Lei de Saúde mental
Tratar
sem reprimir
Baixou directamente à comissão, sem votação, faz hoje oito dias, a proposta de lei de Saúde Mental. Apreciado na véspera pelos deputados em sessão plenária, o diploma esteve longe de acolher o consenso dos partidos da oposição. Entre os aspectos mais polémicos, realce para o papel a atribuir a médicos e juízes na decisão de internar compulsivamente um doente mental.
O ministro Vera Jardim, que
apresentou o diploma, justificando as alterações que o Governo
pretende introduzir numa legislação com mais de 30 anos,
definiu como seus objectivos o estabelecimento dos princípios
fundamentais em matéria de saúde mental, a consagração dos
direitos dos cidadãos afectados por doenças do foro psíquico e
a regulação "exigente do processo de internamento".
O internamento compulsivo constitui, aliás, a questão
fundamental em torno da qual se desenvolve toda a proposta do
Executivo, a qual, na perspectiva do deputado comunista
Bernardino Soares, contém "muitas soluções excessivas e
erradas".
E uma delas, que perpassa todo o texto, é precisamente a lógica
de que o doente mental é um perigoso suspeito, susceptível de
ameaçar a segurança pública. Partindo deste pressuposto,
procura-se justificar a "perspectiva repressiva",
ignorando o que é mais importante em relação aos doentes
mentais: o seu tratamento", sublinhou o parlamentar do PCP,
que condenou ainda no diploma a sobreposição da "função
de protecção pública do Estado à de responsabilidade pública
pela saúde mental dos doentes".
Esta foi de resto uma questão preponderante em toda a
intervenção de Bernardino Soares. Por si lembrado foi,
nomeadamente, que a privação de liberdade excepcional
"não deve empurrar-nos para uma concepção repressiva das
situações de doença mental, nem nos autoriza a descurar a
necessidade de garantir as melhores condições de
internamento".
Para a bancada comunista importa, por conseguinte, garantir um
entendimento quanto às razões que justificam o internamento sem
consentimento. No entender de Bernardino Soares, para além das
situações que se revestem de perigosidade social, válidos são
ainda os casos que do ponto de vista médico-assistencial revelem
ser este o caminho indispensável para prevenir agravamentos da
doença mental e garantir o tratamento ou cura.
"O internamento compulsivo deve ser sempre encarado como um
instrumento a utilizar quando estritamente necessário para o
tratamento do doente" e, "mesmo nestes casos, a
hospitalização é apenas uma parcela de todo tratamento, que
integra também parcelas de cuidados terapêuticos e
comunitários", argumentou o parlamentar do PCP.
Mas onde as críticas de Bernardino Soares à proposta de lei
subiram claramente de tom foi no que considerou ser a
"fortíssima judicialização da questão do internamento
compulsivo em detrimento da autoridade médica" .
"Trata-se de uma solução que inverte as prioridades que
deveriam presidir a esta questão", advertiu, antes de
sublinhar que a valorização excessiva da perspectiva judicial
conduz inevitavelmente ao "descurar da perspectiva
médica-assistencial da questão e por consequência a menorizar
a prioridade ao tratamento e à cura do doente".
Das restantes bancadas da oposição também se fizétam ouvir
críticas ao Governo por pretender judicializar o internamento
compulsivo, tendo PSD e PP pedido ao PS para que aceitasse a
introdução de melhorias em sede de especialidade, solicitação
à qual o deputado socialista, Alberto Marques, respondeu
positivamente já no final da discussão.