Política de Segurança Interna
Passar do acessório
ao verdadeiramente importante

Por José Neto


O Ministro Jorge Coelho continua imparável, sob os holofotes de tudo quanto é comunicação social, no permanente foguetório dos milhões e benesses com que vem bafejando as Forças de Segurança.

Mas, cuidado, não fiquemos cegos perante tanto fogo de artifício. Por detrás destas medidas - resposta inadiável ao estado de degradação de meios a que os sucessivos governos deixaram chegar as Forças de Segurança - esconde-se não apenas o espectro de novos surtos de violência e insegurança, mas, acima de tudo, a falta de coragem e vontade política para a definição clara das opções de fundo relativamente ao que se quer fazer da PSP e da GNR, à responsabilidade do Estado pela segurança pública e sobretudo àquilo que respeita à política de prevenção.

1. A persistência na sociedade, em elevado grau, dos sentimentos de insegurança, correlacionados com a pequena e média criminalidade em crescimento, mantém na ordem do dia as questões da segurança interna e a acuidade das soluções necessárias para minorar a grave situação actual.
Sem embargo de, na opinião do PCP, estes fenómenos radicarem, sobretudo, em causas de natureza social e económica, desde a toxicodependência e a exclusão social ao desemprego e desigualdade económica, atribuíveis à política global dos sucessivos governos, é no quadro das opções de segurança interna e das inerentes medidas concretas que devem, em grande medida, procurar-se as respostas adequadas à satisfação do direito dos cidadãos à segurança.

Compromissos e promessas por cumprir

2. O anúncio pelo novo Ministro da Administração Interna de um conjunto de propósitos e intenções nesta área veio criar entre os cidadãos e nos profissionais das forças de segurança um clima de expectativa. Expectativa moderada, já que constitui o renovar de alguns compromissos e promessas, quer do Partido Socialista quer do Ministro Alberto Costa, que nunca foram cumpridos e postos em prática ou apenas parcialmente o foram. Na realidade, e quanto à política de segurança interna deste Governo, as tónicas têm sido a hesitação e a inépcia, as meias políticas e a indefinição relativas a um projecto claro e global.

3. Passaram mais de dois anos de Governo do Partido Socialista - não contestamos medidas positivas tendentes à reposição de efectivos, ao aumento de investimento e melhoria dos meios materiais ao serviço das Forças de Segurança ou à tendência civilista que se desenha para a PSP. São medidas há muito reclamadas e consensuais, que só pecam por tardias, insuficientes, mas sobretudo desinseridas de um quadro global.
O Governo tinha prometido, já para a sessão legislativa que findou, entre outros, dois diplomas fundamentais, uma proposta de Lei de orientação da actividade policial e uma proposta de Lei de Bases sobre ensino e formação nas Forças de Segurança - quase dois anos passados, onde estão essas propostas?

4. É incompreensível que o Governo mantenha a indefinição e a falta de um projecto fundamentado quanto à arquitectura das Forças de Segurança no nosso País. Se se aponta, correctamente, para a natureza civil da PSP, não tem justificação deixar de fora uma força como a GNR ainda qualificada organicamente como um "corpo especial de tropas", com um estatuto militar de todo incompatível com as suas missões específicas na área da Administração Interna. Como não tem igualmente justificação que, para funções idênticas, se mantenha um rígido e pesado enquadramento militar do Exército, sob cuja capa se impõem aos profissionais da Guarda cargas horárias pesadíssimas ou penas disciplinares privativas de liberdade na base de um inadequado e mais que obsoleto Regulamento de Disciplina Militar.

5. No que toca à reestruturação tardam as medidas, há muito anunciadas, de reorientação dos efectivos existentes, que permitam reconduzir os profissionais das Forças de Segurança à sua missão mais importante, a do patrulhamento - é o caso, por resolver, dos efectivos policiais desviados para serviços na área dos Tribunais - mais de 2 milhões de diligências judiciais em 1997 - ou do excessivo número de agentes das Forças de Segurança nas unidades de reserva da PSP e GNR sobretudo nas grandes cidades.
A decisão de colocar alguns efectivos do Corpo de Intervenção no patrulhamento de bairros mais problemáticos de Lisboa e Porto está longe de corresponder à proposta, há muito apresentada pelo PCP, de transferir grande parte dos efectivos das várias unidades de reserva da PSP e GNR para o dispositivo territorial das Forças de Segurança em missões de patrulhamento destinadas a garantir a tranquilidade dos cidadãos.
Portugal, mais do que aumentar os efectivos policiais, precisa sim de medidas de racionalização do quadro existente.

Polícias Municipais - uma solução cara e desnecessária

6. O Governo do Partido Socialista volta a insistir na ideia da criação das Polícias Municipais. Mas, novamente, é a indefinição e a falta de clareza que caracterizam o projecto. Ou o Governo não sabe o que quer ou teme as consequências de um projecto que já antevê megalómano. De facto assim parece. Por isso, não é dito quanto iria custar às autarquias e ao País a criação de um número indefinido, mas seguramente elevado, de polícias municipais.
Deve ficar claro que não é com o voto favorável do PCP que o Governo transferirá para o Poder Local responsabilidades e custos na área da segurança interna. Assim como não será com o nosso aval que passaremos a ter em Portugal um dispositivo policial que se aproxima rapidamente dos 50.000 agentes. Ao invés de um aparelho policial caro e claramente excessivo para as necessidades e possibilidades do País, melhor seria que o Governo investisse seriamente no combate à pobreza, em políticas para a Juventude, em programas locais para os jovens. É desse, e de outros investimentos, que o País mais precisa, parea assegurar uma maior coesão social.
O Governo não desconhece que a experiência de alguns países europeus onde existem polícias municipais está em fase de reavaliação, questionando-se não apenas a sua natureza, mas igualmente o seu papel e as suas funções face às polícias nacionais.
Um debate sério e interessado, que tenha em conta as experiências existentes, não deixará por certo de acentuar a complexidade e os custos que tal opção acarreta e irá mostrar a sua mais do que duvidosa necessidade ou prioridade, num país como o nosso.

É preciso instituir os Conselhos Municipais de Segurança

7. O Governo tem que assumir a responsabilidade de, na origem de muita criminalidade e insegurança que continuam a apoquentar as famílias portuguesas, haver ainda enormes atrasos na única opção eficaz nesta matéria - uma política de segurança caracterizada pela proximidade e envolvimento das populações. Isto é, uma polícia cada vez mais próxima, e visível, dos cidadãos, uma polícia ao lado das populações, que tenha a sua confiança e a sua participação na prevenção e no combate ao crime.
A este respeito o PCP considera inaceitável que o Partido Socialista continue a bloquear uma decisão há muito esperada, que nada condiciona, e para a qual existem projectos de lei que, na Assembleia da República, obtiveram largo consenso - trata-se da decisão de aprovar a Lei dos Conselhos Municipais de Segurança dos Cidadãos, dando assim resposta às necessidades e ao desejo de participaçção e intervenção das comunidades locais nesta área.
É urgente que não se perca mais tempo. Aos eleitos autárquicos cabe a responsabilidade de instituir, de forma expedita, esses órgãos que, pela sua composição alargada e plural - autarcas, professores, magistrados, forças de segurança, entre outros - terão condições para responder com eficácia aos múltiplos factores de insegurança que perturbam a tranquilidade das populações.

8. Não menos importante é a área dos direitos associativos nas Forças de Segurança. O PCP regista o compromisso assumido pelo MAI no que toca ao sindicalismo policial, reconhecendo finalmente a justeza do objectivo que, como é do conhecimento público, o PCP de há longos anos vem prosseguindo, em nome da exigência de dignificação dos cidadãos que são profissionais das Forças de Segurança e dos padrões existentes em todos os países da União Europeia.
Ao Partido Socialista e ao Governo cabe agora a apresentação, que se espera rápida, na Assembleia da República, do respectivo projecto ou proposta de lei, por forma a ser discutido e votado na actual sessão legislativa, dando finalmente satisfação à exigência e à luta dos polícias, com larguíssimo consenso e apoio na sociedade portuguesa.

9. Nesta área da segurança interna é conhecido que o PCP tem uma intervenção pública constante na defesa da segurança e tranquilidade das populações. Por via parlamentar é, de longe, o partido com mais projectos de lei apresentados. O projecto de lei sobre as Grandes Opções de Política de Segurança Interna, que apresentámos nesta legislatura e aguarda discussão, consubstancia o pensamento e as propostas concretas do PCP nesta matéria, centrados em dois vectores principais: para uma política de segurança interna - a proximidade, a prevenção e a participação das comunidades locais; para as Forças de Segurança - desmilitarização, natureza civil das forças, dignificação dos profissionais.
É à Assembleia da República que deve caber a definição das linhas básicas da política de segurança interna. O PCP reafirma a sua inteira disponibilidade para o debate que conduza à definição e clarificação (sempre adiadas) da estratégia e das políticas que possam contribuir para a segurança e tranquilidade a que os cidadãos têm direito.


«Avante!» Nº 1268 - 19.Março.98