Lino de Carvalho
na Conferência Parlamentar sobre os Oceanos
Protecção
dos recursos marinhos
exige novas regras e medidas
O respeito pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, preservando, designadamente, os conceito de Zona Económica Exclusiva, Zona contígua e Mar Territorial, a par da consideração e valorização das diferentes formas de pesca, bem como da adopção de procedimentos de controlo do esforço de pesca, com compensações adequadas a pescadores e armadores, constituem algumas das medidas preconizadas por Lino de Carvalho, deputado à Assembleia da República e do Grupo Unitário da Esquerda Europeia, em relatório por si apresentado no Conselho da Europa, no quadro da conferência parlamentar sobre os oceanos.
Apreciado faz hoje oito dias, em Paris,
aquele importante documento subscrito por Lino de Carvalho, na
qualidade de relator, para além desse conjunto vasto de medidas
concretas, define simultaneamente os princípios a que devem
obedecer as orientações de política em matéria de gestão das
pescas e as medidas de controlo do esforço pesqueiro.
Defender os recursos biológicos marinhos e intervir no sentido
de uma adequada política de pescas, eis, em síntese, as grandes
linhas e objectivos que percorrem todo o texto ao longo das suas
40 páginas.
Da importância que estas questões assumem sobretudo para o
nosso País falámos ainda muito recentemente nas páginas do
"Avante!", por ocasião da divulgação pública do
relatório, em conferência de imprensa na Assembleia da
República.
Na altura, o parlamentar do PCP não deixou de chamar a atenção para a relevância que o assunto tem para Portugal, pondo em destaque, por um lado, a questão da progressiva escassez de recursos, e, por outro, as crescentes medidas restritivas ao seu acesso, sem falar das pressões sobre os mares territoriais (12 milhas) e zonas económicas exclusivas.
Em vésperas da revisão da Política Comum de Pescas - quando são notórias as pressões com vista à total liberalização do sector, tendo por trás interesses que não escondem a sua ambição de comunitarizar todas as águas, incluíndo o mar territorial até às 12 milhas - , ganham, pois, acrescida importância as propostas agora defendidas por Lino de Carvalho, na exacta medida em que podem constituir-se, também, como factor de esclarecimento no sentido de formar uma opinião e uma consciência internacional que contribua para a defesa dos interesses nacionais e do sector pesqueiro.
Aspectos estes que não puderam deixar de estar presentes na intervenção proferida por Lino de Carvalho, na passada semana, em La Villette, e que se consubstanciaram no apelo final por si deixado no sentido de ser lançada - quando 1988 foi eleito pela ONU como o Ano Internacional dos Oceanos e em Lisboa decorre a Exposição Mundial tematicamente dedicada aos oceanos - uma "campanha de informação e sensibilização da opinião pública europeia sobre a importância dos oceanos e dos seus recursos".
Intervindo no painel dedicado aos recursos
biológicos marinhos, Lino de Carvalho começou por destacar a
importância que os recursos pesqueiros nas suas vertentes "económica,
social e ambiental" assumem nas políticas do Mar.
Os factores que interferem nos "equilíbrios
oceânicos", designadamente o conjunto de "actividades
que interagem entre si" com consequências nesse plano -
desde o esforço de pesca até ao processo de crescente
urbanização nas orlas costeiras com impactes de natureza
ambiental - , foi outra das questões por si levantada, a qual,
em sua opinião, coloca com grande agudeza a necessidade de "articulação
entre as várias disciplinas e instituições que se interrogam e
se preocupam com os oceanos".
A resposta a esta necessidade, do seu ponto de vista, a exemplo
do que defende também o Conselho da Europa, pode ser a criação
de uma "Agência Europeia do Mar". Este "instrumento
de articulação", no entanto, terá de possuir
adequados meios financeiros e humanos, do mesmo modo que,
observa, terá de ser respeitada e valorizada a especificidade e
a autonomia daquilo a que chamou os "diferentes
sub-sistemas que operam nos oceanos", como é o caso das
pescas.
Foi sobre esta área especifica - no quadro da exploração
sustentada dos recursos biológicos marinhos - que mais
desenvolvidamente se deteve Lino de Carvalho, fazendo notar que o
"problema do controlo do acesso aos recursos
transformou-se, nos últimos anos, na pedra de toque de toda a
política de pescas".
"O relatório da FAO de Março de
1997 e que analisa a evolução das 200 principais espécies
marinhas exploradas no mundo realça a rápida intensificação
do esforço de pesca e revela um crescimento progressivo da
percentagem de stocks que devem ser objecto de medidas de
controlo. De uma percentagem de praticamente zero por cento em
1950 passou-se para mais de 60% em 1994. O volume de peixe
pescado no mundo passou, entretanto, de 20 milhões de toneladas
em 1950 para cerca de 90 milhões de toneladas em 1995",
assinalou.
A explicação para a evolução operada, segundo Lino de
Carvalho, reside sobretudo em duas ordens de razões: "o
incremento do esforço de pesca mas também razões de natureza
ambiental". Em qualquer dos casos, porém, a situação "não
é uniforme" para todos os países ou regiões,
explicou, como o não é para todas as frotas e para todos os
segmentos de pesca.
Assim sendo, para o parlamentar comunista, importa que as medidas de política em matéria de gestão das pescas e as medidas de controlo do esforço pesqueiro assentem em determinados princípios. Deles falou também, destacando, basicamente, os seguintes:
- "Exploração dos recursos compatível com a sua renovação e a viabilização, sobrevivência e desenvolvimento das comunidades piscatórias;
- Descentralização das medidas de gestão adaptando-as à especificidade e à bio-diversidade geográfica de cada zona;
- Investigação integrada, no quadro de uma abordagem global dos problemas dos Oceanos e de uma cooperação científica reforçada entre os Estados e os institutos de investigação científica e tecnológica da Europa. Aplicação do princípio de precaução, isto é, tomar em consideração as previsões científicas quando apontem para a sobreexploração dos stocks mesmo com incertezas e falta de informação completa".
Lino de Carvalho defendeu ainda que qualquer restrição de pesca não poder deixar de ser acompanhada por "medidas compensatórias de apoio para pescadores e armadores", considerando, por outro lado, ser necessário que todos aqueles que operam no sector - pescadores, armadores e indústria - "sejam envolvidos na análise dos resultados das investigações".
No que se refere às medidas concretas por si preconizadas, destaque, desde logo, para o que considerou ser o respeito devido à Convenção nas Nações Unidas sobre o Direito do Mar, preservando, designadamente os conceitos de Zona Económica Exclusiva, Zona Contígua e Mar Territorial.
Em relação a este último - onde se concentra grande parte dos recursos disponíveis, das frotas e do emprego -, especificou, "deve o acesso continuar a ser reservado exclusivamente às frotas nacionais de cada um dos Estados", defendendo, por outro lado, no que se refere à Zona Contigua, que "deve ser concedido o direito preferencial de pesca ao Estado ribeirinho, admitindo, para certos países, quando as especificidades geográficas o justifiquem, a possibilidade do seu alargamento até às 50 milhas náuticas".
Já em relação à Zona Económica Exclusiva, na perspectiva de Lino de Carvalho, devem manter-se os direitos de soberania e o exercício da respectiva jurisdição por parte do respectivo Estado costeiro.
Como segunda grande medida por si advogada surge o "respeito pelo Código de Conduta para uma Pesca Responsável", da FAO, a que deve ser acrescentada, disse, a "ideia de comércio responsável".
Em terceiro lugar, no entender do parlamentar do PCP, deve atender-se à "valorização das diferentes formas de pesca", sendo que a pesca de forma artesanal constitui, do seu ponto de vista, "o segmento das frotas com maior importância estratégica", importância essa que advém não apenas pelo contributo essencial que dá para o abastecimento de pescado fresco, como também "pela economia de meios utilizados e pelo emprego que gera", como ainda "pelo contributo para a fixação e estabilidade das comunidades piscatórias", sem contudo deixar de ser igualmente valorizada a pesca comercial e industrial.
Defendidas por Lino de Carvalho - e este foi o quarto ítem de grandes medidas por si elencadas - foram igualmente várias acções de controlo e de redução do esforço de pesca, entre as quais citou, por exemplo, a limitação de capturas por zona, a contingentação do número de dias de saída dos navios para os mares, a redução das capturas acessórias, o controlo por satélite dos grandes navios de pesca, bem como o controlo do número de licenças de pesca e da duração de pesca, a definição de quotas, ou medidas de protecção da fracção juvenil do stock.
Sublinhando que a Política Comum de Pescas "não tem sido uma história de sucesso", reconheceu, por último, que há, nos países do Conselho da Europa, diferentes modelos de gestão das pescas. Lino de Carvalho alertou, contudo, para as desvantagens de sistemas usados em países como a Islândia - os chamados «direitos individuais de pesca» - por conduzirem à "«privatização dos mares», com a concentração monopolista das frotas e por serem inaplicáveis nos casos de pescarias multiespecíficas".
_______
|
_______
Em defesa dos oceanos e das pescas
O relatório elaborado pelo deputado comunista Lino de Carvalho, a solicitação da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, no quadro da sub-comissão de Pescas da Comissão de Agricultura e do Desenvolvimento Rural, tem como base temática a exploração sustentada dos recursos biológicos marinhos.
Ao longo das suas 40 páginas, o documento, elaborado com o apoio da Comissão de Pescas do PCP, desenvolve-se em vários capítulos cobrindo um conjunto vasto de temas, desde a questão dos recursos biológicos marinhos, até à protecção do ambiente marinho e ordenamento das zonas costeiras, passando pela gestão e conservação dos recursos de pesca, até aos regimes de acesso aos recursos biológicos marinhos (ZEE, Mar Territorial e Zona Contígua).
São alguns dos aspectos essenciais desse documento que deixamos ao cuidado do leitor.
A importância das pescas não pode ser
medida apenas pela sua contribuição para o PIB ou através de
outros indicadores que são habitualmente utilizados para avaliar
os aspectos económicos das diferentes actividades, mas devemos
ter em consideração o facto de que os recursos e os produtos da
pesca são uma parte fundamental da alimentação e do emprego.
No quadro da alimentação, deve-se referir que em certos países
da Europa 40% das proteínas necessárias provém da pesca, o que
corresponde a 15% das despesas com a alimentação da
população. (...)
Se juntarmos à pesca as possibilidades que a aquacultura marinha
oferece (peixes, moluscos e crustáceos), podemos estimar que o
oceano representava em 1994 (estatísticas da FAO) um recurso
explorado em 90,4 milhões de toneladas a nível mundial (84,3
milhões de toneladas pela pesca marinha e 6,1 milhões de
toneladas pela aquacultura)1. No que diz respeito à Europa
(Europa Ocidental e de Leste), as mesmas estatísticas da FAO
revelam que em 1995 a produção da pesca marinha elevava-se a
11,4 milhões de toneladas e a da aquacultura a 1 milhão de
toneladas. A Noruega é o primeiro país europeu em actividades
de pesca e de aquacultura marinhas (uma produção total de 2,5
milhões de toneladas), elevando-se as capturas dos países da
União Europeia a cerca de 7 milhões de toneladas. (...)
O relatório apresentado por ocasião da
22ª Sessão do Comité das Pescas da FAO, em Março de 1997, em
Praga, ao fazer a análise da evolução das 200 espécies
marinhas mais exploradas mundialmente, põe em evidência a
rápida intensificação do esforço de pesca e salienta "um
crescimento progressivo da percentagem de stocks que devem
ser objecto de medidas de controlo: de praticamente zero por
cento em 1950 a mais de 60% em 1994". Preconiza, enfim,
"medidas eficazes para controlar e reduzir a capacidade de
captura e o esforço de pesca". (...)
Em todo o caso, o problema do controlo do acesso aos recursos é
a pedra de toque de qualquer política de pescas.
Em resumo, a situação actual das pescas europeias exige das
autoridades responsáveis pela sua gestão, medidas que permitam
futuramente uma exploração dos stocks compatível com a
renovação dos mesmos e com a sobrevivência e bem estar das
comunidades de pescadores e dos armadores. (...)
Todas as medidas de gestão que impliquem um ajustamento das
actividades das frotas de pesca aos recursos disponíveis em cada
ano, devem ser aplicadas com o acordo das organizações
representantes dos trabalhadores do sector da pesca e dos
armadores, e devem ser acompanhadas de medidas adequadas para
responder às consequências sociais. (...)
A Convenção das Nações Unidas sobre o
Direito de Mar de 1982 definiu a zona económica exclusiva como
uma zona que vai até às 200 milhas marítimas das linhas de
base e onde o Estado costeiro tem "direitos de soberania
para fins de exploração e aproveitamento, conservação e
gestão de recursos naturais" e exerce a respectiva
jurisdição. (...)
A mesma Convenção definiu também o Mar Territorial como parte
integrante do território nacional e, em consequência, atribuiu
ao País ribeirinho a soberania exclusiva dessa zona. (...)
Neste quadro mais se justifica a manutenção do regime existente
que limita o acesso às águas do Mar Territorial, defendendo-se
o principio da exclusividade das 12 milhas para as frotas do
respectivo Estado costeiro.
Como igualmente se justifica a defesa de um conceito de
preferencialidade no acesso aos recursos numa faixa contígua ao
Mar territorial, permitindo cobrir os recursos pesqueiros mais
importantes para a viabilidade das frotas costeiras e como zona
de controle e protecção dos recursos.
É de notar que a Espanha estabeleceu recentemente no
Mediterrâneo uma zona de protecção pesqueira até às 49
milhas marítimas para o exercício dos direitos soberanos tendo
em vista a conservação dos recursos marinhos vivos e a gestão
e o controlo da actividade das pescas. (...)
A investigação haliêutica é um
instrumento essencial de uma política de pescas. Permite
identificar os factores que condicionam a evolução dos
recursos, avaliar os stocks e pôr em funcionamento
modelos que permitam prever a sua evolução.
A investigação haliêutica deve também tomar em consideração
a relação cada vez mais estreita entre a pesca e o ambiente,
particularmente nas zonas costeiras que apresentam problemas
específicos. Estas zonas são o local privilegiado da prática
da pesca artesanal. (...)
A investigação das pescas além da componente biológica,
deverá contar também com o apoio científico sobre a tecnologia
das pescas e do pescado, do ambiente, da sociologia, da economia
e com a opinião e experiência de pescadores e armadores mas de
qualquer modo deverá estar sempre associada ao organismo
governamental com a responsabilidade das pescas.
O importante é que:
- A investigação se realize e se desenvolva orientada para as pescas e para os recursos pesqueiros.
- A obtenção de informação e de dados necessários seja intensificada e melhorada.
- A informação seja levada ao conhecimento e analisada, em tempo útil, por todos os interessados.
- Os recursos financeiros e económicos para o desenvolvimento e para a formação e aperfeiçoamento dos investigadores e técnicos sejam disponibilizados e não reduzidos.
- Os recursos humanos sejam adequados ao preenchimento de quadros científicos e técnicos promovendo-se o recrutamento de novos elementos considerados necessários.
- A investigação se possa realizar, desenvolver e ser divulgada com independência e responsabilidade.
- a colaboração se concretize entre institutos, organismos científicos e universidades associados directa ou indirectamente à pesca.
Protecção do
meio ambiente marinho e planeamento da costa
A zona costeira que compreende a costa, a
superfície continental e os mares regionais, denominado litoral
no sentido geográfico do termo, é uma zona frágil e em
constante evolução. A produtividade biológica do litoral é
muito importante4 e é também local de uma intensa actividade
humana: pesca, aquacultura, cabotagem, indústrias portuárias,
turismo. Recebe as águas carregadas de contaminantes (dejectos
urbanos, agrícolas e industriais), drenadas pelas bacias
vazantes dos rios e reunidas em direcção aos estuários. (...)
É necessário compreender o conjunto de fenómenos físicos,
químicos e biológicos que condicionam a evolução do litoral,
em particular a evolução da sua morfologia e dos ecossistemas
que aí se desenvolvem e que, por exemplo, podem conduzir à
erosão de uma costa ou à proliferação periódica de algas,
por vezes tóxicas, que representam um verdadeiro prejuízo para
a aquacultura e para o turismo. (...)
A protecção e o planeamento do litoral são indispensáveis à
escala europeia e devem ser tomados em conta nas políticas de
planeamento do território, designadamente na perspectiva das
alterações climáticas apontadas para as próximas
décadas.(...).
Uma política de planeamento das costas deverá também ter em
consideração a necessidade de sanear o meio costeiro,
eliminando as fontes de poluição industrial ou urbano.
Deve também respeitar o ambiente, muitas vezes desfigurado por
um urbanismo descontrolado. (...)
O Conselho da Europa, numa resolução votada em 1993, convidou
os Estados membros a constituir uma Agência Marítima Europeia,
encerregada de coordenar iniciativas que contribuam para que a
Europa consiga atingir progressivamente uma concepção coerente
de uma política marítima, definindo os seus objectivos e os
meios necessários para os atingir, no quadro de uma necessária
abordagem interdisciplinar e intersectorial.
_____
Da protecção dos
oceanos ao avanço da ciência
A Conferência Parlamentar sobre os Oceanos realizada faz hoje oito dias em La Villette, Paris, por iniciativa do Conselho da Europa, desenvolveu-se em três painéis temáticos. Após a sessão de abertura, na qual interveio Mário Soares, na qualidade de presidente da comissão mundial independente sobre os oceanos, iniciaram-se os trabalhos sobre o primeiro tema, subordinado à protecção dos oceanos e cooperação internacional. A questão dos recursos biológicos marinhos foi o segundo tema proposto à discussão dos participantes num painel em que interveio o deputado comunista Lino de Carvalho, que apresentou o relatório sobre esta matéria por si elaborado a pedido da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. Neste painel intervieram também os ministros da Agricultura e Pescas da França e da Islândia.
Os maiores desafios da ciência e tecnologia do mar na Europa foram, por sua vez, o tema que preencheu o terceiro painél, no qual intervieram o ministro português da CIência e Tecnologia, Mariano Gago e o deputado Pedro Roseta.
Está entretanto já agendada uma outra reunião, na sequência desta Conferência Parlamentar, a realizar em Lisboa, em 31 de Agosto e 1 de Setembro, após o que, em Setembro, em sessão plenária do Conselho da Europa, haverá lugar ao debate e votação final do relatório elaborado por Lino de Carvalho, no âmbito do Ano Internacional dos Oceanos.
Entretanto, o Grupo Parlamentar do PCP tem já agendado para o próximo dia 27 de Abril, na Assembleia da República, um colóquio sobre os recursos pesqueiros.