Comissão Política analisa propostas de reforma da PAC
«Atentado aos interesses nacionais»


A Comissão Política do PCP realizou uma primeira abordagem das propostas da Comissão da União Europeia para a revisão das normas de aplicação dos Fundos Estruturais e a alteração de algumas das políticas agrícolas. E, em conferência de imprensa, deu nota das conclusões «inequívocas» a que chegou.

Agostinho Lopes, membro da Comissão Política, acompanhado de Lino de Carvalho, deputado da Assembleia da República, e de Joaquim Miranda, deputado do Parlamento Europeu, em declaração que a seguir se transcreve, alertou para o «grave atentado aos interesses do País» que representaria a concretização «tal e qual» das propostas anunciadas, designadamente no que se refere à total substituição da produção agroalimentar nacional por produção importada, à substancial redução dos fundos recebidos por Portugal e favorecimento dos países mais ricos da União Europeia.

A Comissão Política considera que deve começar-se por denunciar e criticar profundamente a forma como o governo PS abordou a chamada Agenda 2000. Se houve ou há «estratégia negocial», ela evidencia-se como um rotundo fracasso.
Depois de meses a fio de subestimação da gravidade das propostas contidas na Agenda 2000 - recordar que foram tornadas pública em Julho de 1997 - que já prefiguravam as orientações e medidas agora pormenorizadas, até à aceitação e aprovação, sem qualquer objecção, no Conselho de Dezembro, do processo de alargamento a Leste, tudo cobrindo com palavras e discursos de um optimismo balofo, o Governo PS aparece agora a fazer o papel de dama ofendida e indignada.
Apesar dos avisos que foram sendo feitos desde há meses pelo PCP o Governo, sempre na linha de que o segredo é a alma do negócio, não deu ao País uma informação rigorosa sobre o que se tramava, inviabilizou assim uma efectiva mobilização e convergência de forças sociais e políticas para a defesa dos interesses nacionais.

Agitando para uso interno um «oásis económico» que depois desmente em Bruxelas, embandeirando em arco com o 1º Pelotão para a Moeda Única, ou proferindo afirmações de satisfação ou de expectativa positiva sobre os documentos e declarações de Bruxelas, o Governo PS acabou por fragilizar gravemente a posição negocial do País.
Foi e é insustentável que o Governo português, pela boca do ministro dos Negócios Estrangeiros, tenha afirmado que a proposta de reforma da PAC «abre perspectivas interessantes», e que o ministro da Agricultura tenha subscrito as conclusões do Conselho de Ministros da Agricultura de Novembro de 1997, onde se afirma que «as perspectivas a longo prazo sobre os principais mercados agrícolas constantes da Agenda 2000 podem ser considerados como uma hipótese de trabalho aceitável». Como é revelador de uma posição que não serve os interesses da agricultura nacional que, perante as propostas conhecidas, o ministro Gomes da Silva tenha recentemente afirmado que existem nelas «doutrina política suficiente para salvaguardar o essencial das nossas posições».
E é absurdo, até do ponto de vista negocial, que os membros do Governo façam agora declarações de optimismo, como a feita pelo ministro da Agricultura, de que o País poderá recuperar nas transferências para a agricultura o que perderá nos fundos estruturais!
Não repudiando à partida e de forma clara as propostas contidas na Agenda 2000, o Governo acabou por, implicitamente, aceitar os desenvolvimentos agora especificados em projectos de regulamento.

A Comissão Política não pode também deixar de denunciar a hipocrisia do que sobre o assunto proferiu recentemente Marcelo Rebelo de Sousa, bem como as lágrimas de crocodilo vertidas sobre a situação da agricultura portuguesa.
Todos os portugueses se lembram que foi sob o governo PSD de Cavaco Silva, que um ministro do PSD «orgulhosamente» presidiu à anterior reforma da PAC, que agora a Agenda 2000 desenvolve nas suas orientações fundamentais. Que foi o governo do PSD que conduziu a agricultura portuguesa ao descalabro conhecido.

Todo o quadro negro que se perfila para os interesses nacionais resulta ainda mais negro quando se têm em conta as notícias vindas a público sobre a recente reunião informal dos ministros das Finanças da União Europeia, onde alguns países contribuintes líquidos do Orçamento Comunitário, com a Alemanha à frente, se afirmaram seriamente dispostos a reduzir o nível das suas contribuições, e se avança a possibilidade de países como Portugal terem de aumentar as suas remessas para a União Europeia, ou verem reduzido à sua participação no Fundo de Coesão.


Fundos estruturais diminuem

Sobre a reforma das regras que presidem à aplicação dos fundos estruturais, deve começar por sublinhar-se que o tecto dos recursos comunitários (pagamentos) será, no que respeita aos actuais quinze Estados membros (com ou sem alargamento), inferior a 1,16% do PNB, no termo do período 2000/2006. Isto porque ao tecto global de 1,27% do PNB (igual ao definido em Edimburgo para o actual quadro financeiro comunitário), há que retirar 0,11% para a adesão dos países de Leste, mais os montantes fixados especificamente para a pré-adesão. E é de recordar que os valores absolutos apresentados pela Comissão decorrem de um quadro francamente optimista: crescimento médio de 2,5%/ano para os actuais quinze Estados membros e de 4%/ano para os candidatos à adesão e uma taxa de inflação de 2%.

Destes limites decorre inevitavelmente uma redução das despesas com as acções estruturais. Em termos absolutos, sofrerão uma diminuição de 17% (de 39.025 mecu em 1999 para 32470 mecu em 2006) e, em termos relativos, passará de 38% do total do orçamento comunitário para 30%, no mesmo período. Simultaneamente, e ainda no mesmo período, aumentarão as despesas com agricultura (mais 14%), com as políticas internas (mais 15%), com a política externa (mais 15%), com a administração (mais 12%).
Para Portugal é de admitir que isto signifique uma perda de cerca de 500 milhões de contos e o lugar de segundo país mais prejudicado com o processo de alargamento a Leste da União Europeia.

Algumas questões merecem uma referência específica.

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Agricultura impedida de crescer

As propostas de reforma da Política Agrícola Comum apresentadas pela Comissão Europeia no último Conselho de Ministros da Agricultura (de acordo com a versão que veio a público) são inaceitáveis para a agricultura e os agricultores portugueses. Segundo a Comissão Política do PCP porque:

— Continuam a discriminar as culturas específicas dos países do Sul e as que mais pesam no rendimento das explorações familiares. Enquanto as «grandes culturas», típicas das regiões do Centro e Norte da Europa e das grandes explorações (cereais, leite e carne de vaca) aumentarão o seu peso no orçamento agrícola da Comunidade entre os anos 2000 e 2006 de 57% para 64%, as produções específicas dos países da orla mediterrânea e dos pequenos agricultores (como o azeite, as frutas e legumes, o vinho e o tabaco) vêem diminuir o seu peso nas despesas agrícolas da Comunidade de 14% para 12%. Importa recordar que estas produções características da agricultura portuguesa representam 64% das explorações, ocupam 57% da força de trabalho e com apenas 36% da superfície total contribuem com 67% para o VAB do sector.

— Impõem tectos de produção sob a forma de quotas às culturas mais adequadas às condições edafoclimáticas de países como Portugal, impedindo a agricultura nacional de crescer nas únicas produções onde tem vantagens comparativas e capacidade concorrencial no âmbito dos sistemas culturais europeus. É o caso do azeite, do vinho e das frutas e legumes, por exemplo. No que se refere ao azeite a possibilidade anunciada (e que parece ser suficiente para contentar o Ministro Gomes da Silva) de Portugal poder continuar a plantar olivais nos próximos três anos esconde que essa «excepção», a ter como limite uma quota de 43.700 toneladas, inviabilizará o objectivo de 120.000 toneladas/ano previsto no Plano Oleícola Nacional como meta da expansão da produção oleícola nacional prevista para o ano 2015. Como esconde igualmente a supressão da ajuda ao consumo, da ajuda diferenciada para os pequenos agricultores e da ameaça, que continua de pé, de substituir a ajuda à produção pela ajuda à árvore daqui a três anos. Além de que é inaceitável que numa produção cujo consumo tem enormes potencialidades de expansão para a ordem dos 2 milhões de toneladas a Comissão Europeia queira estabelecer um limite de pouco mais de 1,5 milhão de toneladas para satisfazer as exigências das multinacionais produtoras de outros óleos, prejudicando as possibilidades de expansão de uma cultura das de maior interesse para os países do Sul. Também de acordo com os dados conhecidos as propostas da Comissão Europeia apontam para o congelamento das ajudas ao vinho e diminuição nas frutas e legumes.

— Amarram os países às suas produtividades históricas o que é o mesmo que dizer que amarram Portugal ao seu próprio atraso.

— Impõem diminuições de preços no caso do leite (menos 17%), da carne de bovino (menos 30%) e dos cereais (menos 20%), só parcialmente compensados, visando prosseguir a desregulamentação dos mercados, o que se traduzirá numa nova diminuição dos rendimentos dos produtores.

O anunciado tecto nas ajudas às grandes explorações, a confirmarem-se os números que vieram a público, não passam de poeira atirada aos olhos. Basta recordar que se o limite for de 20 mil contos/ano de ajudas a partir do qual haveria reduções de ajudas, então, no que toca a Portugal, e de acordo com a lista do escândalo da distribuição das ajudas que o PCP divulgou há cerca de um ano, só cerca de 20% dos grandes beneficiários seriam afectados. E nada aponta que as poupanças assim conseguidas revertam para aumentar os apoios aos pequenos agricultores.
Acresce que a criação dos já intitulados «envelopes nacionais», á custa da redução dos apoios comunitários, poderá constituir - se ficar dependente das disponibilidades orçamentais de cada País para completar o valor do «envelope» - a porta aberta para a renacionalização da PAC (que o Reino Unido, por exemplo, há muito vem defendendo) o que, em condições de total liberalização dos mercados, se traduziria numa ainda maior redução relativa dos apoios a receber pelos agricultores portugueses por comparação com os agricultores de outros países com mais fortes disponibilidades financeiras.
Entretanto nada se sabe e, em muitos casos nada existe, quanto a modalidades de apoio que permitam reconverter os sistemas produtivos nacionais, quanto ao alargamento das indemnizações compensatórias aos agricultores a tempo parcial e às explorações com menos de 2 hectares, quanto à necessária e urgente reestruturação fundiária, quanto à promoção do associativismo de produção e ao reforço e reestruturação dos circuitos de escoamento da produção, etc..

Assinalamos, nesta matéria (para o que já em tempo oportuno tínhamos alertado), como erros graves de estratégia negocial o aceitar-se e, pior, colaborar em reformas parciais das Organizações Comuns de Mercado (OCM), persistindo no erro da reforma da PAC de 1992, de reformas distintas e em tempos diferentes das diversas produções agrícolas. O continuar a aceitar-se, sem discussão ou oposição, como princípios determinantes das alterações das regras da PAC, as orientações compatíveis com as negociações do GATT/OMC, o que imporá sempre, com maiores ou menores compensações financeiras, uma política agrícola comunitária mortífera para os países do Sul.

Todo este quadro vai agravar substancialmente a crise em que vivem os agricultores portugueses e a agricultura nacional. As palavras de propaganda do primeiro-ministro e do Ministro da Agricultura na inauguração da OVIBEJA não conseguem escamotear que os rendimentos dos agricultores portugueses voltaram a cair em 1997 (- 13,7%) enquanto a média de quebra na União Europeia foi de 3,1%, que o saldo da Balança Comercial Agrícola se continua a degradar, que as perspectivas da agricultura continuem a agravar-se.
O ministro da Agricultura de Portugal que ainda há bem pouco tempo afirmava em entrevista para consumo interno que «a PAC é uma política anti-coesão» já está a ensaiar argumentos para vir a aceitar uma reforma da PAC que vai agravar sensivelmente a «política anti-coesão». Ao deixar cair a defesa da «especificidade da agricultura portuguesa», ao fixar limiares extremamente baixos para as exigências nacionais, ao ler nas propostas do Comissário Fischler virtudes que elas não contêm, o Ministro Gomes da Silva está a preparar o terreno para, como do antecedente, aceitar uma Reforma que agravará ainda mais as dificuldades estruturais da agricultura portuguesa a troco de dez reis de mel coado.

A Comissão Política do PCP reafirma a sua disponibilidade para articular a sua intervenção, nomeadamente no quadro do Parlamento Europeu, relativamente a estas questões com outras forças e instituições sociais e políticas, no sentido de potenciar a força negocial do País e defender os interesses nacionais.


«Avante!» Nº 1269 - 26.Março.98