ANGOLA
A ameaça da guerra


Angola está de novo sob a ameaça de guerra. A 28 de Fevereiro expirou mais um prazo dado pela Comissão Conjunta constituída por Portugal, Rússia e Estados Unidos) para que a UNITA cumprisse os acordos de paz. Como sempre, o prazo terminou sem que a UNITA respeitasse os compromissos: concluir a desmobilização das suas tropas, transferir para o poder estatal as zonas sob o seu controlo militar e transformar-se definitivamente em partido político civil. Em simultâneo, multiplicam-se os sinais de que está, de novo, a recorrer à guerra. Em Janeiro, as autoridades angolanas capturaram um avião, proveniente da África do Sul, que efectuava voos de abastecimento para zonas sob controlo da UNITA, em desrespeito das sanções recentemente impostas pela ONU. O piloto declarou à imprensa ter já efectuado "mais de 300 voos para a Jamba, o Andulo, o Bailundo e outras zonas onde a UNITA se encontra entrincheirada (...) e ter transportado algumas vezes equipamento militar" (Público, 23.1.98). Um mês mais tarde, foi a vez das autoridades da Namíbia declararem que "diversos aviões têm efectuado vôos ilegais no espaço aéreo da Namíbia", sendo de crer que "os vôos se dirigem de facto para uma zona controlada pela UNITA em Angola", e manifestando preocupação "com o movimento de pessoas armadas atravessando a fronteira do Kavango com o Cuando-Cubango que, nesta faixa, é também controlado pela UNITA" (Diário de Notícias, 23.2.98). Poucos dias depois, o governo de Angola anunciava que a UNITA atacou e ocupou "a zona de Cazombo, na província do Moxico, junto à fronteira com a Zâmbia" (Público, 25.2.98). No dia seguinte, uma emboscada da UNITA na Lunda Norte trazia a morte a quatro pessoas, incluindo um oficial da polícia nacional (DN, 26.2.98).

O povo angolano tem sofrido muito ao longo dos últimos séculos: colonialismo, escravatura, guerra colonial, guerra terrorista pilotada pelo imperialismo após a conquista da independência. A situação actual em Angola é dramática sob muitos aspectos. E se é verdade que existem muitas causas para os problemas que Angola hoje enfrenta, há uma evidência inegável: sem a paz não há solução, e o obstáculo decisivo tem um nome - UNITA.

Não é tolerável que mais de cinco anos após ter perdido as eleições consideradas "livres e justas" pela comunidade internacional, a UNITA continue a querer ser simultaneamente Estado (com pastas no Governo, deputados no Parlamento, e cargos oficiais) e Estado dentro do Estado (com um exército próprio, zonas do território sob seu exclusivo controlo, e a permanente chantagem da guerra que mantem o país em estado de excepção). As mesmas "potências ocidentais" que querem à viva força desencadear uma "guerra devastadora" contra o povo iraquiano (já dizimado pela guerra das sanções dos últimos sete anos), sob pretexto de que o seu governo não cumpre este ou aquele ponto duma resolução da ONU, têm mostrado uma flagrante duplicidade na sua benévola tolerância dum movimento que (tal como os também impunes amigos israelitas) desrespeita todas as resoluções da ONU sobre Angola e todos os acordos que assinou ao longo dos anos.

Nestes dias, a questão de Angola voltará a ser discutida nas Nações Unidas. É imperioso que, com total respeito pela soberania e pelos direitos legítimos de Angola, se ponha fim ao triste espectáculo da impunidade da UNITA e se evite nova guerra em solo angolano. Não através de "cobóiadas" e ingerências tão ao gosto imperial, mas com medidas mais firmes e sanções mais severas contra a UNITA, como foi exigido há poucos dias pelos chefes de Estado da África Austral, reunidos em Maputo. E contra aqueles que do exterior a municiam e instrumentalizam, fragilizando a paz e a estabilidade de que Angola tanto precisa. Portugal tem especial responsabilidades neste campo. Pela sua participação na "troika". Pelo seu passado colonial. Por ter sido um dos principais centros de actividade da UNITA no estrangeiro. De uma vez por todas, o governo português não pode mais pactuar com os terroristas da UNITA. O povo português quer ter relações de amizade e cooperação com o povo angolano, no interesse mútuo e respeito pela soberania do seu Estado e Governo, legitimamente constituído e internacionalmente reconhecido. Também para tal a paz é necessária. — Jorge Cadima

«Avante!» Nº 1267 - 12.Março.1998