"À
beira do século XXI assistimos a desenvolvimentos
científicos e tecnológicos que permitiram a resolução
de muitos problemas do ser humano. No entanto, tudo se
conjuga para que a humanidade entre no próximo século
com as mesmas chagas sociais com que entrou no século XX
e com uma polarização da riqueza, nunca vista. Como nos
revela a ONU, os activos das 358 pessoas mais ricas do
Mundo correspondem ao rendimento conjunto dos 45% dos
mais pobres da população mundial e, como nos revelam
também as estatísticas nacionais, os 20% mais pobres em
Portugal só dispõem de 6% do Rendimento Nacional e os
20% mais ricos detêm quase 50%.
A acentuação das desigualdades entre o chamado
"Norte e Sul" encontram a mesma representação
no seio dos países mais desenvolvidos.
Para vergonha dos europeus e dos europeístas, enquanto
as bolsas tocavam trombetas por novos máximos
especulativos, a opulenta União Europeia chegava ao fim
de 1997, com 50 milhões de pobres e mais de 20 milhões
de desempregados. Por sua vez nos EUA, a principal
potência mundial à beira do novo milénio, uma criança
em cada cinco vive abaixo do limiar de pobreza! O
capitalismo mesmo nos países mais desenvolvidos oferece
os vergonhosos testemunhos dos guetos e da violência
urbana, dos sem abrigo que ainda são notícia quando uma
noite gelada leva aqueles que não se refugiaram nos
metropolitanos. O testemunho das sopas dos pobres, dos
bancos contra a pobreza e dos rendimentos de
subsistência que são muitas vezes autênticas esmolas
oficiais de miséria.
Os Estados desresponsabilizam-se das suas funções
sociais e o negocismo avança na saúde e no ensino. Os
governos procuram livrar-se da segurança social
atirando-a para as misericórdias e para as seguradoras
privadas. É a concretização da conhecida fórmula do
neoliberalismo: "se queres saúde paga-a, se
queres formação e ensino paga-o, se queres pagar menos
impostos torna-te rico"!
As contradições e os paradoxos são de tal ordem que
a simples previsão do aumento do emprego nos EUA por
mais de uma vez levou à queda da Wall Street!
O desemprego maciço, o trabalho precário, as incertezas
do futuro, o aumento dos excluídos e das injustiças
sociais criam o caldo de cultura do irracionalismo, dos
racismos e das xenofobias e com eles vê-se o
renascimento dos nacionalismos e dos integrismos.
As vítimas são instigadas pela direita e pela extrema
direita a virarem-se contra outras vítimas, como é o
caso do desempregado que vê no emigrante aquele que lhe
tira o posto de trabalho ou como o mostra por exemplo, o
facto da CDU alemã defender agora, que as organizações
dos desempregados devem fazer parte das negociações
salariais colectivas...
Redes mafiosas internacionais controlam os mais diversos
circuitos clandestinos da prostituição e da
prostituição infantil e da droga, cujo volume de
negócios é superior ao do petróleo. A lavagem de
dinheiro chega até ao financiamento de grande imprensa
que lhe serve de protecção.
Por outro lado a especulação mundial com a
liberalização de capitais é de tal ordem e as crises
regionais atingem tal amplitude, como é o caso da
recente crise Asiática, desacreditando mais uma vez as
previsões do FMI que há já quem diga que este
casino mundial precisa de um novo croupier para se evitar
que um "Titanic Asiático" pelo seu efeito de
dominó afunde a 3ª e a 1ª classes de países!
Nada
escapa à lei da selva do capitalismo planetário.
Como alguém
já sublinhou, até os órgãos, os genes e as células
graças à biotecnologia e às manipulações genéticas
tornaram-se matéria prima tal como o algodão ou o
cobre. A força de trabalho é desrespeitada e
desvalorizada e o ser humano é encarado como uma
"matéria prima rentável". É este o
"triunfo do capitalismo". É esta a expressão
da "Lei" e dos dogmas do capitalismo
"pós-moderno": o lucro antes dos homens, a
exclusão dos homens que entravam o lucro. E tudo
isto quando se verificam avanços tecnológicos
vertiginosos e quando se verifica uma autêntica
revolução nas comunicações.
E é neste quadro e num quadro de mundialização da
economia em que a ideologia do "pensamento
único" decreta que o mercado é a identificação
da democracia e que o único caminho é o dos critérios
do neoliberalismo competitividade, produtividade,
rentabilidade, flexibilidade que o "Manifesto
Comunista" obra ímpar de Marx e Engels,
naturalmente com as marcas do seu tempo, nos mostra a sua
grande actualidade. (...)
Peripécias
e demissões
Desviando
as atenções dos graves problemas sociais que as
engenharias estatísticas e as contabilidades criativas
não apagam, temos assistido às peripécias e às
sucessivas demissões nas Forças Armadas; na RTP; em
empresas públicas e agora no Ministério das Finanças.
A demissão da secretária de Estado do Orçamento, que o
eng. Guterres tanto elogiou, aparece como uma bofetada ao
temperamento e comportamento do Ministro das Finanças
que, ao não ser avisado pelo eng. Guterres e ao ser
apanhado de surpresa no estrangeiro recebeu assim,
indirectamente, um convite à sua demissão. Meios
afectos ao Partido Socialista afirmam que Sousa Franco
está isolado e já dão como certo que este será
substituído precisamente pela ex-secretária de Estado
do Orçamento.
O Governo já não consegue esconder as suas
contradições.
Depois do chocante dito por não dito que a direcção do
PS praticou na questão do aborto, mudando de posição
quando 24 horas antes rejeitava indignamente as
exigências do PSD para um referendo, temos agora a
continuação dos folhetins do Ministério das Finanças
a espelhar as dificuldades de um governo e os embaraços
do Partido Socialista face à concretização de uma
política neoliberal e aos sucessivos acordos e
negociatas com a direita (PSD e PP).
Aliás, a situação dos referendos é bem o espelho
deste Governo e do Partido Socialista. Enquanto Fernando
Gomes e Narciso Miranda reclamam a regionalização para
o povo do Norte ver, o seu governo e o seu partido depois
das cedências que fizeram ao PSD sobre este assunto,
arranjaram uma tal trapalhada e de tal modo, que o
processo está cada vez mais desacreditado e metido numa
gaveta do Palácio de S. Bento.
Quanto ao referendo sobre o aborto é cada vez mais claro
que se tratou de um expediente do PSD para paralisar a
aprovação final da lei, indiferente à manutenção do
aborto clandestino.
E, como era de esperar, as comadres não se entendem
agora quanto à pergunta e vemos cada uma a procurar
passar para a outra, as culpas pelo eventual desenlace.
Mas caso as divergências sobre a pergunta não
cheguem para disfarçar o desentendimento, as duas
comadres preparam-se para aprovar uma resolução sobre o
referendo até 19 de Março, antes de a própria lei
orgânica do referendo ter passado pelo crivo do Tribunal
Constitucional e estar publicada e em vigor, antes de se
saber se o referendo se pode realizar, deixando assim
para o Presidente da República o ónus de uma decisão
para que o PS e PSD lavem as mãos como Pilatos das
culpas que efectivamente têm. Dir-me-ão que o PS e
o PSD não farão uma coisa dessas. Fazem. Fazem isso e
muito mais para se libertarem do fardo das
responsabilidades. Pois não é verdade que ainda há
pouco os dois partidos fizeram aprovar a lei do
"Regime Jurídico do Referendo", que resulta de
uma negociata entre ambos e que está feita à medida
precisa dos seus interesses e dos seus problemas?
Não é uma lei geral e abstracta, mas uma lei com
destinatários (o PS e o PSD), permitindo que estes dois
partidos tenham, por exemplo, tempos de antena sem
revelarem qualquer posição sobre a pergunta. É um
descaramento.
Quanto ao chamado referendo sobre a Europa, com uma
pergunta desde logo viciada para obter um "sim"
esmagador, o mínimo que se pode dizer é que é uma
mistificação.
Até agora ninguém respondeu com clareza para que serve
tal referendo, ninguém respondeu com clareza o que é
que aconteceria no caso do "não" ganhar.
E pensamos que um referendo que é uma autêntica
batalha eleitoral, é uma questão séria de mais para
que seja utilizado como cortina de fumo ou como pseudo
legitimação de decisões há muito tomadas sem qualquer
consulta ao povo português.
Estes calculismos e procedimentos politiqueiros só
degradam a vida política, a democracia e as
instituições.
Os expedientes de baixa política, a distância entre as
palavras e os actos, as voltas e reviravoltas, as
negociatas sem princípios, não dão qualquer
credibilidade à vida democrática. Nenhuma mulher que
aplaudiu a aprovação na generalidade da lei contra o
aborto clandestino na Assembleia da República pode
aceitar o comportamento do PS nesta matéria.
Os problemas com que as mulheres e as populações se
debatem exigem respostas sérias e não atitudes
politiqueiras, exigem empenho e transparência na sua
resolução e não política espectáculo.
Transparência que também se exige em relação à
integração europeia e à grave situação em que se
encontram a nossa agricultura, as nossas pescas e muitos
e importantes sectores industriais.
O Governo tem escondido do povo português a verdadeira
dimensão dos prejuízos que o país terá se for
aprovada a proposta da Comissão relativa à "Agenda
2000". Um alto responsável comunitário ainda
recentemente confirmou o corte de fundos para Portugal. O
Governo, sintomaticamente, recusou-se a tecer qualquer
comentário sobre o assunto. Mas a verdade é que
cálculos feitos com rigor apontaram para cortes da ordem
dos 500 milhões de contos! E o Governo em vez de
mobilizar a consciência nacional, em vez de,
conjuntamente com os partidos que têm representação no
Parlamento Europeu, procurar potenciar o poder negocial,
remete-se a um cúmplice silêncio.
O mesmo se passou com as negociações secretas sobre o
"Acordo Multilateral sobre o Investimento" no
âmbito da OCDE. Só depois da denúncia pública do que
ali se estava a fabricar é que o governo português se
decidiu vir a terreiro para exprimir alguns comentários
sectoriais e laterais.
E, como já alguém disse, este "Acordo" é
um verdadeiro "Manifesto do Capitalismo
Mundial", sendo preciso "remontar aos tratados
coloniais mais leoninos para encontrar expostos com tanta
arrogância dominadora os direitos imprescritíveis das
multinacionais e as obrigações draconianas impostas aos
povos".
Mas também aqui a transparência deste Governo é
só para a retórica discursiva. (...)
Comunistas
e Portugueses
O PCP,
com a sua identidade, reafirmada no seu último
Congresso, virado para o futuro e para a vida, aberto à
sociedade e ao seu tempo, empenha e empenhará as suas
energias e esforços para honrar, para hoje e para
amanhã o compromisso com a causa da liberdade, da
democracia e do socialismo que são o mais forte e
permanente fio condutor da sua história ao longo destas
mais de sete décadas.
Continuando a sua luta por uma alternativa
democrática inspirada por valores de esquerda, o PCP
dispensando como sempre dispensou os "guardiões do
Templo", ou os "arautos do politicamente
correcto", aqui está contando cada vez mais com o
interesse, a adesão e o apoio de novas gerações que
são também novas energias e formas de estar
indispensáveis para se vencer os exigentes desafios do
presente e do futuro.
O rejuvenescimento e a entrega de responsabilidades a
todos os níveis aos elementos das novas gerações e à
juventude que tem afluído crescentemente ao Partido, e
que nos enche de alegria e confiança, é vital para
prosseguirmos com força o nosso combate.
Por isso é necessário ter em conta, como também
já se afirmou que "a rotina e o conservantismo
conduzem ao definhamento interno, à ruptura das raízes
sociais e ao esvaziar de energia revolucionária". A
necessária renovação "será tanto mais profunda e
reforçará tanto mais a intervenção do Partido na vida
nacional quanto mais consequentemente o Partido afirme de
forma criativa a sua identidade como partido comunista
que é" e que quer continuar a ser. E não
deverá haver espectros sejam eles o do dogmatismo ou o
social democratizante que sirvam para desviar atenções
e energias da luta, ou para paralisar o empenho no
movimento que temos em curso de debate e tomada de
decisões para darmos maior dinamismo a todos os
organismos e com vista a ampliarmos a nossa influência
social, política e eleitoral.
Por isso, rejeitando modelos, comemoramos o 77º
aniversário com confiança, como comunistas que somos e
que queremos continuar a ser, prosseguindo a nossa luta
ao serviço dos trabalhadores e do povo, ao serviço dos
portugueses e de Portugal.
Reafirmamos que não faltam razões para se ter
confiança em que poderemos entrar no século XXI, não
rendidos à ofensiva do neoliberalismo e do pensamento
único ou perante uma pretensa eternidade do capitalismo
mas sim, com o dever cumprido perante o povo e o país,
de prosseguir com renovado empenho e esperança a luta
por um projecto humanista e solidário de transformação
social, de democracia e socialismo."
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