Gerir o
desemprego
sem garantir o direito ao trabalho
declaração de Jerónimo de Sousa, da Comissão Política do
PCP,
sobre o Plano Nacional de Emprego
Em documento divulgado anteontem à imprensa, e que aqui se transcreve, o dirigente comunista comenta o plano que nesse dia foi oficialmente divulgado pelo primeiro-ministro e que deverá ser hoje aprovado em Conselho de Ministros.
1. O que qualquer governo verdadeiramente interessado
em responder aos graves problemas do desemprego deveria fazer,
era começar por realizar uma avaliação objectiva da sua
dimensão e das causas reais e estruturais da sua existência.
Ora, o lançamento de mais um Plano Nacional de Emprego, com pompa e circunstância, sem abordagem desses aspectos, denuncia à partida o seu carácter, no essencial, propagandístico, sem prejuízo de algumas medidas pontuais que poderão minorar algumas situações mais dramáticas de desemprego.
Pior, o Governo, pela voz dos seus ministros, continua a dar como verdadeira a evolução da taxa de desemprego, quando é por todos sabido (inclusive referido por departamentos oficiais) o carácter virtual dos valores desse índice publicado pelo Instituto Nacional de Estatística para 1996 e 1997. Esse nível de desemprego só é possível pela contagem de 41 mil e 71 mil «novos» activos agrícolas em 1996 e 1997, na sua maioria identificados como pequenos e médios agricultores, como empregos reais!
Mais grave ainda, o próprio documento de apresentação do Plano, na análise que faz da situação no mercado de emprego, passa por cima daquela anomalia (?!) estatística da evolução recente do emprego/desemprego em Portugal. O documento atreve-se até a falar de «uma moderação do emprego terciário» quando, segundo os próprios dados oficiais, o emprego no sector dos serviços cresceu 0,7% em 1995, 0,6% em 1996 e desceu 1% em 1997!
Isto é, o Governo começa por se recusar a aceitar a real e estrutural dimensão do desemprego em Portugal.
2. Outra questão que deveria ser prévia ao
lançamento de um novo Plano, se a seriedade dos propósitos
enunciados se sobrepusesse à vontade de fazer propaganda, seria
uma rigorosa quantificação e avaliação qualitativa dos
numerosos planos que nos últimos anos foram lançados por
sucessivos governos. Pelo menos, fazê-lo relativamente aos
planos da ex-ministra do Trabalho, Maria João Rodrigues, e à
criação de mais 100 mil postos de trabalho até 1999, previstos
no Acordo de Concertação Social de 1996!
3. Mas o mais grave é que o conteúdo substantivo do
Plano Nacional de Emprego corresponde à concretização das
receitas neoliberais decididas pela Cimeira Europeia sobre o
Emprego (que, aliás, repetiu pela enésima vez, com novas
formulações, o chamado Livro Branco de Delors). Receitas que,
no fundamental e em síntese, se traduzem no levantamento de
obstáculos ao bom funcionamento do mercado de trabalho (ou a
eliminação da rigidez do mercado de trabalho), e no abaixamento
dos custos de força de trabalho.
No meio de um denso nevoeiro, surgem dois objectivos fundamentais
e complementares:
- uma mão-de-obra «flexível», «disponível», adaptável às necessidades das empresas, com medidas sobre o trabalho parcial, trabalho temporário, contratos a prazo e o regime de férias, que se traduzirá num novo acréscimo da precariedade do trabalho;
- uma mão-de-obra barata - medidas para o abaixamento dos custos não salariais (o que significa reduzir as contribuições para a Segurança Social) e os incentivos financeiros para as empresas.
Objectivos que se traduzirão
em novas dádivas ao grande capital e numa nova
desregulamentação das relações laborais.
A inutilidade daquelas políticas e medidas, enunciadas e
concretizadas por diversos governos, é suficientemente
evidenciada pela manutenção de elevadas taxas de desemprego em
Portugal e na Europa, sem que o flagelo mostre tendência para se
esbater.
4. O novo Plano serve ainda de cortina de fumo para o
prosseguimento das políticas pelo Governo PS, elas sim,
geradoras de desemprego. Devem, em particular, destacar-se:
- as políticas que se traduzem na crescente desigualdade de distribuição do rendimento nacional, favoráveis aos detentores do grande capital e desfavoráveis aos que vivem de salários, pensões, rendimentos de actividade por conta própria, etc., restringindo o mercado interno;
- as políticas nacionais e comunitárias que se traduzem na ruína de sectores produtivos nacionais, na agricultura, nas pescas, na indústria;
- as políticas de apoio à aquisição e fusão de empresas, resultando em reestruturações empresariais responsáveis por novos e volumosos despedimentos;
- as políticas de convergência nominal, no caminho para a União Económica e Monetária e a Moeda Única, responsáveis por políticas orçamentais e outras, cerceadoras do investimento e do crescimento económico de que o País necessita e que é possível.
O novo Plano Nacional de Emprego, mesmo considerando as medidas avulsas de conteúdo positivo, designadamente no plano da formação, não será a resposta que os trabalhadores e o País necessitam para garantir o direito constitucional ao trabalho com direitos. É antes, um plano de gestão do desemprego.
«Avante!» Nº 1271 - 9.Abril.98