12º Congresso da FDIM

As mulheres
e o direito ao emprego

Por Rosa Xisto


A Federação Democrática Internacional das Mulheres - FDIM, realiza em Novembro deste ano o seu 12º Congresso.
A situação das mulheres a nível mundial determina que "O direito ao emprego" seja um dos temas centrais em debate.
Cabe ao Movimento Democrático de Mulheres dinamizar esta discussão a nível da Europa, estando, para o efeito, já agendado, para inícios de Julho, um Encontro, em Bruxelas.

O facto de nos encontrarmos a menos de dois anos do novo milénio, obriga a que com acrescida urgência nos detenhamos na análise do exacto ponto em que nos encontramos relativamente ao que constitui a base essencial da emancipação da mulher: o direito a exercer uma actividade remunerada e, a encontrar os caminhos que permitam os passos decisivos, fazendo a História evoluir mais rapidamente nesta matéria.
Hoje a efectivação do direito ao emprego é um dos mais graves problemas sociais, em Portugal e na Europa. No mundo, o desemprego é comparável a uma bomba de efeito retardado com reflexos que se repercutem em expansão. Problema que afecta todos os trabalhadores, sejam mulheres ou homens, mas com agravamentos específicos em relação àquelas.

Constatamos ainda que a presença feminina no mercado de trabalho corresponde a uma tendência de fundo. Os perfis das taxas de actividade femininas e masculinas estão cada vez mais próximas. No entanto, o emprego feminino continua mais segmentado e mais precário. Mantem-se, na generalidade, uma separação nítida entre empregos femininos e masculinos; mantêm-se sistemas de segregação e de marginalização das mulheres; mantem-se a discriminação salarial.

Esta involução ao nível da qualidade do emprego resulta da execução das políticas neoliberais seguidas em Portugal e pela maioria dos governos europeus, com a aplicação de medidas coersivas no plano político e social, de desregulamentação laboral e de desmantelamento dos esquemas de segurança social e permitindo-se ao patronato que utilize a repressão, os baixos salãrios, os atentados aos direitos sindicais, o não cumprimento das leis nacionais ou internacionais (Conferências da OIT, de Pequim, directivas europeias, etc.).
Este modelo político é responsável pelas situações que violentam o quotidiano das mulheres e dos homens em Portugal, na Europa e no mundo. Não são situações que existam por acaso ou por razões exteriores aos países: resultam de decisões de Governos. É desta forma que a precaridade, a exclusão social e a perda de cidadania se instalam. O desemprego situa-se a níveis perigosamente altos: na Europa atinge 20 milhões de pessoas. Em Portugal as mulheres representam 58% do desemprego. São jovens até 25 anos 64%; jovens licenciadas 64%; mulheres com mais de 40 anos 54%.
O desemprego de longa duração é uma realidade que atinge sobremaneira as mulheres, particularmente a partir dos 40 anos para quem se torna cada vez mais difícil a retoma do emprego e que quando, eventualmente, acontece se traduz em perdas do estatuto profissional. A fragmentação e a subversão da relação de trabalho é uma realidade com rosto feminino. Cerca de 2/3 dos novos empregos criados para mulheres são precários.
Hoje a subcontratação e a contratação a termo não são formas de trabalho utilizadas para responder a situações excepcionais mas, pelo contrário, são encaradas em termos estruturais, assumindo a economia paralela ou subterrânea uma função de complementariedade. Não há confronto. Há articulação e conivência. Há, também, um acentuar da impunidade.
Nas grandes superfícies comerciais verifica-se uma permanente subversão do contrato a termo. As empresas fazem promoção dos produtos recorrendo a trabalho clandestino muitas vezes fornecido por empresas alugadoras de mão-de-obra, elas próprias ilegais. Encontramos trabalhadores com contratos ao dia, à tarefa, sem contrato, trabalhadores a receber subsídio de doença, de desemprego, etc. As práticas das empresas avançam no sentido de evitar o vínculo da relação de trabalho normal e subordinado, fugindo a assumir as suas obrigações e os inerentes encargos e responsabilidades: pagamento de férias, contribuições, seguros e impostos. Muitas vezes não há sequer o cumprimento dos salários mínimos nacionais. Nas grandes superfícies e centros comerciais os contratos a tempo parcial e o sistema de pagamento à hora chegam a atingir 80% dos contratados, 90% dos quais são mulheres.
Dentro deste quadro de efectiva violência e de negação do direito do acesso ao emprego com dignidade, o trabalho a tempo parcial regista uma tendência de crescimento, verificando-se que as mulheres representam 70 a 90% desse emprego. Na sua maioria no sector de serviços, são pouco qualificados ou mesmo não qualificados.
O crescimento do emprego no sector terciário favorece o aumento do trabalho a tempo parcial com uma maior exploração dos trabalhadores, já que tais horários tendem a ser ajustados aos picos diários de actividade das empresas e serviços. Não há partilha ou criação de emprego; há efectiva diminuição dos salários dos trabalhadores. De facto, a utilização de novas formas de trabalho tornou-se uma forma de fuga às responsabilidades de contratar mão-de-obra nos termos legais.

Assiste-se à manutenção de emprego instável com um número crescente de trabalhadores em condições de vínculo precário durante largos períodos de tempo. De tal forma é uma situação generalizada que a precaridade se torna, cada vez mais, a forma normal de integração dos jovens no mercado de trabalho.
A desregulamentação do horário não faz sentido, por sua vez, porque os trabalhadores vão ocupar postos de trabalho já criados e integram-se em horários jã existentes. Não há uma situação de mutação. Trata-se de liminar fuga às leis existentes.
Não se trata sequer dum problema de competitividade, mas sim de concentração de capital.

A aposta na manutenção destes modelos de desenvolvimento, baseados numa mão-de-obra barata, desqualificada, dócil e sem direitos e na desvalorização do trabalho, significa para as mulheres em particular - porque as mais atingidas -,um deficit de cidadania, uma violação de um dos mais fundamentais direitos, o do acesso ao trabalho. Tais políticas propiciam a exclusão social e a marginalização de grande parte da população que lentamente se funde no silêncio e a quem é imperativo dar voz.

É necessário que perante a fragmentação da relação laboral se proceda à modificação da natureza do trabalho e da organização da empresa: reduzindo o horário de trabalho, permitindo a compatibilização da vida familiar e profissional para as mulheres e para os homens, de forma a manter a dignidade de todos e todos integrar com preocupação pelo seu desenvolvimento pessoal.
Questão que é particularmente importante para os jovens menos qualificados e para as mulheres em desemprego de longa duração, os mais fragilizados pela precaridade do vínculo, pressupondo, cumulativamente, uma política de formação profissional que permita e incentive a sua qualificação. Do mesmo modo são essenciais para as mães adolescentes, mulheres idosas ou mulheres sós com filhos a cargo, por constituirem grupos sociais extremamente vulneráveis à pobreza e ao risco de exclusão se, a estas condições se junta reduzida ou nua escolarização e ausência de qualificação profissional.

E se é dispiciendo o balanço da aplicação de medidas de intenção tão vagas e generalistas como a maioria das que integram o Plano Global para a Igualdade, aprovado pelo Governo português em Março de 1997, é, no entanto, urgente, nomeadamente para a área do emprego que as medidas 5, 6, 9 e 10 do Objectivo 3 (Promoção da Igualdade de Oportunidades no emprego e nas relações de trabalho), sejam objecto de discussão com as organizações de mulheres e os sindicatos, no sentido de concretizando-as, desdobrá-las em planos de pormenor adaptados às diversas condições dos sectores de actividade.

É necessário que o reconhecimento, já adquirido ao nível do discurso, da importância que as mulheres assumem enquanto protagonistas do desenvolvimento, tenha correspondência efectiva ao nível das acções. É necessário inverter a prática actual de impedir e ignorar as medidas capazes de concretizar a sua participação.

Não é possível considerar como correctas políticas que acentam na degradação dos salários, na desresponsabilização dos Estados face à segurança social e à educação, que são geradoras de desemprego, que aumentam a instabilidade e a insegurança. Se o emprego e a igualdade de oportunidades e justa distribuição do rendimento não estiverem na base das preocupações fundamentais.

A preparação do Congresso da FDIM constitui um período previlegiado de balanço da situação das mulheres, em particular, no que se refere à manutenção das discriminações no plano do emprego e, no geral, no que respeita à aplicação das conclusões da Conferência de Pequim. Será o primeiro ensaio do balanço do século sobre o estado da concretização da igualdade. Participar nesta discussão, será participar no futuro, será participar na discussão do futuro, em relação ao qual as mulheres têm uma palavra determinante a dizer.

No limiar do século XXI são imprescindíveis novos sinais de mudança que permitam, de facto, que as aquisições do século XX - o reconhecimento dos direitos das mulheres e dos povos à autodeterminação económica - se traduzam num efectivo exercício dos direitos, no avanço dos ideais de justiça, de progresso e de democracia.


«Avante!» Nº 1271 - 9.Abril.98