não resolveu em tempo útil a questão das 40 horas, que é fundamental para as mulheres trabalhadoras? De facto, o que se verificou foi que só a força da luta de mulheres e homens do sector têxtil conseguiu que se deixasse de trabalhar ao Sábado - o objectivo mais sentido pelas mulheres, um belo exemplo que as mulheres conserveiras, as guardas de passagens-de-nível da CP, as trabalhadoras do vestuário pelos 10 minutos de pausa, e muitos outros trabalhadores vão ter que prosseguir, lutando pela redução efectiva do horário de trabalho. É que nestes casos, como em relação aos horário praticados em sectores de comércio e serviços, nomeadamente nas grandes superfícies, não há qualquer correspondência nem interesse em conciliar a vida privada e profissional. Porque, no fundo, o que é determinante é o lucro das empresas para o patronato e não a valorização do social.

O lamentável desta situação é estarmos perante um governo que não sabe ver, ouvir, nem sentir as grandes necessidades e reivindicações das mulheres trabalhadoras e legislar de acordo com esses anseios. Vai elaborando textos de intenções que, indo de encontro a muitos problemas existentes, ficam pelo caminho sem qualquer correspondência com a vida e sem qualquer eficácia para travar a autêntica selvajaria existente no mercado de trabalho. É assim, que com esta demagogia vai conseguindo ganhar os votos de milhares de mulheres.

Às mulheres se reforça o apelo, neste 8 de Março, para estarem mais vigilantes em relação ao não cumprimento das promessas. A farsa do referendo que querem impor em torno da legislação sobre a interrupção voluntária da gravidez aprovada na generalidade na Assembleia da República, torna claro que as boas intenções do Partido Socialista, também nesta matéria, não passam de palavras para "mulher ver". Silvestrina Silva

 


dia M

«Mais emprego com direitos, maior participação em igualdade» é o lema proposto pelo Movimento Democrático de Mulheres para as comemorações do 8 de Março.

Entre outras iniciativas em cuja organização o MDM está envolvido, destacam-se, no domingo, dia 8:

  • no Porto,
    um espectáculo musical a partir das 15 horas, no Auditório Nacional Carlos Alberto, seguido de desfile até à Ribeira; para cerca das 17 horas, junto à Ponte D. Luís, está marcada uma descida de mulheres paraquedistas;
  • em Lisboa,
    um grande almoço-convívio, no Pavilhão dos Desportos.

«Avante!» Nº 1266 - 5.Março.97