TRIBUNA

Construção da alternativa

Por João Amaral

A construção da alternativa é um processo complexo, demorado e exigente. No horizonte político em que nos movemos, das próximas eleições europeias e legislativas, o tempo já é relativamente escasso.

É necessário muito esforço para dar à alternativa de esquerda a visibilidade e o conhecimento público indispensáveis para se poder tornar popular. Mas, o maior desafio é o lhe dar credibilidade, o que pressupõe torná-la viável aos olhos do povo português, torná-la exequível, e fazer acreditar que pode ser vencedora. Não basta que uma parte significativa do povo português pense que é necessário que uma alternativa de esquerda governe Portugal, é indispensável também que um número suficientes de portugueses acredite que isso é possível já nas próximas eleições.

A construção da alternativa exige de nós capacidade de diálogo, com sectores políticos e sociais e com personalidades, que criticam a actual política do Governo, considerando que ela não se insere na perspectiva e nos valores da esquerda. Tornar viável a alternativa de esquerda não se compadece com nenhuma forma de isolacionismo, nem com um posicionamento hegemonista. Não o aceitamos isso de outras forças políticas e temo-lo denunciado com firmeza. Não podemos nós cometer o pecado que criticamos noutros.

Mas, para que a alternativa de esquerda se afirme, há duas outras direcções de trabalho indispensáveis, e que o nosso Partido sublinha com insistência.

Falo, em primeiro lugar da luta de massas. Evidentemente, a construção da alternativa, para se tornar visível e viável, tem de ser assumida como uma frente de luta e um objectivo por uma larga massa da população. A luta popular, as lutas dos trabalhadores, as lutas por objectivos concretos, todas elas são importantes para aquela construção da alternativa. A valente e vitoriosa luta das trabalhadoras e trabalhadores têxteis pelas 40 horas, ou a luta da comissão de utentes dos telefones fixos, são contribuições determinantes, e valem milhares de páginas de discursos na formação da consciência social.

Em segundo lugar, a construção da alternativa exige, mesmo como condição da sua viabilidade, que o PCP reforce a sua força eleitoral. É para nós talvez a tarefa mais difícil, a de demonstrar que para que uma política de esquerda se afirme é indispensável que o PCP tenha mais votos e mais Deputados na Assembleia, e que "pese" mais dentro das forças políticas que podem sustentar a alternativa de esquerda.

É uma tarefa particularmente difícil porque é feita no pressuposto assumido de uma contradição. Por um lado, assumimos que a viabilidade da alternativa governativa de esquerda não pode ser sustentada só pelo PCP, o que aponta para considerarmos outras forças como "parceiras" no apoio a essa alternativa e à sua implantação; mas, por outro lado, dizemos que somos nós (e não essas forças "parceiras") quem garante um efectivo empenho na alternativa de esquerda. É como se disséssemos que aqueles com quem temos de cooperar para assegurar certa tarefa na realidade não a querem fazer e merecem desconfiança.

Esta situação tem sido explorada pelo PS, em todo o seu espectro de tendências e sensibilidades. Os mais próximos do Secretário-Geral do PS acusam-nos de oposição sistemática, de fazermos do PS inimigo principal, e de nos juntarmos à direita no que eles chamam "coligação negativa". Quanto aos outros, que criticam o Primeiro Ministro por se afastar dos valores da esquerda, acusam-nos de assim inviabilizarmos um entendimento com o PS e criticam-nos dizendo que perdemos credibilidade como força participante numa alternativa de esquerda, que, no seu entender, não pode ser aplicada contra o PS.

O peso que estas campanhas têm contra as nossas posições não pode ser subestimado. Por isso, um dos combates mais persistentes que o nosso Partido tem travado é precisamente contra estas repetidas afirmações de dirigentes do PS. É um tema insistentemente tratado pelo camarada Carlos Carvalhas e pelos documentos da direcção do Partido.

Mete-se pelos olhos dentro que há uma componente de chantagem nestas campanhas. O PCP afirma-se como oposição de esquerda, e denuncia e combate as políticas de direita que o Governo tem feito, bem como as alianças do PS com o PSD e PP, em matérias tão fundamentais como a revisão constitucional, o apoio à moeda única e a aprovação dos Orçamentos do Estado feitos nos termos e condições dos critérios de Maastricht. Por isso, aquelas acusações ao PCP têm uma primeira intenção, a tentar que o PCP se sinta auto-condicionado e não assuma o seu papel de oposição de esquerda. Não vão ter grande êxito!

Mas, para além dessa componente de chantagem, essas campanhas servem também para tentar isolar o PCP e desacreditar a perspectiva de uma alternativa de esquerda com o PCP. É por isso que na resposta a essas campanhas é muito importante um correcto posicionamento do PCP na cena política, quanto ao PSD e ao PS. É preciso sempre deixar claro que ser crítico do Governo PS não é absolver os Governos Cavaco Silva. É preciso deixar sempre claro que a oposição que fazemos ao Governo PS é uma oposição de esquerda, para construir uma alternativa de esquerda, isto é, uma alternativa que se oponha vitoriosamente às políticas de direita que o PSD executou durante dez anos e que o Governo PS, contrariando promessas e perspectivas eleitorais, tem vindo a continuar no essencial.

Tem de ficar sempre claro que sabemos distinguir e distinguimos perfeitamente PS e PSD em tudo o que eles se distinguem efectivamente. E que, se não somos muleta do PS, para ele executar a política da direita, muito menos alguma vez seremos muleta do PSD, para ele retomar as responsabilidades de governo por essa política.

No nosso posicionamento em relação ao Governo PS, e perante as críticas que nos fazem, temos de lembrar que o PCP, quando se tratou de aprovar medidas que serviam os interesses populares e nacionais, nunca faltou com as suas iniciativas e com os seus votos na Assembleia. Foi assim com o rendimento mínimo garantido, com as regiões ou com a IVG. Se o PS, querendo colocar-se à esquerda, deve queixar-se de alguém, é de si mesmo, de ter frustrado as promessas eleitorais e ter enveredado por uma política de direita! Somos nós, PCP, que hoje ainda reclamamos ao PS que cumpra essas promessas, porque foi com elas que obteve os votos que lhe permitiram formar governo.

Mas, no debate em torno destas questões, para vencer as tentativas para chantagear, ou isolar e desacreditar o PCP, como força de alternativa de esquerda, a melhor resposta é o ataque. Obviamente não falo do insulto, da polémica pela polémica, ou do "rotulismo" que impede o diálogo e retira razão. Não é espalhando rótulos em todas as portas que as abrimos.

Quando falo de tomar a ofensiva, falo de ir para o terreno que forçosamente tem de dar frutos na construção da alternativa e que é o terreno mais incómodo para os tentam impedir essa construção. O caminho seguro para estabelecer um diálogo à esquerda e para desfazer campanhas contra as posições do PCP na área da esquerda é lançar o debate sobre o conteúdo da alternativa de esquerda, sobre as propostas concretas que devem caracterizar a governação à esquerda para os próximos anos.

Nesse sentido, a Resolução do CC de 14 e 15 de Fevereiro passado abre uma perspectiva clara (cfr. Ponto 2.3.1ª), e não é demais sublinhá-lo aqui com uma nota suplementar: o PCP deve ser a força estimulante desse debate. Com o cuidado necessário para abrir o debate até onde for possível, sem preconceitos nem exclusões empobrecedoras. Com o cuidado de evitar hegemonismos. Mas sem abdicar do seu papel próprio.

O grande tema de uma alternativa de esquerda está no binómio neoliberalismo versus política de desenvolvimento e de democracia social. O neoliberalismo, a ditadura do mercado, o domínio das multinacionais no quadro da globalização e a arrogância imperial da única superpotência são hoje cada vez mais contestados, e constituem um traço de união das forças progressistas de todo o mundo.

A definição programática da alternativa de esquerda passa por muitos temas, como por exemplo: Política de desenvolvimento e emprego; garantia da sustentação pelo Estado das políticas sociais, com as reformas necessárias para aumentar a sua eficácia, a qualidade das prestações e a sua universalidade como políticas públicas; subordinação do poder económico ao poder político, com a defesa do sector público e o combate às privatizações e à corrupção; melhoria das condições de trabalho e da qualidade do emprego com o combate à precarização, redução do horário, etc; democratização da vida social, com particular acento na democracia na empresa; desenvolvimento de mecanismos de participação cívica na vida política; defesa de um novo rumo para a política europeia; intervenção activa nos novos problemas, com abertura às orientações mais progressistas, em questões como a bioética, sociedade de informação, ambiente, paridade, droga, avanços científicos e suas consequências sociais.

Outras questões haverá, mas estes serão certamente incluídas no necessário debate sobre a alternativa de esquerda.

«Avante!» Nº 1267 - 12.Março.1998