Uma
transmissão virtual
Por Francisco Costa
Já vai na sua 8ª. edição e, para além de constituir uma imensa festa do Desporto congregando nas ruas de Lisboa milhares e milhares de cidadãos comuns, unidos pelo comum intuito de correr por desporto e por divertimento (ao mesmo tempo que cuidam do físico e da saúde), ela é paralelamente palco de encontro de primeiras figuras do atletismo de fundo e meio-fundo de todo o Mundo, em meio de uma paisagem belíssima como é aquela que se pode viver e respirar em ambas as margens do Tejo.
Refiro-me, como já calcularam, à 8ª. Meia-Maratona de Lisboa que todos os anos se realiza a partir da margem sul do Tejo para desembocar em locais tão belos quanto fotogénicos e também ex-libris da nossa capital, como são a Ponte 25 de Abril, a Praça do Comércio, o Rossio e toda a zona grandiosa do Mosteiro dos Jerónimos ou da Torre e Centro Cultural de Belém.
Todos os anos, como que
fazendo inveja a muitas outras estações de televisão que não
desdenhariam aproveitar a ocasião para realizar trabalho de alta
qualidade e impacte informativo e visual, a RTP ali manda
burocraticamente os seus carros de exteriores, câmaras,
microfones e comentadores para aquilo que poderia supor-se ser um
trabalho asseado. O problema é que, de ano para ano, qualquer
semelhança entre estas transmissões e uma reportagem pensada
até ao mais ínfimo dos pormenores é pura coincidência e,
degradando-se de ano para ano, atingiu desta vez o ponto máximo
em termos de escandalosa indigência.
Em primeiro lugar, jamais se conseguiu detectar uma estratégia
de planificação da mesma, tão irregulares e caóticas eram as
entradas de câmaras cobrindo o circuito e a inserção de outras
informações complementares, como imagens e legendas descrevendo
os locais mais significantes da passagem dos atletas.
Depois, mais uma vez foram praticamente inexistentes quaisquer
condições técnicas que pudessem permitir, com a necessária
estabilidade, a transmissão de imagens captadas das alturas do
helicóptero ou mesmo ao nível do solo, nunca se tendo
conseguido resolver os problemas das interferências
indesejáveis na qualidade das imagens em movimento. Finalmente,
nenhum espectador pôde ser correctamente informado a par e passo
da posição relativa dos corredores, já que desta vez existiu
ainda um outro elemento de «perturbação», jamais previsto em
termos de planeamento da reportagem - ou seja, a realização
durante parte significativa da corrida principal de uma outra, a Mini-Maratona,
que com aquela sempre conflituou em termos de imagem e
(pasme-se!) até de som ambiente.
Para comprovarem que não exagero, aqui têm alguns (dispersos)
apontamentos que fui tomando ao longo da transmissão:
- a primeira vez que se ouviu qualquer comentário off de Luís
Lopes foi passados já cinco minutos;
- rapidamente o espectador começou a perceber que as imagens que
o comentador tinha à disposição no(s) monitor(es) do seu local
de reportagem não eram necessariamente as mesmas vistas em
nossas casas, havendo frequentes referências às personalidades
presentes (mas ausentes das câmaras, embora enumeradas a
preceito), aos atletas que não eram captados nos vários planos
da reportagem ou a outras referências ligadas à localização
da corrida, em completa dessintonia com as imagens fornecidas;
- quando, aos 16 minutos do início da corrida, um atleta
africano surge isolado em primeiro lugar na corrida principal, o
comentador nada diz, antes continuando a falar genericamente das
expectativas de António Pinto, até aí completamente
ignorado pelas câmaras e quando, por volta dos 23 minutos, é
referida a Av. 24 de Julho, as imagens que vemos são as
da Praça do Comércio;
- diz-se textualmente «esta é a zona da Meta», mas o que se
foca é o Teatro D. Maria II, e quando se refere que
«esperamos a todo o momento ter imagens da Meia-Maratona» (isto
passados já 28 minutos do tiro de partida!), há muito que elas
eram mostradas aos espectadores;
- ao afirmar-se que «os amadores preparam-se para chegar à
Meta», aquilo que se via eram, agora, dois corredores africanos
em lugar destacado da cabeça da Meia-Maratona, ou seja,
da corrida principal que havia para comentar;
- só aos 33 minutos (!) o comentário de Luís Lopes se
começou a referir, propriamente, a tudo o que víamos desde o
início;
- só aos 46 minutos (!), por alturas do regresso do pelotão ao Cais
do Sodré, se viram as primeiras imagens da frente da corrida
feminina, como sempre desprezada;
- por último, qual televisão regional em dia de emissão
experimental, a RTP ainda teve o desplante de interromper
a emissão aos 50 minutos, para intervalo e transmissão de um
pindérico slide estático (de 5 segundos) como publicidade a uma
tal «TV Marcello»!!!
Enfim, com a escandalosa transmissão desse Domingo, chegava simbolicamente ao seu termo o consulado Furtado-Vieira-Borga, que se tornou, em função das justas expectativas de profissionalismo criadas à partida, um dos maiores bluff nos vinte e poucos anos de televisão em Democracia.
Que as coisas mudem depressa e para bem melhor, é o que se deseja ao nosso serviço público.