Os direitos humanos
e a informação

Por Noélia Oliveira

"É impossível garantir uma Nova Ordem Mundial da Informação sem construir uma Nova Ordem Económica Mundial mais justa". Esta foi uma das conclusões da "Declaração de Lisboa de jornalistas de Línguas Ibéricas" aprovada e assinada por representantes de organizações de jornalistas de 22 países.
A declaração resultou dos trabalhos do 1º Encontro de Jornalistas de Línguas Ibéricas, subordinado ao tema "De Tordesilhas à Unidade", "Das Caravelas à Internet", que o Sindicato dos Jornalistas organizou, em Lisboa, nos passados dias 2 e 3.

Em discussão estiveram "Os Direitos Humanos e o papel da informação", "Os jornalistas de Línguas Ibéricas e a Nova Ordem Mundial de Informação" e "As novas tecnologias e a Ordem Mundial da Informação". Os trabalhos encerraram com uma conferência do escritor Manuel Vasquéz Montalbán sobre o papel dos jornalistas e intelectuais de línguas ibéricas na Ordem Mundial de Informação.

Na sessão de abertura do Encontro, que teve o patrocínio e a presença do Presidente da República, a presidente do Sindicato dos Jornalistas, Diana Andringa, explicitou os motivos que levaram um pequeno Sindicato de um pequeno País a organizar este 1º Encontro. Um deles, foi o facto de em recente reunião da FIJ, ter verificado que os jornalistas e os periodistas são hoje "já uma força mundial" e já é tempo de o fazer "notar". Outro, o desconhecimento que existe sobre as realidades desses países.

A presidente do Sindicato dos Jornalistas exemplificou: "em Nápoles, no decurso de um "Prémio Itália" ouvi um jornalista na TV Globo referir-se aos "corajosos documentários de um seu camarada, Caco Barcellos, na denúncia dos crimes da ditadura militar. Dei comigo a pensar que nunca tinha visto esses documentários, nunca ouvira falar desse camarada - embora saiba quem é o Peter Arnett, o Dan Rather e a Christine Okrent. E mais: que quando pensava em Brasil, o que mais me ocorria era, nos últimos tempos, a invasão pelas telenovelas".

Recordou também uma pergunta de um camarada angolano:"Porque é que para vocês, em Angola só há guerra, corrupção, abusos de poder? Nós também temos arte, cultura, inteligência!".

Pensamento único

Na sua intervenção, Diana Andringa defendeu a "necessidade de quebrar uma Ordem Mundial de Informação marcada pelo domínio de um só polo, em que os pequenos países, ou os países periféricos, ou os países do chamado Terceiro Mundo, dificilmente se fazem ouvir". E sublinhou: "Hoje já não precisamos de dividir o Mundo, mas de nos defendermos dos que tentam unir o Mundo sob um pensamento único e a Internet faz em segundos o que as caravelas levavam tanto tempo a conseguir. Aproveitemos isso para nos unir e fortalecer, para afirmar outras formas de estar no Mundo".

"Nestes dois dias, salientou, saberemos certamente mais uns sobre os outros, que é uma forma de sabermos mais de nós. Os países passarão a não ser nomes num mapa, mas pessoas reais, com problemas reais - e isso, como Saint-Exupéry tão bem explicou em O Principezinho, torná-los-à mais importantes para nós".
E assim se passou. Através dos diversos participantes, ficámos a saber, por exemplo, que o Estado de Brasília dá um subsídio (metado do ordenado mínimo nacional) aos pais para que as crianças frequentem a escola. Só assim, disse Cristovam Buarque, Governador daquele Estado, estamos a respeitar os Direitos Humanos.
Ficámos, igualmente a saber, por Hernán Uribe, presidente da Comissão Investigadora de Atentados contra Jornalistas, que no seu país, o Chile, os jornalistas são julgados por tribunais militares em tempo de paz à luz de leis herdadas do regime de Pinochet. "Os direitos dos jornalistas que foram eliminados ou cerceados pelas ditaduras, não lhes foram devolvidos pelos governos que dizem respeitar os Direitos Humanos. Os números - acrescentou - falam por si: entre 1970 e 1997, 434 jornalistas foram assassinados na América Latina e 151 foram dados como desaparecidos".

Dizer a verdade

Por sua vez, Marcos Terena, brasileiro e activista da luta pelos direitos dos índios, falou na sua língua, no início da sua intervenção. Ao sentir a assembleia confundida, voltou ao português e afirmou: "imaginem o que o meu povo sentiu quando Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil". Ficámos a saber que, conseguiu fazer os seus estudos para piloto-aviador por fisicamente ter passado por japonês.

Por Raúl Jardon, em nome da Frente Zapatista de Libertação Nacional, ficámos também a saber que os "demónios estrangeiros" de que o Governo mexicano fala, não são mais que centenas de jovens, europeus e norte-americanos, que entusiasmados pela esperança zapatista estão compartilhando as duras penas da comunidade indígena de chiapas. Protegem com os seus corpos e câmaras fotógráficas as comunidades das colunas mlitares e policiais, que além de os ameaçarem com as armas, fotografam e filmam os miúdos para identificá-los como "subversivos transgressores da lei". "Como jornalista - observou - temos uma única arma, pequena e às vezes ignorada, mas muito poderosa: dizer a verdade, travar o avanço da mentira que é usada para justificar a violência".

González Manet depois de citar os que defendem que "a totalidade da população mundial estará interconectada no ano 2000", lembrou as palavras de Alain Gresh, editor do "Le Monde Diplomatique": "que milagre será preciso realizar para incluir no ciberespaço a cintura de miséria de Lima, as favelas do Brasil, as aldeias rurais de África e o sul de Bronx de Nova Iorque".
E ficámos a saber que "dois terços da população mundial nunca fez uma chamada telefónica e tudo indica que tão pouco a fará até ao século XXI, já que 94 por cento das linhas telefónicas e 95 por cento dos computadores pessoais, cerca de 245 milhões, estão em países desenvolvidos".

A Declaração de Lisboa

A declaração que as organizações dos jornalistas de Angola, Argentina, Brasil, Cabo Verde, Chile, Costa Rica Cuba, Equador, Espanha, Guatemala, Guiné-Bissau, Guné-Equatorial, México (FZLN), Moçambique, Nicarágua, Paraguai, Perú, Porto Rico, Portugal, República Dominicana, S. Tomé e Príncipe e Venezuela, subscreveram, tem o seguinte teor:

1. É impossível garantir uma Nova Ordem Mundial da Informação sem construir uma Nova Ordem Económica Mundial mais justa.

2. No entanto, os passos dados no sentido de ergueruma Nova Ordem Informativa podem ajudar a romper o cerco da actual ordem económica, cultural e linguística.

3. A concentração monopolista e a exclusão ideológica são os principais adversários de uma Nova Ordem Mundial da Informação e deles decorrem, nos diversos países e em diferentes graus, situações de:

- falsa noção de liberdade e de pluralismo da informação dada por uma diversidade de órgãos de informação que, no entanto, se mantêm no mesmo quadrante ideológico e de interesses económicos;
- isolamento informativo das nações mais pobres;
- silenciamento da vida e interesses de grandes camadas da população e criação de situações insustentáveis de marginalidade ou até perseguições às minorias desfavorecidas;
- privilégios das classes altas e poderosas no acesso à informação, quer para a receber, quer para a produzir, quer ainda para ser tema de notícias;
- estrangulamento de órgãos de informação não sintonizados com a ideologia ou interesses dominantes;
- precarização profissional e degradação das condições contratuais dos jornalistas;
- deficiente preparação técnica e profissional de jornalistas e atraso tecnológico cada vez maior e de mais difícil recuperação em relação às forças dominantes;
- perseguição institucional ou simplesmente criminosa, que chega à prisão, tortura e assassínio de jornalistas;
- desagregação das estruturas associativas e de defesa dos jornalistas.

Perante este quadro, os representantes das organizações de jornalistas dos países de línguas ibéricas entendem ser necessária uma resposta colectiva e articulada nos vários graus:

1. É indispensável que se desenvolvam políticas e se encontrem soluções concretas no sentido de impedir, em cada país, o monopólio ou a dominação ideológica da informação, sendo certo que, nos países onde se torne indispensável uma intervenção reguladora do Estado, ela nunca se confunda com uma interferência nos conteúdos informativos.

2. É imperioso que os jornalistas dos diversos países criem ou reforcem as suas organizações sindicais e profissionais coo garantes da luta pela liberdade de informação, da defesa dos direitos humanos em toso o mundo e da sua solidariedade interna e internacional.

3. É fundamental que os jornalistas organizem redes internacionais de contacto e de actualização informativa e profissional, com recurso a meios tão vastos que vão desde reuniões mais frequentes à utilização comum de páginas na Internet.

4. É preciso que os jornalistas se batam pela criação e desenvolvimento de órgãos de informação comunitários, onde necessário, como forma de contrapoder à dominação de grandes grupos, e aperfeiçoar as condições de qualidade da sua produção.

5. É urgente lutar por uma melhor formação profissional e por um intercâmbio de cooperação que permita suprir carências nacionais neste campo.

6. É prioritário instar junto dos responsáveis pelos grandes meios ibéricos de difusão internacional, nomeadamente as agências noticiosas, as rádios e as televisões de alcance internacional por satélite para a sua especial responsabilidade em garantir o intercâmbio de uma informação que diga respeito aos muitos milhões de cidadãos que compõem os países de línguas ibéricas.

7. É imperativo que os jornalistas se batam pela democratização das redacções e pelo aumento dos seus direitos de participação colectiva.

8. Acima de tudo, importa desenvolver todos os meios para levar por diante os projectos informativos necessários e adequados a dar cumprimento ao objectivo essencial da liberdade de informação: difundir e fazer circular factos e opiniões sem os quais um eleitorado democrático não está habituado a fazer juízos responsáveis.

«Avante!» Nº 1267 - 12.Março.1998