No pelotão da frente


Sufrágio universal, livre expressão da vontade do Povo e vários outros sólidos pilares sustentam o edifício democrático que habitamos. Há quem diga e sustente e demonstre que, por exemplo, o sufrágio universal é cada vez mais uma enormíssima mascarada e constitui mesmo uma das grandes fraudes dos tempos actuais. Mas diz quem sabe que não senhor, que não é nada disso e que este nosso sistema democrático se não é perfeito para já caminha a passos de gigante, como todos os dias temos oportunidade de constatar.

Há dias, um senhor chamado llídio Pinho, que julgo ser comendador, membro do PSD e pessoa de avultadas posses, procedeu a um acto curiosíssimo e cheio de significado: distribuiu pelas juntas de freguesia de maioria PSD lá do seu concelho a abundante quantia de 50 mil contos. A justificação de tão magnânimo acto é simples: no decorrer da campanha eleitoral das autárquicas, o comendador prometeu premiar financeiramente as freguesias que dessem a vitória ao PSD e, como é homem de palavra, veio agrora cumprir a promessa feita. Tudo muito lógico, tudo muito natural e, especialmente, tudo muito democrático. De tal forma que, aos que manifestaram estranheza face a esta peculiar forma de angariar votos, o comendador respondeu peremptório e conclusivo: «O dinheiro é meu e faço com ele o que quiser.»

É óbvio que ninguém tem nada a ver com a forma como o comendador gasta o seu dinheiro. E se ele considera a compra de votos um bom investimento de capital, quem há aí que possa impedi-lo de fazer o seu negócio? Aliás, e vendo bem as coisas, por que carga de água é que o comendador não haveria de poder fazer - com o seu dinheiro - o que outros fazem. inclusive, com dinheiro que não lhes pertence? Pois não é verdade que nessas mesmas eleições autárquicas, o PS, através do aparelho de Estado, comprou para si - com dinheiro que é de nós todos - os votos que pôde? E não é igualmente verdade que as quantias gastas pelo PS nessa operação fazem os 50 mil contos do comendador uma pequenina e insignificante gota de água" Aliás, nada disto comporta qualquer novidade: trata-se, num caso como noutro, da repetição adaptada às lusas realidades e dimensões e verbas - do que noutros países se pratica.

A compra de votos, com dinheiros de várias proveniências, para assegurar cargos diversos nos órgãos do Poder, é coisa normal e corrente, nomeadamente nos EUA que são, como toda a gente deveria saber, o expoente máximo deste modelo de democracia. Quem mais dinheiro tem, mais votos obtém: é esta a ordem natural das coisas. E quanto aos probretanas, aos que vivem do seu trabalho, contentem-se com a possibilidade que magnanimamente lhes é concedida de poderem votar de tantos em tantos anos e de, assim, elegerem quem aos homens da massa interessa que seja eleito. É assim a democracia... E uma coisa é certa: o caso dos cheques do comendador e as práticas eleitorais do PS confinaram que, tarnbém nesta matéria, Portugal está no pelotão da frente. Democratimente. Pois claro. — José Casanova


«Avante!» Nº 1268 - 19.Março.98