Nos 77 anos do PCP
Festa à esquerda no Porto


Foi mesmo uma «festa à esquerda!». Juntou alguns milhares de militantes, amigos e democratas, irmanados num objectivo muito claro: festejar os 77 anos de vida e luta de um PCP com mais força e influência na sociedade portuguesa. Claro que a comida ajudou à festa e para isso contribuiu enormemente um bom conjunto de camaradas, sobretudo mulheres, que com profissionalismo e muita dedicação deram de comer aos olhos e aos estômagos proporcionando as mais diversas vitualhas.

No espaço do Pavilhão de Exposições de Gaia, decorado a preceito, o ambiente era de convívio fraterno e animado. A música e a poesia de Jorge de Sena, Brecht, Neruda vieram pelas vozes de Carlos Ferreira e de Eugénia Cunha.
As intervenções políticas foram apenas duas, mas marcantes. Elizabete Coutinho, em nome da juventude Comunista Portuguesa, falou da partilha com o PCP de «sonhos, reivindicações, rebeldia, inconformismo» e, acima de tudo da «vontade de mudar o mundo, de o fazer avançar rumo a uma sociedade mais justa, onde reinam a democracia e a igualdade de oportunidades e direitos». «Filhos de Abril e de Maio» sentem o dever de mostrar «admiração e respeito pelos comunistas e outros democratas que lutaram para que Portugal se tornasse um país democrático, livre e independente e soberano». A jovem afirmou ainda que «nós o amanhã do PCP, continuaremos a lutar ao lado dos jovens, dos trabalhadores, do povo, no caminho da sua libertação, pelo valor da sua dignidade. Une-nos um ideal!».
O momento político foi encerrado por Carlos Carvalhas, recebido com grande calor e entusiasmo pelos presentes, que fizeram questão de sublinhar com palmas e gritos de «PCP» várias passagens do seu discurso, cujos extractos mais significativos aqui publicamos.
No final procedeu-se à tradicional distribuição do bolo de aniversário, aberto pelo secretário-geral, com os «Parabéns» cantados a preceito.

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Intervenção de Carlos Carvalhas

Da actualidade dos nossos ideais
à actualidade da nossa luta

"À beira do século XXI assistimos a desenvolvimentos científicos e tecnológicos que permitiram a resolução de muitos problemas do ser humano. No entanto, tudo se conjuga para que a humanidade entre no próximo século com as mesmas chagas sociais com que entrou no século XX e com uma polarização da riqueza, nunca vista. Como nos revela a ONU, os activos das 358 pessoas mais ricas do Mundo correspondem ao rendimento conjunto dos 45% dos mais pobres da população mundial e, como nos revelam também as estatísticas nacionais, os 20% mais pobres em Portugal só dispõem de 6% do Rendimento Nacional e os 20% mais ricos detêm quase 50%.
A acentuação das desigualdades entre o chamado "Norte e Sul" encontram a mesma representação no seio dos países mais desenvolvidos.
Para vergonha dos europeus e dos europeístas, enquanto as bolsas tocavam trombetas por novos máximos especulativos, a opulenta União Europeia chegava ao fim de 1997, com 50 milhões de pobres e mais de 20 milhões de desempregados. Por sua vez nos EUA, a principal potência mundial à beira do novo milénio, uma criança em cada cinco vive abaixo do limiar de pobreza! O capitalismo mesmo nos países mais desenvolvidos oferece os vergonhosos testemunhos dos guetos e da violência urbana, dos sem abrigo que ainda são notícia quando uma noite gelada leva aqueles que não se refugiaram nos metropolitanos. O testemunho das sopas dos pobres, dos bancos contra a pobreza e dos rendimentos de subsistência que são muitas vezes autênticas esmolas oficiais de miséria.
Os Estados desresponsabilizam-se das suas funções sociais e o negocismo avança na saúde e no ensino. Os governos procuram livrar-se da segurança social atirando-a para as misericórdias e para as seguradoras privadas. É a concretização da conhecida fórmula do neoliberalismo: "se queres saúde paga-a, se queres formação e ensino paga-o, se queres pagar menos impostos torna-te rico"!
As contradições e os paradoxos são de tal ordem que a simples previsão do aumento do emprego nos EUA por mais de uma vez levou à queda da Wall Street!
O desemprego maciço, o trabalho precário, as incertezas do futuro, o aumento dos excluídos e das injustiças sociais criam o caldo de cultura do irracionalismo, dos racismos e das xenofobias e com eles vê-se o renascimento dos nacionalismos e dos integrismos.
As vítimas são instigadas pela direita e pela extrema direita a virarem-se contra outras vítimas, como é o caso do desempregado que vê no emigrante aquele que lhe tira o posto de trabalho ou como o mostra por exemplo, o facto da CDU alemã defender agora, que as organizações dos desempregados devem fazer parte das negociações salariais colectivas...

Redes mafiosas internacionais controlam os mais diversos circuitos clandestinos da prostituição e da prostituição infantil e da droga, cujo volume de negócios é superior ao do petróleo. A lavagem de dinheiro chega até ao financiamento de grande imprensa que lhe serve de protecção.
Por outro lado a especulação mundial com a liberalização de capitais é de tal ordem e as crises regionais atingem tal amplitude, como é o caso da recente crise Asiática, desacreditando mais uma vez as previsões do FMI que há já quem diga que este casino mundial precisa de um novo croupier para se evitar que um "Titanic Asiático" pelo seu efeito de dominó afunde a 3ª e a 1ª classes de países!

Nada escapa à lei da selva do capitalismo planetário.

Como alguém já sublinhou, até os órgãos, os genes e as células graças à biotecnologia e às manipulações genéticas tornaram-se matéria prima tal como o algodão ou o cobre. A força de trabalho é desrespeitada e desvalorizada e o ser humano é encarado como uma "matéria prima rentável". É este o "triunfo do capitalismo". É esta a expressão da "Lei" e dos dogmas do capitalismo "pós-moderno": o lucro antes dos homens, a exclusão dos homens que entravam o lucro. E tudo isto quando se verificam avanços tecnológicos vertiginosos e quando se verifica uma autêntica revolução nas comunicações.
E é neste quadro e num quadro de mundialização da economia em que a ideologia do "pensamento único" decreta que o mercado é a identificação da democracia e que o único caminho é o dos critérios do neoliberalismo – competitividade, produtividade, rentabilidade, flexibilidade – que o "Manifesto Comunista" obra ímpar de Marx e Engels, naturalmente com as marcas do seu tempo, nos mostra a sua grande actualidade. (...)

Peripécias e demissões

Desviando as atenções dos graves problemas sociais que as engenharias estatísticas e as contabilidades criativas não apagam, temos assistido às peripécias e às sucessivas demissões nas Forças Armadas; na RTP; em empresas públicas e agora no Ministério das Finanças. A demissão da secretária de Estado do Orçamento, que o eng. Guterres tanto elogiou, aparece como uma bofetada ao temperamento e comportamento do Ministro das Finanças que, ao não ser avisado pelo eng. Guterres e ao ser apanhado de surpresa no estrangeiro recebeu assim, indirectamente, um convite à sua demissão. Meios afectos ao Partido Socialista afirmam que Sousa Franco está isolado e já dão como certo que este será substituído precisamente pela ex-secretária de Estado do Orçamento.
O Governo já não consegue esconder as suas contradições.
Depois do chocante dito por não dito que a direcção do PS praticou na questão do aborto, mudando de posição quando 24 horas antes rejeitava indignamente as exigências do PSD para um referendo, temos agora a continuação dos folhetins do Ministério das Finanças a espelhar as dificuldades de um governo e os embaraços do Partido Socialista face à concretização de uma política neoliberal e aos sucessivos acordos e negociatas com a direita (PSD e PP).
Aliás, a situação dos referendos é bem o espelho deste Governo e do Partido Socialista. Enquanto Fernando Gomes e Narciso Miranda reclamam a regionalização para o povo do Norte ver, o seu governo e o seu partido depois das cedências que fizeram ao PSD sobre este assunto, arranjaram uma tal trapalhada e de tal modo, que o processo está cada vez mais desacreditado e metido numa gaveta do Palácio de S. Bento.
Quanto ao referendo sobre o aborto é cada vez mais claro que se tratou de um expediente do PSD para paralisar a aprovação final da lei, indiferente à manutenção do aborto clandestino.
E, como era de esperar, as comadres não se entendem agora quanto à pergunta e vemos cada uma a procurar passar para a outra, as culpas pelo eventual desenlace.
Mas caso as divergências sobre a pergunta não cheguem para disfarçar o desentendimento, as duas comadres preparam-se para aprovar uma resolução sobre o referendo até 19 de Março, antes de a própria lei orgânica do referendo ter passado pelo crivo do Tribunal Constitucional e estar publicada e em vigor, antes de se saber se o referendo se pode realizar, deixando assim para o Presidente da República o ónus de uma decisão para que o PS e PSD lavem as mãos como Pilatos das culpas que efectivamente têm. Dir-me-ão que o PS e o PSD não farão uma coisa dessas. Fazem. Fazem isso e muito mais para se libertarem do fardo das responsabilidades. Pois não é verdade que ainda há pouco os dois partidos fizeram aprovar a lei do "Regime Jurídico do Referendo", que resulta de uma negociata entre ambos e que está feita à medida precisa dos seus interesses e dos seus problemas?
Não é uma lei geral e abstracta, mas uma lei com destinatários (o PS e o PSD), permitindo que estes dois partidos tenham, por exemplo, tempos de antena sem revelarem qualquer posição sobre a pergunta. É um descaramento.
Quanto ao chamado referendo sobre a Europa, com uma pergunta desde logo viciada para obter um "sim" esmagador, o mínimo que se pode dizer é que é uma mistificação.
Até agora ninguém respondeu com clareza para que serve tal referendo, ninguém respondeu com clareza o que é que aconteceria no caso do "não" ganhar.
E pensamos que um referendo que é uma autêntica batalha eleitoral, é uma questão séria de mais para que seja utilizado como cortina de fumo ou como pseudo legitimação de decisões há muito tomadas sem qualquer consulta ao povo português.
Estes calculismos e procedimentos politiqueiros só degradam a vida política, a democracia e as instituições.
Os expedientes de baixa política, a distância entre as palavras e os actos, as voltas e reviravoltas, as negociatas sem princípios, não dão qualquer credibilidade à vida democrática. Nenhuma mulher que aplaudiu a aprovação na generalidade da lei contra o aborto clandestino na Assembleia da República pode aceitar o comportamento do PS nesta matéria.
Os problemas com que as mulheres e as populações se debatem exigem respostas sérias e não atitudes politiqueiras, exigem empenho e transparência na sua resolução e não política espectáculo.
Transparência que também se exige em relação à integração europeia e à grave situação em que se encontram a nossa agricultura, as nossas pescas e muitos e importantes sectores industriais.
O Governo tem escondido do povo português a verdadeira dimensão dos prejuízos que o país terá se for aprovada a proposta da Comissão relativa à "Agenda 2000". Um alto responsável comunitário ainda recentemente confirmou o corte de fundos para Portugal. O Governo, sintomaticamente, recusou-se a tecer qualquer comentário sobre o assunto. Mas a verdade é que cálculos feitos com rigor apontaram para cortes da ordem dos 500 milhões de contos! E o Governo em vez de mobilizar a consciência nacional, em vez de, conjuntamente com os partidos que têm representação no Parlamento Europeu, procurar potenciar o poder negocial, remete-se a um cúmplice silêncio.
O mesmo se passou com as negociações secretas sobre o "Acordo Multilateral sobre o Investimento" no âmbito da OCDE. Só depois da denúncia pública do que ali se estava a fabricar é que o governo português se decidiu vir a terreiro para exprimir alguns comentários sectoriais e laterais.
E, como já alguém disse, este "Acordo" é um verdadeiro "Manifesto do Capitalismo Mundial", sendo preciso "remontar aos tratados coloniais mais leoninos para encontrar expostos com tanta arrogância dominadora os direitos imprescritíveis das multinacionais e as obrigações draconianas impostas aos povos".
Mas também aqui a transparência deste Governo é só para a retórica discursiva. (...)

Comunistas e Portugueses

O PCP, com a sua identidade, reafirmada no seu último Congresso, virado para o futuro e para a vida, aberto à sociedade e ao seu tempo, empenha e empenhará as suas energias e esforços para honrar, para hoje e para amanhã o compromisso com a causa da liberdade, da democracia e do socialismo que são o mais forte e permanente fio condutor da sua história ao longo destas mais de sete décadas.
Continuando a sua luta por uma alternativa democrática inspirada por valores de esquerda, o PCP dispensando como sempre dispensou os "guardiões do Templo", ou os "arautos do politicamente correcto", aqui está contando cada vez mais com o interesse, a adesão e o apoio de novas gerações que são também novas energias e formas de estar indispensáveis para se vencer os exigentes desafios do presente e do futuro.
O rejuvenescimento e a entrega de responsabilidades a todos os níveis aos elementos das novas gerações e à juventude que tem afluído crescentemente ao Partido, e que nos enche de alegria e confiança, é vital para prosseguirmos com força o nosso combate.
Por isso é necessário ter em conta, como também já se afirmou que "a rotina e o conservantismo conduzem ao definhamento interno, à ruptura das raízes sociais e ao esvaziar de energia revolucionária". A necessária renovação "será tanto mais profunda e reforçará tanto mais a intervenção do Partido na vida nacional quanto mais consequentemente o Partido afirme de forma criativa a sua identidade como partido comunista que é" e que quer continuar a ser. E não deverá haver espectros sejam eles o do dogmatismo ou o social democratizante que sirvam para desviar atenções e energias da luta, ou para paralisar o empenho no movimento que temos em curso de debate e tomada de decisões para darmos maior dinamismo a todos os organismos e com vista a ampliarmos a nossa influência social, política e eleitoral.
Por isso, rejeitando modelos, comemoramos o 77º aniversário com confiança, como comunistas que somos e que queremos continuar a ser, prosseguindo a nossa luta ao serviço dos trabalhadores e do povo, ao serviço dos portugueses e de Portugal.
Reafirmamos que não faltam razões para se ter confiança em que poderemos entrar no século XXI, não rendidos à ofensiva do neoliberalismo e do pensamento único ou perante uma pretensa eternidade do capitalismo mas sim, com o dever cumprido perante o povo e o país, de prosseguir com renovado empenho e esperança a luta por um projecto humanista e solidário de transformação social, de democracia e socialismo."

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Vila Franca de Xira:
Uma política de «prepotência e arrogância»

Meio milhar de militantes e simpatizantes comunistas participaram no passado sábado num grande almoço de aniversário do PCP realizado no Pavilhão do Cevadeiro, em Vila Franca de Xira.

Intervindo na iniciativa, Carlos Carvalhas referiu-se à perda da maioria CDU na Câmara, considerando: «perdemos uma batalha, que naturalmente a todos nos entristeceu e entristece. Estamos agora na oposição. Numa oposição construtiva e vigilante. Acima de tudo estão os interesses das populações. Estamos convencidos que a população do concelho de Vila Franca de Xira não ganhou com a perda da CDU na sua Câmara».

Sobre o actual executivo camarário, Carvalhas anotou: «a arrogância e a prepotência da gestão PS já se começa a evidenciar. Desde logo e em contraste com a CDU, o PS só distribuiu pelouros ao PSD. É uma atitude e uma arrogância que certamente dará que pensar a muitos cidadãos...
«Mas do que estamos à espera é do cumprimento das promessas. A tal resolução do desemprego, da insegurança, da toxicodependência, dos acessos a Lisboa!..
«
Como tudo já indica as reivindicações em relação ao governo da mesma cor vão-se ficar pelas palavras para efeitos mediáticos e quanto aos factos concretos o que teremos é a subserviência a acomodação e até a desculpabilização do governo rosa em prejuízo do Concelho e dos seus habitantes».


«Avante!» Nº 1268 - 19.Março.98