Os trabalhadores precisam deste Partido

Por Jerónimo de Sousa
Membro da Comissão Política


Das orientações mais relevantes que incorporam as conclusões do Comité Central do PCP, na sua reunião de 14 e 15 de Fevereiro, destacam-se a acção para o reforço da organização junto dos trabalhadores, a priorização de uma linha de luta reivindicativa e iniciativa política, a defesa activa de uma política de desenvolvimento e de emprego com direitos e de uma justa repartição do rendimento nacional.

A situação actual e o grau da ofensiva aos direitos e interesses dos trabalhadores reclamam um Partido de luta e de proposta, reforçado e dinamizado a partir de um novo impulso militante. É que o Governo PS, embora de forma e com estilo diferentes, insiste e persiste na desvalorização do trabalho e dos trabalhadores procurando, ainda que de forma doseada, desregulamentar e minar alguns fundamentos do direito do trabalho.


Situemo-nos em factos e afirmações

O Governo proclamou que havia crescimento económico, propagandeou a descida do desemprego, acentuou o seu discurso, a sua consciência social respeitadora dos direitos laborais. Parece que há crescimento económico e ganhos de produtividade. Quem ganhou com isso? Decerto que não foram os trabalhadores, referindo como exemplo a imposição unilateral dos 2,75% de aumento salarial para a Administração Pública e mais umas décimas para o Salário Mínimo Nacional. O Ministro Cravinho desmentiu recentemente, em Bruxelas, o que o Governo vinha dizendo em Portugal sobre a realidade do desemprego, apanhado na contradição de querer "sol e chuva no nabal". Ferro Rodrigues anuncia para breve a fórmula como o Governo quer paulatinamente pôr em causa o carácter universal da Segurança Social, começando por empurrar para fora do sistema os descontos mais elevados, há muito aguardados pelas seguradoras privadas.

Pina Moura, recém-promovido a Ministro da Concertação, resolve apresentar aos parceiros sociais uma espécie de euro-pacto, articulado com uma imensidão de medidas e iniciativas legislativas que resultam do "congelado" Acordo de Concertação Estratégica e do trabalho de "capelinha corporativa" da tristemente célebre Comissão de Acompanhamento.

Não direi que o homem trocou Marx por Maquiavel, mas vale a pena ver no concreto como é que quer fazer a coisa.

Sabido que é, que com grande grau de probabilidade, Portugal vai entrar no primeiro grupo do Euro, a anunciar pelas instituições comunitárias em 3 de Maio, haveria que, em primeiro lugar, envolver os parceiros sociais na corresponsabilização das implicações do Euro e, em segundo lugar, como um pouco de propaganda ajuda sempre, montar-se-ia em cima da data um daqueles actos públicos que, na gíria sindical, é caracterizado por mais um "tchin-tchin" concertacional.

Sobre a questão do Euro, o movimento sindical vai colocar-se, decerto, uma solução construída à força, porventura irreversível. O que não pode ser esquecido é que foi Maastricht, retocado em Amsterdão, quem determinou o caminho e configurou toda uma construção europeia determinada para servir os interesses do grande capital multinacional e pela secundarização da coesão económica e social e do emprego, ou seja, se esquecêssemos as causas e as origens (e também as responsabilidades de cada governo concreto) isto levaria ao engano os sindicatos ou pior, os trabalhadores, quanto às consequências de todo este processo. Decerto que num quadro contraditório, a CGTP não abdicará, em nenhuma sede, de lutar pelas suas propostas na defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores. Afirmou-o na reunião da sua Comissão Executiva sem omitir que "os trabalhadores e os povos da Europa já pagaram e vão continuar a pagar um preço muito elevado neste processo porque a Moeda Única foi construída à custa da secundarização da coesão económica e social da União Europeia".

O problema maior do Ministro da Economia era o de saber como articular este projecto de euro-pacto com as medidas, algumas delas bem gravosas, que incorporam o Acordo de Concertação Estratégica. Então... pronto! Acaba-se com a Comissão de Acompanhamento, aproveita-se o seu trabalho e o Governo chama a si a responsabilidade da iniciativa legislativa. Tal atitude repõe não só aquilo que política e institucionalmente nunca devia ter acontecido, designadamente quando o Governo abençoou aquela aberração corporativa. Mas, e os conteúdos dessas iniciativas? Só no plano laboral são vinte medidas e propostas de lei.

Os títulos obrigam a revisitar o Acordo Estratégico e lá se encontra o que se pretende: alterar a Lei da Contratação, o lay-off, o conceito das férias, legalizar e alargar a precarização, dar às associações patronais poderes de participação na elaboração da legislação laboral, que os constituintes recusaram, criar uma malha de contenção nos processos negociais.

Estilo pacote laboral? Nem pensar! Faseadas, intercaladas com uma ou outra peça que nem é má, jogando com a possibilidade de os trabalhadores estarem distraídos com o deslumbramento da Expo’98, com a dramatização do debate sobre o referendo da interrupção voluntária da gravidez, com a encenação da direita em torno das leis eleitorais.

Talvez o Governo, como outros anteriores, se engane. Certo e sabido é que mais uma vez vai ser a luta a influenciar não só o tempo e o modo, como os desfechos legislativos. As engenharias concebidas por quem julga ser possível prever reacções e acções por antecipação podem ter efeito mediático, mas não duram sempre. A vida dirá.


Partido de luta e de proposta

Ao contrário do que faz o Governo PS, o PCP, tanto na sua acção política geral como na Assembleia da República, de uma forma combativa, consequente e responsável, continua a bater-se pela valorização do trabalho e dos trabalhadores.

Fê-lo quando tomou a iniciativa legislativa da redução do horário de trabalho para as 40 horas, sobre a legitimidade da intervenção das associações sindicais nos processos jurídicos, sobre o fim da discriminação dos jovens no Salário Mínimo Nacional dá-lhes expressão concreta, quando ainda hoje, na Assembleia da República, continua a ser a porta mais franqueada às organizações dos trabalhadores, reformados, estudantes e agricultores. Mas também, e fundamentalmente, constitui na vida política nacional e no espectro das forças partidárias mais significativas a voz e a força ímpar que anima e dá confiança aos trabalhadores, como se provou na luta pelas 40 horas, que tem rosto e protagonismo generoso e militante nos têxteis, na Cabos Ávila, nas minas de Aljustrel ou da Somincor, nos ferroviários, na Carris, na Sodia (ex-Renault), nos EFFAS, na Administração Pública, na Gás Portugal, na construção e nos cimentos, nos rodoviários, na Central-Cer, no movimento sindical e nas comissões de trabalhadores.

Os trabalhadores precisam deste Partido. Também este Partido precisa dos trabalhadores que, com outros sectores da sociedade, com homens e mulheres de esquerda serão a parte constitutiva que há-de possibilitar e abrir caminho a alternativas políticas reais onde pesem e contem as aspirações e o direito do trabalho direccionadas para a concretização de um projecto de esquerda e de poder.


«Avante!» Nº 1269 - 26.Março.98