Razões para estarmos confiantes

Por Jorge Pires
Membro da Comissão Política do CC do PCP



Os resultados das últimas autárquicas, tal como já vem sendo hábito sempre que os nossos objectivos eleitorais não são atingidos, voltaram a ser fonte inspiradora para alguns conhecidos analistas políticos, que de forma sistemática procuram através das suas prosas transformar aquilo que são os seus próprios desejos, numa realidade que a vida não só teima em não confirmar, como todos os dias nos dá exemplos de como estão equivocados.


Desta vez e com o argumento de que o PCP nas autárquicas, já nem nas zonas de maior influência consegue segurar o seu eleitorado tradicional, mais uma vez vêm falar no declínio irreversível do PCP.
Sustentam esta tese por um lado no facto de segundo eles, os eleitores nessas autarquias já não encontrarem diferenças entre o projecto autárquico do PCP e das outras forças políticas, acabando com o mito da invencibilidade do PCP em algumas autarquias.

Mas desta vez vão mais longe, apontando como uma das principais causas para os nossos resultados, o facto de nas áreas de grande influência do Partido, sobretudo na Área Metropolitana de Lisboa, fruto das mutações verificadas no mundo do trabalho nos últimos anos, estarmos perante um processo de alteração na consciência social, política e eleitoral de milhares de trabalhadores que votam tradicionalmente no PCP e na CDU.

Na península de Setúbal os resultados não só não mostraram nenhuma transferência substancial de votos da CDU para outras forças políticas, como mostram que nos concelhos de grande concentração de trabalhadores, continuamos a ter um grande apoio não só político como eleitoral e, tal como no resto do país onde se desenvolveram processos de luta dentro e fora das empresas, os resultados foram mais positivos.

A tese do declínio irreversível apesar de não poder ser confirmada, não deixa de ser perigosa e por isso deve merecer da nossa parte um combate sem tréguas nos planos político e ideológico. O que pretendem aqueles que a defendem é fazer passar a mensagem, objectivo central da brutal campanha anticomunista que se vem desenvolvendo nos últimos anos, de que não fazem sentido nem o PCP, nem o movimento sindical. No fundamental vêm confirmar aquilo que por nós tem sido amplamente denunciado, que é o facto de na política de privatizações, nas chamadas reestruturações de empresas e sectores, nas alterações às leis laborais, não existirem preocupações com os interesses nacionais e dos trabalhadores mas sim políticos e ideológicos. O grande capital e as forças políticas que o apoiam, sabem que a força do PCP está na actualidade do seu projecto, na justeza e na força dos seus objectivos, mas sobretudo na influência e apoio que o nosso Partido desfruta no seio dos trabalhadores. E porque sabem que assim é, procuram por todos os meios impedir a intervenção política dos trabalhadores no interior das empresas. Para eles este é um direito apenas extensivo ao patrão e quando se procura exercer um direito que é constitucional, vêm as perseguições, os despedimentos e outras formas de pressão. O grande patronato e os partidos que o apoiam, sabem que é na empresa, no local de trabalho que se confrontam as duas classes antagónicas da sociedade portuguesa e que é a partir deste confronto que se esclarece e clarifica a coincidência de interesses entre o grande patronato e aqueles que no poder político desenvolvem políticas de direita contrárias aos interesses dos trabalhadores e do povo.

Neste contexto o caminho não pode ser baixar os braços. O caminho é reforçar as organizações do Partido nos locais de trabalho, como diz o Comunicado do Comité Central de 14 e 15 de Fevereiro, é necessário elaborar planos de acção para o reforço da organização e intervenção junto dos trabalhadores, com medidas concretas de meios e quadros, linha de luta reivindicativa e iniciativa política, no sentido das conclusões da Conferência Nacional realizada em Novembro de 94.

É indubitável que o processo de privatizações com a desintegração de um conjunto muito vasto de empresas do sector público, não só lançaram no desemprego e nas reformas antecipadas dezenas de milhares de trabalhadores, como favoreceram a possibilidade do grande capital, desenvolver políticas de liquidação de direitos e de condicionamento ao exercício de direitos políticos e sindicais, dificultando desta forma o processo de aprofundamento da consciência social, política e eleitoral dos trabalhadores.

Uma rigorosa avaliação das dificuldades é ponto de partida para o sucesso da nossa intervenção.

A vida todos os dias confirma com pequenos e grandes exemplos, que quando se acredita, quando se definem objectivos a curto, médio e longo prazo, quando se tem paciência e se é persistente tendo noção que o caminho a percorrer não é uma linha recta, quando se renovam métodos de intervenção junto dos trabalhadores de acordo com as características e condições concretas de cada local de trabalho, os resultados falam por si:

- Os trabalhadores estão unidos
- Sabem o que querem e que instrumentos necessitam para a sua intervenção
- Têm organizações de classe fortes e coesas
- Escolhem para as suas organizações aqueles trabalhadores que estão em melhores condições de defenderem os seus interesses


Neste artigo sirvo-me de dois exemplos bastante recentes que mostram ser possível apesar de todas as dificuldades, reforçar a unidade dos trabalhadores em torno das suas organizações de classe, desenvolver a luta com resultados positivos e também prestigiar um conjunto muito vasto de membros do nosso Partido que desenvolvem a sua actividade nestas empresas. Refiro-me às eleições para as CT’s da Lisnave e da Gestenave e às eleições para Delegados Sindicais, que se realizaram na Autoeuropa, e a todo o processo de sindicalização que se tem a vindo desenvolver nesta empresa.
São dois exemplos que se desenvolvem em dois cenários completamente diferentes.

As primeiras duas empresas, com mais de 3.000 trabalhadores com uma média etária superior a 45 anos, temperados ao longo dos anos numa luta política e sindical de grande intensidade.

Na outra, também uma empresa com mais de 3.000 trabalhadores mas com uma média etária que ronda os 22 anos, na maioria trabalhadores chegados ao mundo do trabalho, sem experiência de organização e de luta, uma empresa com tecnologia de ponta da mais avançada no plano mundial do sector automóvel, com grandes condicionantes à actividade política e sindical.

Nas eleições para as CT’s da Lisnave e Gestenave participaram mais de 65% do total dos trabalhadores, que deram às listas unitárias uma vitória esmagadora. Em 22 lugares, 17 foram conquistados pelas listas unitárias, e 5 pelas listas identificadas com o processo de reestruturação e cisão que está na origem destas duas empresas. Ou seja, os trabalhadores identificam claramente quem é que neste processo esteve ao lado dos seus interesses de classe e quem colaborou com o grupo Mello e com o Governo do PS.

Na Autoeuropa, apesar de todas as dificuldades foram eleitos pela primeira vez delegados sindicais em todos os sectores da empresa, o nível de sindicalização subiu bastante com este processo, situando-se hoje no dobro da média das suas congéneres na Europa e duplicou a partir daí a taxa de sindicalização semanal no sindicato dos Metalúrgicos do Sul.

Nestes dois processos destacaram-se militantes comunistas, prestigiados nos locais de trabalho, com provas dadas no desenvolvimento da luta ao serviço dos trabalhadores.

É inquestionável que a acção dos membros do Partido, a sua intervenção nas organizações dos trabalhadores e na condução das lutas, constitui não só uma importante forma de ligação com os trabalhadores, mas é também um importante factor que permite aumentar a influência do Partido e da ligação do Partido às massas trabalhadoras.

Com exemplos destes temos razões fortes para confiarmos no futuro.


«Avante!» Nº 1266 - 5.Março.97