Kosovo
Os maus da fita


O Grupo de Contacto para a antiga Jugoslávia (EUA, Alemanha, Grã-Bretanha, França, Itália e Rússia) aprovou segunda-feira, em Londres, sanções contra o Governo de Slobodan Milosevic para o forçar a pôr fim às operações policiais no Kosovo e iniciar negociações sobre o futuro do território. No plano de acção afirma-se que o Grupo não é a favor da independência daquela província, mas deseja «uma fórmula comportando um grau superior de autonomia».

As medidas aprovadas na reunião de Londres são, resumidamente, as seguintes:
pedir ao Conselho de Segurança da ONU que pondere um embargo internacional ao fornecimento de armas à República Jugoslava, reforçando o embargo europeu em vigor;
impor um embargo a equipamentos que possam ser utilizados pelas forças de segurança em acções de repressão ou em resposta a actos de terrorismo; suspender a emissão de vistos às autoridades sérvias, aplicando uma moratória sobre créditos ao comércio e investimentos directos na República (Moscovo não apoiou a decisão);
exigir a retirada do Kosovo, num prazo de dez dias, das unidades de polícia especial e o livre acesso à província da Cruz Vermelha e de outras organizações humanitárias;
exigir o início do diálogo com os dirigentes da comunidade albanesa do Kosovo.
O Grupo de contacto admite ainda enviar àquela província, como mediador, o ex-primeiro-ministro espanhol, Felipe Gonzalez.

As reacções de Belgrado a estas decisões não se fizeram esperar. A ministra da Informação, Radmila Milentijevic, fez saber que as negociações sobre o Kosovo só serão possíveis quando os dirigentes albaneses renunciarem ao terrorismo e ao separatismo. «Assim que estas duas condições forem satisfeitas, poderemos sentar-nos à mesa como pessoas civilizadas, olhar para os vários problemas e procurar soluções políticas de uma maneira pacífica», afirmou.

Embora garantindo que o governo vai analisar «muito cuidadosamente» as medidas do Grupo de Contacto, Radmila Milentijevic voltou a insistir na necessidade de a comunidade internacional deixar de diabolizar os sérvios: «O peso deste problema é colocado apenas nos ombros da Sérvia e de Milosevic, o que está errado, porque os terroristas, embora não sejam em grande número, existem e estão bem organizados». Milentijevic deixou ainda no ar uma pergunta incómoda: «A Turquia tem problemas com os curdos, a Espanha com os bascos e a Inglaterra com a Irlanda do Norte. Como é que estes países confrontam as forças separatistas?».

Um coro bem orquestrado

A resposta à pergunta de Radmila Milentijevic pode ser encontrada na catadupa de declarações vindas a público nos últimos dias.

«Temos tentado convencer Milosevic da necessidade de estabelecer um diálogo com os dirigentes albaneses do Kosovo que ponha fim a esta situação explosiva, mas lamentavelmente não só não ouviu a mensagem, como a sua resposta foi brutal», disse Albright, advogando a necessidade de «actuar com rapidez e severidade». Contra os sérvios, naturalmente.

Idêntica posição tem o Presidente francês, Jacques Chirac, que em comunicado defendeu «uma reacção urgente e decidida da comunidade internacional», pois não se pode permitir «um novo desencadear do ódio étnico no nosso continente».

Também a Alemanha, através do ministro Kinkel, considera imperativo que as autoridades de Belgrado e os independentistas do Kosovo se encontrem para negociar.

Quanto à Grã-Bretanha, já se sabe, alinha incondicionalmente com as posições norte-americanas. Os seus frágeis telhados de vidro na Irlanda do Norte não parecem constituir problema para essa tomada de posição. Como não constituem problemas os ataques da Turquia aos curdos ou de Israel aos vizinhos árabes. Afinal, são aliados do ocidente, o que está longe de suceder com Milosevic.

Não se trata aqui de ajuizar da bondade do regime de Belgrado. Trata-se, isso sim, da eterna questão dos dois pesos e duas medidas, cada vez mais omnipresente na cena internacional.

Milosevic - o mal amado das muito democratas potências ocidentais - defende que o problema do Kosovo só pode ser resolvido no contexto da Sérvia. «Isso inclui também medidas para suprimir as actividades dos terroristas albaneses, levadas a cabo pelos órgãos estatais», afirmou o Presidente jugoslavo durante uma reunião com o ministro dos Negócios Estrangeiros turco, Ismail Cem, que se deslocou a Belgrado para lhe entregar uma mensagem do Presidente turco, Suleimán Demirel, em que se afirma que a Turquia não ficará indiferente ao agravamento da crise.

Aparentemente, todos, menos os sérvios, de novo apresentados como os maus da fita, têm o direito de reagir para defender os seus interesses.


Alguns dados

O Kosovo voltou a dominar a agenda política internacional e às páginas dos jornais após a intervenção das autoridades sérvias contra o auto-denominado Exército de Libertação do Kosovo (UCK).

Dir-se-ia, ouvindo o repentino coro anti-sérvio que se desencadeou, que os responsáveis de Belgrado tinham de súbito decidido abater uns quantos inocentes albaneses do Kosovo, de forma perfeitamente arbitrária e injustificada. Da história e dos antecedentes dos confrontos pouco ou nada se disse. E no entanto, ninguém ignora nos fóruns internacionais, políticos e mediáticos, que o UCK advoga a independência do Kosovo e se propõe alcancá-la pelas armas.

É igualmente curioso que não se tenha achado necessário recordar os antecedentes da actual crise e ouvir a versão das autoridades sérvias, segundo as quais os ataques armados do UCK a alvos oficiais e civis ascenderam a mais de meia centena em 1997, e totalizaram 63 só de Janeiro a 2 de Março deste ano.

De acordo com o Governo de Belgrado, desses «ataques terroristas» resultaram, no ano passado, 11 mortos (um membro do Ministério do Interior e 10 civis), 15 feridos graves (oito membros do Ministério do Interior e sete civis) e 12 feridos ligeiros. Os ataques registaram-se na província do Kosovo e Metohija e foram levados a cabo com diverso material de guerra, como metralhadoras, minas, lança-mísseis portáteis, etc.. Nos atentados registados este ano, 15 foram contra instalações e membros do Ministério do Interior, tendo provocado cinco mortos, quatro feridos graves e um ferido ligeiro. 46 ataques foram contra civis, tendo provocado oito mortos e três feridos; dois outros atentados foram perpretados contra instalações, provocando danos materiais.

Neste contexto, cabe perguntar o que pretende efectivamente o Grupo de Contacto ao aprovar «um pacote de medidas punitivas» para forçar a Sérvia a uma solução pacífica do problema.


«Avante!» Nº 1267 - 12.Março.1998