O comércio da tortura

Por Jorge Figueiredo


O governo dos Estados Unidos da América não só permite a fabricação e exportação de instrumentos de tortura como, desde 1984, o US Department of Commerce tem categorias próprias para designar tais produtos e efectuar a respectiva classificação aduaneira. É o que se pode verificar no relatório "Uma avaliação das tecnologias de controle político (Estudo provisório)", do Parlamento Europeu (PE 166 499/Int.St.), publicado em 19/Jan/98, com 76 páginas mais um anexo denominado "Material ilustrativo".

O relatório é explícito e minucioso. No período de Setembro/91 a Dezembro/93 o Departamento do Comércio dos EUA aprovou cerca de 350 licenças de exportação de mercadorias da categoria OA82C. Esta classificação da pauta aduaneira norte-americana inclui: soqueiras (saps), algemas (thumbcuffs), anjinhos (thumbscrews), imobilizadores de pernas (leg irons), grilhetas para braços e pernas (shackles and handcuffs), implementos de tortura especialmente concebidos e camisas de força (straight jackets), etc. Por sua vez, a categoria OA84C inclui: armas de aturdimento (stun guns), bastões de choque (shock batons), aguilhões eléctricos para gado (electric cattle prods) e outras armas de imobilização. No mesmo período o Departamento do Comércio dos EUA aprovou mais de 2000 autorizações de exportação desta categoria. Na lista dos países compradores estão numerosos países da União Européia, tais como Áustria, Bélgica, França, Alemanha, Islândia, Irlanda, Itália, Holanda, Espanha e Reino Unido. O relatório afirma que "as licenças representam um instantâneo das autorizações para a venda ao estrangeiro, elas não indicam o local real de entrega e nem são abrangentes pois países da NATO, como a Turquia, não exigem uma licença" (pg. 57).
Empresas norte-americanas como a Technipol e a US Shok-Baton Company anunciam livremente tais mercadorias, em aberta violação dos direitos humanos. E durante décadas a infame School of the Americas, em Fort Benning (Geórgia) treinou milhares de militares latino-americanos na utilização destes instrumentos. Esta escola de assassinos, também conhecida como "La escuela del golpe" continua a funcionar até hoje. Os esquadrões da morte na Guatemala, em Honduras e tantos outros países centro e sul-americanos aprendem ali os seus métodos de actuação. Alguns dos manuais desta escola chegaram a ser divulgados. Um deles, acerca do tratamento a ser dado a prisioneiros, confirma que a escola de Fort Benning merece o nome de Escola de Assassinos .

Este relatório do Parlamento Europeu é tão denso que seria impraticável dar uma pálida idéia dos factos sinistros ali descritos. Os seus onze capítulos descrevem de forma tão exaustiva quanto possivel o negócio que é a repressão. Verifica-se que já não se trata apenas de um assunto de Estado, pois há numerosíssimas empresas de todo o mundo (nos EUA e não só) envolvidas neste comércio sujo. Fazem feiras, publicam catálogos e manuais de instrução, realizam promoções e discretas publicidades dirigidas ao público-alvo certo: os aparelhos repressivos, militares e policiais, deste mundo cada vez mais globalizado.
Os principais capítulos do relatório tratam do "Papel e função das tecnologias de controle político"; "Tendências recentes e inovações"; "Desenvolvimentos em tecnologia de vigilância"; "Inovações em armas de controle de multidões"; "Novos sistemas de controlo de prisões"; "Interrogatório, técnicas de tortura e tecnologias"; "Regulamentação da proliferação horizontal". É sem dúvida mérito do Parlamento Europeu, do seu autor (Sr. Steve Wright) e do seu editor (Sr. Dick Holdworth) que se tenham debruçado sôbre um tema tão escabroso como este. Há verdades que devem ser ditas. Discursos retóricos sobre direitos humanos são vazios quando se fecha os olhos à realidade.

Os interessados em obter um exemplar (gratuito) deste relatório chama-se "An Appraisal of Technologies of Political Control", document number PE 166 499 devem dirigir-se a: Ms. Karin Sercu, STOA Programme Directorate-General for Research, Directorate B, Eastman 112, rue Belliard 97-113, -1047 Bruxelles, Bélgica Fax: 32-22-849059


«Avante!» Nº 1268 - 19.Março.98