TRIBUNA
A Taxa Tobin
Por João Amaral
O processo de globalização, tal como se vem concretizando, revela-se cada vez mais como uma nova fase do capitalismo. Mais do que abater fronteiras, o processo de globalização vai eliminando os poderes dos Estados em matéria de política económica e de políticas sociais e ambiental, possibilitando uma mais intensa e brutal exploração.
A especulação bolsista e
cambial, feita à escala global do Mundo, permite ganhos
astronómicos, com consequências devastadoras sobre os países e
sobre as empresas atingidas. A recente crise asiática levou a
miséria e a fome a milhões de seres humanos, desde a Coreia do
Sul à Indonésia. Mas enormes fortunas foram feitas durante as
crises das bolsas, designadamente em Hong Kong e Singapura.
Expressão à escala mundial do modelo de neo-liberalismo
dominante, o processo de globalização exige cada vez mais uma
resposta também global, por parte da "entente" de
forças sociais e políticas que se deverá formar entre os que
se lhe opõem. É uma frente difícil, muito incipiente ainda.
Mas é uma caminho que cada vez mais se apresentará como
necessário.
É particularmente no campo da imposição de garantias e
direitos sociais e ambientais que uma tal luta se poderá e
deverá desenvolver. Mas, algumas ideias, não necessariamente
novas ideias, podem dar um significativo impulso a essas lutas e
à organização de escala mundial que exigem. Poderá ser o caso
da Taxa Tobin.
James Tobin é um reputado e conhecido economista americano,
nascido em 1918. Formado na elitista Universidade de Harvard, foi
professor muitos anos em Yale, tendo recebido em 1981 o prémio
Nobel da Economia, pelos seus trabalhos de investigação na
área financeira e monetária, particularmente sobre as
relações entre os mercados financeiros e o emprego, a
produção e os preços. Teve responsabilidades na
Administração Americana no tempo do Presidente Kennedy, de quem
foi conselheiro para a área económica. Aluno de Schumpeter,
James Tobin pertence ao núcleo de defensores de Keynes, que
criticam e se opõem à moda ultraliberal e à devoção absoluta
pelo valor do mercado cego.
Mas, o que o tornou conhecido e lhe deu grande reputação
internacional foi a proposta formulada em 1972, durante umas
jornadas da Universidade de Princeton, de ser aplicada uma taxa a
todas as transacções monetárias em todo o mundo. A Taxa Tobin,
nome pelo qual passou a ser conhecida, foi proposta com o
objectivo de garantir aos Estados meios para a realização de
políticas macro-económicas, e também para estabilização dos
mercados financeiros afectados por uma extrema volatização,
designadamente pela extrema curta duração de muitas das suas
operações especulativas.
Apresentada nestes termos, a Taxa Tobin foi tomada como uma
proposta capaz de gerar fundos para algumas grandes causas da
humanidade. Não faltou quem propusesse que as suas receitas
fossem entregues à ONU, considerando designadamente que o seu
valor seria suficiente para erradicar as formas extremas de
pobreza que mancham países do terceiro mundo.
Os volumes envolvidos são verdadeiramente astronómicos.
Calcula-se em 1.500 mil milhões de dólares diários o
volume financeiro que anda em circulação à procura das
melhores oportunidades para ganhar com as flutuações das
divisas. A esmagadora maioria dessas transacções fazem-se em
movimentos de ida e volta, em prazos tão curtos, a não
ultrapassarem os sete dias. Um especulador cambial deixou uma
fórmula que resume tudo: "O longo prazo, para mim, são
os próximos dez minutos."
Os resultados da aplicação da Taxa Tobin, por mais pequena que
fosse, seriam assim sempre enormes. O número mais recente
aparecido publicamente refere que a aplicação de uma taxa de
0,1% permitiria recolher anualmente qualquer coisa como 30
mil milhões de contos. Uma tal soma anual, aplicada por exemplo
em programas de irradicação da pobreza em países
subdesenvolvidos da África, Ásia e América Latina, permitiria
dar nova face a muitos países e outras bases para o seu
desenvolvimento. Com os números indicados no Relatório do
Desenvolvimento Humano da ONU, os 30 mil milhões de contos
dariam aos organismos especializados da ONU e às organizações
humanitárias meios orçamentais significativos, para
incrementarem a sua intervenção.
A taxa de 0,1% significa que
quem fizesse uma transacção de mil contos pagaria o valor
irrisório de um conto, menos que o imposto de selo. Mas a Taxa
penalizaria fundamentalmente os especuladores, que fazem
sucessivas operações cambiais. Para um cidadão ou empresa que
faça um negócio anual de mil contos, a taxa é de mil escudos.
Para um especulador que use mil contos, aqueles mil escudos
multiplicam-se pelo número de operações especulativas: por 10,
por 20, por 50!
A Taxa Tobin levanta numerosos problemas técnicos na sua
aplicação. Estão por medir com exactidão os efeitos que teria
sobre os mercados cambiais, mas a maior estabilização que
procura consegue-se como é óbvio com a diminuição das
operações especulativas e portanto com a diminuição do
produto da Taxa. Por outro lado, junto do grupo de economistas
que estuda as possibilidades da Taxa Tobin, certamente que há
outro grupo, pago pelos especuladores, a estudar as formas de a
tornear. Por isso, alguns economistas têm apresentado
complementos à Taxa Tobin, ou outros sistemas que com o mesmo
objectivo, procuram antecipar possíveis contra ofensivas.
Mas, não são os problemas técnicos que têm paralisado a
aplicação da Taxa Tobin. Nem sequer a questão da aplicação
do seu produto. Evidentemente que esse produto é, em primeira
linha, do Estado onde ocorra a situação geradora da taxa, pelo
que aplicações para benefício da ONU teriam de ser objecto de
concertação internacional.
O mundo capitalista, em cujo seio se alimentam os movimentos
especulativos, já foi várias vezes atingido pela especulação
cambial. Para falar dos casos mais recentes, recorda-se o ataque
à libra esterlina feito pela mais tenebrosa figura do mundo da
especulação, George Soros, e que lhe permitiu
"ganhar" em 24 horas qualquer coisa como mil milhões
de dólares, qualquer coisa como o preço da Ponte Vasco da Gama!
Num dia! O resultado foi uma enorme crise do SME, que por pouco
deitava por terra a construção da Moeda Única ...
Depois disso, e depois da crise aterradora do peso mexicano, a
Taxa Tobin aparece como proposta na Cimeira da ONU sobre
Desenvolvimento Social, realizada em Copenhague, em Março de
1995. O próprio Presidente Miterrand lançou a ideia. Mas,
apesar do protesto vigoroso das organizações não
governamentais que realizavam na mesma cidade um Forum paralelo
à Cimeira oficial, a declaração final da Cimeira esquece à
Taxa Tobin.
Mais tarde, na Cimeira de Halifax do G7, a Taxa Tobin voltou a
ser palco de pressões para a sua adopção. A "Iniciativa
Halifax", movimento de base canadiana que tem procurado a
mobilização para soluções radicais do problema da dívida do
mundo subdesenvolvido, tomou a Taxa Tobin como um dos seus pontos
de referência.
Mais recentemente, Ignacio Ramonet e o Monde Diplomatique foram a
base para uma nova força de pressão, o ATTAC (Acção para uma
Taxa Tobin de Ajuda aos Cidadãos).
A Taxa Tobin, ou algo semelhante, será alguma vez aplicada? A
resposta está em dois parâmetros. Por um lado, em saber se o
capitalismo global, que a especulação cambial e bolsista ajuda
a construir, vai poder e querer controlar essa arma de
acumulação brutal.
O segundo parâmetro tem a ver com a luta dos povos. A Taxa Tobin
mitiga a especulação e melhora um pouco a capacidade de
intervenção dos Estados. Por outro lado, produz receitas
capazes de aplicações benéficas, se os Estados quiserem.
Chegará isto para tornar a causa da Taxa Tobin uma causa das
forças do progresso social, que se opõem ao ultraliberalismo?
Pelo menos, algum poder seria tirado ao capital especulativo.
Algum limite, mesmo que pequeno, seria posto ao modelo do
neo-liberalismo. Se assim for, a Taxa Tobin já merece a nossa
atenção.