O Têxtil e o PCP

Por Sérgio Ribeiro


É reconhecido, dito e redito, que o sector têxtil é dos mais importantes na actividade económica. Quer numa perspectiva da história da indústria, quer pelas necessidades que satisfaz, quer pelo seu peso nas vertentes emprego, produção, comércio externo, localização e grau de dependência têxtil de certas regiões.

Assim é em Portugal.

Por outro lado, não se trata de um sector homogéneo e exige que se considere a "fileira" produtiva - fiação, tecelagem, confecção -, com características e problemas próprios, sem prejuízo de uma abordagem de conjunto, de sector. Assim se justifica que se trate do sector como um todo, com complementaridades e concorrências dentro e para o exterior do espaço económico da União Europeia,mosaico de espaços económicos dos Estados-membros.
O PCP tem estado sempre na primeira linha da defesa do têxtil em Portugal, e das lutas no sector.
O que se explica pela sua enorme importância social, económica, política.
E assim tem sido em todos os planos da luta social e política.
Também no Parlamento Europeu.
Desde o relatório Carvalhas, sobre o Acordo Multifibras e as negociações GATT/Uruguay Round.
Como agora, num relatório sobre um documento da Comissão que propõe um plano de acção para reforçar a competitividade do sector têxtil-vestuário da União Europeia.
O sector têxtil está ligado às grandes transformações que levaram ao aparecimento da indústria, com todas as consequências no plano social e político. Em Portugal, observando as "séries longas para a economia portuguesa", publicadas pelo Banco de Portugal, encontramos uma expressão nacional dessa importância na história contemporânea portuguesa.
No que respeita produção, a "indústria dos têxteis, do vestuário e do couro" valia, em 1953, 8% do valor acrescentado total e quase 33% do valor acrescentado industrial, e embora tenha diminuído, em 1993 continuava a ser a rubrica industrial com maior valor, acima dos 26%, e com 6% do total. Ainda tem o maior significado que, ao longo deste período da economia portuguesa, o sector tenha estado sempre entre os de maior valor acrescentado na indústria, só ultrapassado, entre 1959 e 1964, pelas "indústrias químicas de petróleo e derivados" e, entre 70 e 78 (com oscilações até 1981), pela de "fabricação de produtos metálicos, máquinas e material de transporte". De 1981 a 1993 foi sempre o sector com maior valor acrescentado na indústria e só ultrapassado, na actividade económica total, pelos "serviços prestados colectividade", pelo "comércio por grosso e a retalho", pelas "operações sobre imóveis e serviços prestados às empresas", pela "construção" e pelos "bancos e outras instituições monetárias e financeiras". O que, ao mesmo tempo que reflecte uma preocupante "financeirização" da actividade económica que tantas vezes se tem denunciado, mostra também como o sector têxtil é quase uma desesperada resistência da actividade produtiva, criadora de riqueza, o que ainda se poderia ilustrar com o facto da "agricultura, caça, silvicultura e exploração florestal" valer pouco mais que 80% do "têxtil" quando, em 1953, era mais de 3 vezes superior à do "têxtil" a sua contribuição para a produção interna portuguesa! E, no entanto, os portugueses continuam a consumir produtos da agricultura... só que, em 1953, importávamos menos de 2% do que produzíamos ou colhíamos na agricultura e na pesca e, em 1993, as mesmas "séries longas" nos dizem que importamos um valor de "alimentação, bebidas e tabaco" de quase metade do que agricultura produz e na pesca se captura!Mas feche-se o parênteses e volte-se ao têxtil.
O sector tem a maior importância na balança comercial portuguesa, pois o "vestuário e calçado" representa, em 1993, quase 30% das exportações totais, contra menos de 2% em 1953, e, quanto à importação, embora tenha subido significativamente, pouco passa, em 1993, de 3% das importações, uma vez que estava muito longe do 1% em 1953.
Pode, pois, afirmar-se que o sector mantém uma grande importância na área económica, como sobrevivência resistente de uma indispensável actividade produtiva nacional, e como rubrica decisivamente moderadora do défice na balança comercial e de pagamentos.
No aspecto social, directamente considerado, a sua relevância não é menor. Bem pelo contrário. A "indústria dos têxteis, do vestuário e do couro" representa, em 1993, cerca de 38% dos empregos na indústria (ao mesmo nível de 1953), e de 9% dos emprego total (pouco mais de 7% em 1953). Se se considerarem as actividades a montante e a jusante e, também, as actividades complementares do trabalho operário ou de que este é complemento em tantas zonas do País, pode avaliar-se bem a importância deste sector na vida social portuguesa.
Ainda se acrescentaria, nesta breve caracterização, a vertente regional. Ou seja, a dependência do sector que têm algumas regiões do nosso País. E a propósito cita-se, sempre, a zona do Vale do Ave, mas poder-se-ia, na diversidade do sector, referir a zona da Covilhã, no que respeita ao têxtil do algodão, e não faltariam outras referências pertinentes até porque, nalgumas zonas do país, quando se fala de indústria, é de actividade têxtil aí existente que se fala.

Um sector a exigir atenção particular

Por tudo isto, o sector teria de merecer - mais, de exigir! - uma atenção particular. E o PCP nunca esteve desatento... E essa atenção tem de ter em conta todas as vertentes e níveis do sector, e também que ele não é homogéneo.
A importância do "têxtil" vai da existência de trabalho infantil, da situação e condições de trabalho no terreno - anote-se a recente vitória das 40 horas -, às grandes negociações internacionais, em que, muitas vezes, tem sido uma espécie de "moeda de troca"; vai das pequenas e médias empresas, num tecido industrial a preservar, até aos grupos transnacionais, que destroiem esse tecido empresarial e colocam ao seu serviço, por via da subcontratação, o que dele procuram fazer sobrar para seu aproveitamento; vai da luta social quase trabalhador a trabalhador à luta sindical, da política regional à defesa de uma economia nacional, de uma óptica de indústria "europeia" à dita globalização em que o sector, pelas suas características, é ilustração das deslocalizações.
Em todos estes níveis há que estar atento e há que lutar, com o único critério avaliador das acções e das lutas que é o de tomar posições de classe, em que o interesse dos trabalhadores se mescla com a defesa de um sector industrial e de uma economia nacional.
Assim tem sido. Também no Parlamento Europeu. Particularmente desde o relatório por que Carlos Carvalhas foi responsável (1989/90), no âmbito das negociações Uruguay Round do GATT, em que foi preciso afirmar, através da defesa do Acordo Multifibras, que o "têxtil" não era um "problema português" mas uma "questão europeia", em que se colocou a salvaguarda indispensável das cláusulas sociais mínimas, em que se abriu um caminho que, entre outros passos, levou à adopção do RETEX, que corresponde à consideração da importância regional do sector e à necessidade de apoios para diversificação.

O "têxtil" e a obsessão da competitividade

Na onda ultra-liberalizante, em que a competitividade surge como uma das palavras mágicas e obsessivas, o sector não podia ficar de fora. Embora os comissários (da Comissão Europeia) que gostariam de "marcar o passo", sobretudo o alemão Bangeman, entendam que tudo se deva reduzir, horizontalmente, a moderar salários, flexibilizar mercados do trabalho e acabar com custosas (porque oneram os custos...) protecções sociais, e que é essa a via de ganhar competitividade face ao desregulado (ou regulado à maneira das transnacionais...) comércio internacional, há especificidades sectoriais que se impõem e que, por isso mesmo, conseguem levar a que tenha de se considerar a competitividade na dimensão sectorial.
Assim se desencadeou um processo, em que os agentes económicos e sociais do sector se puseram de acordo com um documento - de Maio de 1997 -, que a dita Comissão teve de ter em consideração, e que procurou integrar ou adaptar quanto possível à sua perspectiva, o que demorou meio ano, e levou à apresentação de uma comunicação sobre um plano de acção para a competitividade "europeia" do sector.
Pela importância que tem o têxtil para os trabalhadores e para a economia nacional, procurámos - e conseguimos - ganhar o relatório do PE que faz parte do processo institucional. Mas, ao mesmo tempo, recusamos que a nossa participação se assemelhe a "colocar a cereja no cimo do bolo", para usar uma imagem (talvez) sugestiva.
A comunicação da Comissão é mais recuada que o acordo a que chegaram os chamados parceiros sociais no seu documento de Maio de 1997. Para resumir, dir-se-ia que "esquece" as PME, que sublinha a importância da subcontratação no quadro estratégico dos grupos transnacionais, que releva as transformações tecnológicas que estas utilizam ao seu serviço. E quanto a fundamentação estatística, nada, e quanto a plano de acção - fora de medidas "horizontais" da natureza das referidas -, nada de efectivamente sistematizado, o que é outra expressão do recuo relativamente ao citado documento de Maio de 1997.
Se o relatório não tivesse vindo parar a mãos comunistas, talvez (quase certo...) uma comissão parlamentar tivesse elaborado um relatório que nem discussão teria no plenário (é assim se a base jurídica é o art. 52º que estava proposto e foi por nós rejeitada), a tal cereja culminaria o bolo cozinhado e haveria quem se congratulasse por ter sido dado um passo em frente na competitividade do sector têxtil "europeu", à maneira Bangeman, com o acompanhamento de umas afirmações de boas intenções e uns quantos compromissos nada imperativos no plano social.
Assim, é uma oportunidade para mobilizar em defesa do sector, para o debater com que o integra e dele vive, ao nível sindical, de empresas, de associações industrial, de estruturas regionais. E é oportunidade que não se irá desperdiçar.


«Avante!» Nº 1268 - 19.Março.98