Contra os milhões do negócio e as ilusões das promessas
Na Sodia a opção é lutar


Serão mais de 650 os despedidos na ex-Renault de Setúbal, segundo foi denunciado numa concentração realizada na semana passada, no Largo da Misericórdia. A capital do Sado ouviu duras críticas ao Governo e calorosas palavras de solidariedade para com os trabalhadores, que continuam dispostos a prosseguir a luta pelo emprego e por garantias de futuro.

Centenas de trabalhadores concentraram-se dia 11, quarta-feira, na baixa setubalense para exigirem ao Governo que honre os compromissos e os informe, até final do mês, como vão ser resolvidos os seus problemas.
O encerramento da ex-Renault de Setúbal, anunciado pelo Governo para Julho próximo, vai deixar sem emprego 593 trabalhadores da fábrica, que executa a montagem do modelo Clio. No entanto, este número oficial foi corrigido por um dos representantes dos trabalhadores. José Pina, intervindo na concentração, disse serem «muito mais», uma vez que não estão a ser contabilizados os 25 trabalhadores do refeitório, os 22 da limpeza e os da pintura. Segundo aquele membro da CT da Sodia, citado pela Agência Lusa, o total de desempregados em consequência do encerramento da fábrica deverá ultrapassar as 650 pessoas.
Rui Paixão, coordenador da USS de Setúbal e membro da Comissão Executiva da CGTP-IN, alertou para o agravamento da situação social que o fecho da ex-Renault acarretará, sublinhando que o distrito de Setúbal não comporta mais desemprego «a juntar aos mais de 44 mil desempregados que já hoje existem».
José Fernandes, dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos e trabalhador da Sodia, acusou o Governo de «só ter mentido e aldrabado» no contacto com os trabalhadores. «O Governo está a fazer o contrário do que fazia o Robin dos Bosques, está a roubar aos trabalhadores para dar à Renault», acusou, alegando que a Sodia deu 700 mil contos de lucro em 1997. Além deste resultado, sublinhou que a empresa «tem qualidade e dignidade, uma vez que está a montar 110 carros, em vez dos cem acordados com a Renault francesa».


Jovens
mas velhos

Pela constatação de que «aos 40 anos sou jovem para viver, mas velho para trabalhar» exprimiu o sindicalista o drama que enfrentam os trabalhadores da ex-Renault. Na concentração — que terminou com um desfile até ao Governo Civil — foi reafirmada a exigência de alternativas de emprego por parte dos responsáveis políticos e foram levantadas sérias reservas às soluções até agora faladas, desde a criação de microempresas (que ocupariam 30 a 40 trabalhadores) até à negociação de reformas antecipadas (menos de duas dezenas).
«Não nos venham oferecer migalhas», enfatizou um dos oradores, sustentando que o Governo promete emprego para 450 trabalhadores «sem dizer o que vão fazer, nem quanto vão ganhar». Em contrapartida, é um dado adquirido que «o negócio entre o Estado e a Renault foi um negócio da China para os dois», protestou, sustentando que o Estado vendeu à Renault Francesa os 25 por cento que detinha na Renault portuguesa por 18 milhões de contos e adquiriu a fábrica de Setúbal (com um valor estimado de 9 milhões de contos) por um milhão de contos.
No âmbito do «plano social», segundo foi informado na concentração, 57 pessoas vão receber indemnizações inferiores a três mil contos e 118 receberão indemnizações entre três e quatro mil contos, disse. Os números apurados pela CT da Sodia indicam que apenas 49 trabalhadores vão receber mais de dez mil contos, e destes, só dez recebem mais de quinze mil.
Os grupos parlamentares do PS e o do CDS/PP foram criticados por ainda não terem respondido aos pedidos de audiência solicitados pela Comissão de Trabalhadores. Durante a concentração foram referidas várias moções de solidariedade que os trabalhadores da Sodia têm recebido.

______

Sindicato dos Metalúrgicos
previne novamente

Numa moção que fez chegar à concentração de Setúbal, a direcção do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas e Metalomecânicas do Sul lembra que «previu e preveniu atempadamente, na base das informações que os ministros e/ou secretários de Estado iam prestando aos órgãos de comunicação social e à CT, que o desenlace do processo Renault francesa com o Estado português ia trazer graves consequências para os trabalhadores que são hoje da Sodia».
Para o sindicato, «está hoje confirmada a total incapacidade do Governo do PS e dos seus ministérios para se empenharem com a força e determinação de que o problema carecia e carece, no sentido de encontrar uma solução que servisse cabalmente os interesses dos trabalhadores, o futuro da unidade fabril, o progresso económico e o desenvolvimento da região e do País». Assim, «não faz sentido que o Governo apregoe aos quatro ventos o seu combate ao desemprego e depois, na prática, não crie as condições para evitar mais um despedimento encapotado de um número tão significativo de trabalhadores», que o sindicato estima em cerca de 600.
Relativamente à criação de microempresas ou à possibilidade de trabalhadores da Sodia serem absorvidos por outras empresas, o sindicato considera que «são soluções que a vida se encarregará de demonstrar que não terão viabilidade prática nem irão resolver o problema dos trabalhadores». «O que irá ter lugar, de facto, é mais um despedimento encapotado, de umas largas centenas de trabalhadores, num concelho e num distrito com um dos maiores índices de desemprego no País», afirma o sindicato, expressando «solidariedade e apoio» à luta do pessoal da Sodia e repudiando «a atitude do Governo do PS na condução deste processo, que tantos problemas irá trazer à vida e futuro dos trabalhadores e, consequentemente, aos seus agregados familiares».


«Avante!» Nº 1268 - 19.Março.98