Solidariedade, S.A.
Da entrevista com o ministro Ferro Rodrigues publicada no Diário de Notícias da passada segunda-feira, bem ao estilo da política dita dos pequenos passos e dos pesos e contrapesos a que o titular da pasta da solidariedade já foi habituando os seus leitores, não seria difícil de retirar algumas propostas ou ideias consensuais ou de fácil consensualização. Do género: "universalidade dos direitos, mas defendendo a diferenciação positiva dos direitos beneficiando a quem mais precisa"; "redução da taxa social única às empresas mais empregadoras" ... "compensada ao nível do Orçamento do Estado"... a partir, por "hipótese", de "uma sobretaxa nos impostos mais ligados ao capital"; "correspondência entre os anos de contribuições e os direitos".
Mas dificilmente poderia
ser imaginada uma maior capacidade que a exibida pelo ministro de associar um discurso
"social" e "solidário", como se diz actualmente, com o anúncio das
inclinações oficiais, de inspiração neo-liberal, em relação às questões de fundo
que se prendem com a Segurança Social e o seu futuro.
Nesse domínio a questão incontornável chama-se plafonamento ou redução do
sistema público, quer da Segurança Social quer do regime da Função Pública, que o
ministro assumiu e situou nos cerca de trezentos contos.
A verdade é que não foi até hoje produzida qualquer demonstração credível de que os
contribuintes/beneficiários da Segurança Social e do regime da Função Pública, bem
como o próprio sistema público, tenham qualquer vantagem em que acima de um determinado
valor não sejam feitos descontos para a Segurança Social. E o contrário, a afirmação
de que todos perderão com a redução do plafonamento do sistema público
de Segurança Social, tem sido frequentes vezes evidenciada, sem qualquer refutação
objectiva.
Subsiste assim o mistério de saber por que é que o ministro se inclina para uma solução que é pior para o sistema público - e que a ser concretizada consumiria rapidamente na sua privatização parcial as reservas constituídas - e que também não é melhor, nem dá mais garantias, aos contribuintes/beneficiários.
Não é enternecedor ver
o ministro Ferro Rodrigues proclamar a "livre escolha dos cidadãos" recorrerem
a esquemas complementares de reforma acima do plafond, ao mesmo tempo que enfatiza
os incentivos fiscais que vão ser dados aos produtos de poupança privada com essa
finalidade ?
Será que vem aí um OSCAR das seguradoras e das sociedades gestoras de fundos de pensões
para o nosso ministro da solidariedade ? Edgar Correia