A grande embrulhada


A imagem que ressalta da presente acção governativa do PS é a de uma infindável confusão e de uma grande embrulhada.
Confundidos e embrulhados estão os processos da regionalização, do aborto, dos referendos, do recenseamento, da reforma fiscal, entre outros.
Como se isto não bastasse vêm agora as confusões e as embrulhadas das demissões e contestações nas Forças Armadas, coincidentes com as demissões e contestações na RTP.
Para aumentar a confusão juntam-se ainda as numerosas entrevistas e declarações de membros do Governo e dirigentes socialistas cada qual a querer parecer mais original e mediático.
O país sofre!
A arte de dialogar de que o Governo tanto se reclamou no início do seu mandato parece assim ter sido substituída pela arte de embrulhar.

Uma nota especialmente desconcertante para explicar esta barafunda foi trazida pelo secretário de Estado, António José Seguro. Este responsável pela coordenação entre o Governo e o PS não hesitou em reconhecer, com excessiva sinceridade ou inaudita inocência, que existe de um «défice de liderança», chegando a atribuí-lo a uma questão do «discernimento» do primeiro-ministro.
Custa a acreditar!
Mas é o mesmo que esclarece, segundo a imprensa, que os socialistas «entraram em 1998 preocupados e divididos».
E, pelos vistos, continuam...

O que se torna muito claro é que, à medida que foi cedendo à direita e realizando a sua política, o PS foi-se deixando enovelar em processos que o ataram de pés e mãos e o colocaram na completa dependência da direita.
Os casos da regionalização e da interrupção voluntária da gravidez são paradigmáticos a este respeito.
Em relação à regionalização, o PS tinha aprovado com o PCP, na generalidade, a lei quadro das regiões administrativas quando, em vez de prosseguir o processo legislativo na Assembleia, resolveu ceder às pressões do PSD para que a matéria fosse submetida a referendo, o que até passou pela revisão da Constituição. Julgou assim ter-se furtado às dificuldades deste processo. Puro engano, nunca mais se livrou delas.

Sucede outro tanto com a interrupção voluntária da gravidez, com a agravante, neste caso, de adiar não se sabe por quanto tempo, as novas medidas de combate ao flagelo do aborto clandestino, sujeitando o país a uma campanha que pode assumir formas especialmente violentas e desestabilizadoras e aceitando um referendo em que a maioria do partido tem uma posição diferente da do líder.
Muito se deve rir o Dr. Marcelo quando a sombra de Cavaco Silva lhe dá algum sossego...
Quem parece que não está a achar muita graça às negociatas politiqueiras entre o PS e PSD é o Presidente da República, a avaliar pelos seus últimos discursos. É que elas não só atentam contra o prestígio das instituições, como invadem a sua área de competências, o que sucede, por exemplo, com o calendário dos referendos. — Carlos Brito

«Avante!» Nº 1267 - 12.Março.1998